Jolie entrevista Mariane Pearl para a TIME
16 de abril de 2020
Nesta terça-feira, dia 14 de Abril de 2020, pela renomada revista TIME, Angelina Jolie entrevistou Mariane Pearl e falou sobre superação de trauma e sobre a busca pela verdade. Confira o artigo traduzido na íntegra pelo Angelina Jolie Brasil.
Conheço Mariane Pearl há quinze anos, como amiga, mãe, jornalista, defensora das vozes das mulheres e de um espírito invencível. Nós nos conhecemos por uma preocupação em comum pelas pessoas deslocadas e, em 2007, tive o privilégio de participar de um filme baseado em seu livro “A Mighty Heart”. Dezoito anos depois que seu amado marido, o repórter Daniel Pearl, do Wall Street Journal, foi assassinado pelas mãos de terroristas no Paquistão, conversei com ela sobre a superação de traumas, sobre a criação de uma criança após uma tragédia e a perspectiva dela sobre os eventos mundiais.
Liguei para você assim que soube que um tribunal no Paquistão anulou as condenações dos quatro homens acusados de matar Danny, considerando-os culpados de sequestro, mas não de assassinato. Os homens foram tardiamente presos. Você falou, no entanto, sobre as pessoas da Espanha – onde você mora – que estão sofrendo no hospital sem suas famílias. Isso me dizia muito que você estava pensando nos outros. Você poderia compartilhar sua opinião sobre a decisão do Tribunal?
Os fatos são claros e os responsáveis pela morte de Danny merecem a prisão. Outro dia, o padrinho de Adam me ligou do Paquistão. Ele queria compartilhar que todos, tanto no seu ambiente profissional quanto no privado, ficaram indignados com a tentativa de reverter a sentença de Omar Sheikh. Isso significa tudo para mim. Quando deixei o Paquistão grávida de Adam, centenas de cidadãos paquistaneses escreveram para mim, passando seus nomes e contatos para que eu pudesse ver que eles não temiam represálias por nos apoiar. Não estou interessada em vingança seguindo os termos dos terroristas. O que mais importa é como as outras pessoas reagem, é aí que temos uma margem para crescer como mundo: o senso de integridade de cada indivíduo é nossa fonte coletiva de esperança.
Você pode falar um pouco mais sobre isso?
O terrorismo teria vencido se eu tivesse perdido minha fé na humanidade, mas aconteceu o contrário. Acredito ainda mais no potencial das pessoas de permanecerem dignas, empáticas e acredito em pessoas que lutam pela justiça e pelo bem maior. Quanto mais os terroristas odeiam, mais eu amo, quanto mais eles espalham o medo, mais eu espalho a esperança. Enquanto isso, Adam abraça a vida, e Sheikh nunca foi capaz de reivindicar o legado de Danny. Adam quer estudar física e filosofia. Ele também é um talentoso guitarrista e artista gráfico que está aprendendo árabe por conta própria. Ele está indo para Harvard. Nós vencemos esta guerra, eu e todos aqueles, como você, que ajudaram ele a crescer. P.S. Eu disse a Adam que estou fazendo ele passar vergonha, mas a culpa é toda sua. Ele disse que tudo bem.
Me lembro como se fosse ontem, de Maddox e Adam sentados em seu apartamento em Nova York assistindo o o filme “Mogli: O Menino Lobo” enquanto estávamos tentando fazer macarrão. E agora eles são estudantes universitários. Costumo pensar no fato de que, quando você perdeu Danny, estava grávida de Adam. Houve uma promessa que você fez a si mesma, ou a ele, que ajudou você a passar por tudo aquilo?
Quando nos casamos, Danny escreveu um voto de casamento que dizia: “Transforme nossas vidas em uma obra de literatura”. Depois que ele faleceu, entendi o que ele realmente queria dizer além do pensamento romântico em si. Prometi a ele honrar nossa narrativa de paz e compreensão. Prometi continuar ouvindo o Led Zeppelin pelas manhãs. E que eu revidaria toda vez que o desespero e a dor surgissem na minha cabeça, aconselhando-me a desistir de mim e dos outros. Prometi continuar explorando a raça humana e, através da narrativa, lançar uma luz sobre as pessoas que são contra o terror. Quanto a Adam, quando ele nasceu, meu primeiro pensamento foi uma promessa: que eu guardaria sua integridade e liberdade com tanta ferocidade quanto um daqueles leões esculpidos de duas cabeças e cuspidores de fogo que adornam a entrada de nosso prédio.
Como você fala com as crianças sobre as difíceis realidades?
