Revista Veja: O valor maior de Angelina
18 de maio de 2013
A decisão da atriz de revelar que se submeteu a uma dupla mastectomia preventiva é heróica e reflete também os avanços da medicina na prevenção, detecção e tratamento do câncer de mama.
“Minha mãe lutou contra o câncer por quase uma década e morreu aos 56 ano. Conseguiu sobreviver tempo suficiente para conhecer seus primeiros netos e tê-los nos braços. Mas meus outros filhos não terão a oportunidade de conhecê-la e ver quanto ela era amorosa e carinhosa.” Assim começa o emocionante depoimento da atriz Angelina Jolie ao jornal americano ‘The New York Times’, intitulado “Minha escolha médica.” Aos 37 anos, ela revelou ter se submetido a uma dupla mastectomia preventiva para minimizar o risco de desenvolver câncer de mama. Sua mãe, Marcheline Bertrand, morreu em 2007, depois de uma década de luta contra tumores malignos nas mamas e nos ovários. A avó materna de Angelina também foi vítima do mesmo mal. Lois June morreu aos 45 anos em 1973. “Muitas vezes conversamos sobre a ‘mamãe da mamãe,’ e me vejo tentando explicar a doença que a tirou de nós,” lê-se no artigo assinado pela atriz. “As crianças perguntam se o mesmo poderia acontecer comigo. Sempre respondi que não deviam se preocupar, mas a verdade é que eu tenho um gene ‘defeituoso,’ o BRCA1, e isso eleva muito o meu risco de ter câncer de mama e de ovário.”
A angústia e o medo embutidos na escolha de Angelina são difíceis de avaliar por quem nunca esteve na linha de tiro dessa condenação genética à morte. Decidir extirpar as duas mamas é uma maneira radical mas compreensível de afastar a sentença fatal. O heroísmo de Angelina está em expor publicamente sua decisão. Mesmo com os processos atuais de reconstrução de mama tendo atingido a quase perfeição cosmética, a escolha natural para uma atriz de beleza primal seria esconder a intervenção. Agora que todos sabem da cirurgia, será que os olhos dos fãs vão procurar imperfeições quando forem exibidas novas imagens de seu corpo milimétrica e generosamente esquadrinhado pelas câmeras de alta resolução? Será que os produtores vão continuar oferecendo-lhe contratos milionários para estrelar filmes como a mulher fatal? Bobagem pensar que essas indagações não passaram pela cabeça de Angelina. Mas ela optou pelo que existe de real valor neste mundo, a vida e a convivência familiar com o companheiro. o ator Brad Pitt, e os seis filhos.
A escolha de Angelina Jolie serve também como um alerta muitas vezes mais poderoso do que aqueles das campanhas tradicionais de prevenção do câncer de mama. A atitude da atriz é uma lembrança de que as mulheres precisam se antecipar à doença – e, em tomando a iniciativa, vão encontrar uma medicina preventiva, de diagnóstico e de tratamento que evoluiu exponencialmente nos últimos anos. Entre 5% e 10% das mulheres diagnosticadas com câncer de mama ouvirão de seus médicos terem herdado uma sequência trágica de genes como a que levou Angelina Jolie a optar pela mastectomia dupla radical. A maioria das mulheres que vierem a ser diagnosticadas com esse tipo de câncer tem grande probabilidade de ter sido atingidas por um mal preocupante mas curável. A cada ano 1,5 milhões de mulheres em todo o mundo recebem o diagnóstico dessa doença, entre elas 53.000 brasileiras. O câncer de mama ainda mata 458.000 mulheres por ano no mundo – 13.000 delas no Brasil. Mas o número de fatalidade cai ano a ano graças aos avanços técnicos médicos.
Exames de sangue capazes de identificar mutações genéticas que predispõem ao câncer de mama custam em torno de 7.000 reais. Seja qual for o resultado, eles permitem à mulher e ao seu médico decidirem com mais clareza. “A vida vem com muitos desafios. Aqueles que podemos encarar e sobre os quais podemos ter controle não devem nos assustar,” escreveu Angelina. Para as pacientes geneticamente propensas a ter câncer de mama, alternativa à mastectomia dupla é o incômodo diário da quimioterapia preventiva ou dos exames frequentes. “Muitas mulheres que acompanharam o sofrimento de mães ou irmãs na luta contra a doença optam pela cirurgia preventiva,”diz Maria Isabel Achatz, diretora do departamento de oncogenética do Hospital A. C. Camargo, em São Paulo.
Nos Estados Unidos, cerca de 50% das pacientes portadoras dos genes malignos optam pela abordagem cirúrgica radical preventiva. No Brasil, quatro em cada cinco dessas pacientes preferem a vigilância constante, o stress dos testes, e fogem do bisturi. “Indico a cirurgia profilática a toda paciente que chegue ao meu consultório com o teste positivo;É a medida mais eficaz,” diz o mastologista Antonio Luiz Frasson, do Instituto de Oncologia do Hospital Albert Einstein, em São Paulo, e professor da Faculdade de Medicina da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. A operação reduz em 95% a probabilidade de manifestação da doença. Por que não 100%? Porque o cirurgião tem de manter intacta parte do tecido mamário de modo a garantir a irrigação sanguínea dos mamilos, das aréolas e da pele.
Mutações nos mesmos genes respondem por 54% das incidências de tumores malignos nos ovários. “Comecei pelos seios porque o risco de câncer de mama é mais elevado do que o risco de câncer de ovário, e a cirurgia é mais complexa,” escreveu Angelina. A retirada dos ovários (ooforectomia, no jargão médico) leva a uma queda drástica na produção dos hormônios femininos, causando a menopausa e todos os sintomas relacionados a ela. A partir dos 40 anos, no entanto, a indicação cirúrgica é incontestável para as mulheres portadoras da mutação genética. O procedimento reduz em 90% o risco de câncer de ovário, tumor de alta agressividade e difícil detecção.
A operação de mastectomia de