Acredito em levar as crianças a sério, respeitando seus direitos de serem crianças. Na minha própria família, o suicídio de meu pai permaneceu em segredo até os 17 anos. Quando adolescente, eu sabia que ele não tinha morrido apenas por acidente, como me disseram, e isso foi muito assustador. Quando descobri sua nota de suicídio, foi um alívio estranho, mas poderoso. Quando eu descobri isso, nós ainda não tínhamos permissão para conversar sobre ele. Acredito que uma comunicação adequada teria me poupado muita angústia. As crianças não pertencem a ninguém além de si mesmas e têm direito a suas realidades.
Cada situação e trauma é diferente. Você tem algum conselho ou reflexão para as pessoas que estão passando por coisas difíceis nesse momento?
É muito difícil dar conselhos em geral porque a dor é muito específica. As dificuldades tendem a moldar a vida das pessoas e é nosso trabalho, como seres humanos, dar-lhes significado e esclarecer por qual motivo é que viemos a este mundo.
Danny foi alguém que dedicou sua vida à busca da verdade. Você e ele compartilharam a mesma opinião sobre jornalismo? Você ainda tem a mesma fé?
Eu acredito em jornalismo. Minha fé nunca vacilou. Isso não quer dizer que não tenhamos sérios problemas com isso hoje, que vão da economia aos ataques sistêmicos à verdade. Mas a ética era o nosso cimento e ainda é para mim.
Você escreveu sobre como é fácil, para os terroristas, manipular a mídia. Isso ainda é uma preocupação?
Nós somos muito previsíveis. É por isso que os criminosos realizam suas ações a tempo de passar no noticiário da noite. A pressa de chamar a atenção reflete o modelo econômico em que muitas pessoas trabalham. Eles estão nisso pela causa, mas eles tropeçam dentro da máquina de gerar lucro. Durante muito tempo, os jornalistas ficaram felizes em fazer perguntas a todos, menos a si mesmos. As notícias eram tão diretas. Hoje em dia, o jornalismo é tão bom quanto a disposição daqueles que o praticam, de serem honestos quando se perguntam para quem ou para que servem.
Eu admiro o trabalho que você faz treinando mulheres jornalistas com sua iniciativa “Women-Bylines”. Você poderia me dizer o que levou você a isso?
A mídia tradicional substituiu facilmente o sexo feminino até agora. Acho que o evento mais emocionante e promissor da nossa geração, foi o fim daquela era, que começou com a própria humanidade. Hoje, ainda somos violadas como arma de guerra, mantidas como escravas sexuais ou sofremos discriminações de outra era. Também temos três empregos e criamos nossos filhos sozinhas. Na África, no Oriente Médio e em todos os continentes e culturas, as mulheres defendem a justiça – recusando-se a casar quando crianças, mutiladas, privadas de direitos à terra ou retidas por inúmeras leis discriminatórias. Elas estão insistindo em fazer parte da equação buscando o bem maior.
E elas estão assumindo a liderança?
Sim e, para mim, isso é tão interessante porque é uma liderança emergente de pessoas que nunca conheceram o poder. Se você não tem poder, não tem medo de perdê-lo. Quando você toma ciência de como o abuso de poder se traduz na vida da sua família ou em sua comunidade, você não deseja mais isso. Em vez disso, você entende como os seres humanos operam e começa a partir daí.
Com as viagens interrompidas devido ao vírus, haverá muito mais foco em jornalistas e fotógrafos locais.
Existem excelentes jornalistas treinados na maioria dos lugares que os estrangeiros costumam cobrir. Lembro de discutir isso com Danny. Parece completamente errado que as pessoas que conhecem um lugar ou uma situação, com catálogos de endereços certos, tenham sido usadas ??apenas como “reparadoras”. Danny concordou comigo, mesmo que esse pensamento ameaçasse seriamente seu trabalho.
Como você reflete isso em seu trabalho?
Tento combinar os dois: a ascensão das mulheres e o reconhecimento de que as pessoas tem o direito de reportar sobre suas próprias terras. Sou co-fundadora de um projeto de mídia novo chamado “Meteor”, que se concentra no jornalismo de qualidade e nas mulheres. A “Women-Bylines” é uma parte dele, uma série de oficinas em todo o mundo para produzir filmes e multimídia por e sobre mulheres. Se você der voz às mulheres, elas a usarão e, se usarem, será por justiça.
Todos nós estamos distantes, mas existe uma filosofia pela qual você tenta viver?
Você se lembra das últimas palavras do meu livro? Eles são de Diane Ackerman: “Eu juro que não desonrarei minha alma com ódio, mas irei me oferecer humildemente como guardiã da natureza, como curadora da miséria, como uma mensageira do bem, como uma arquiteta da paz.”
Fonte: TIME
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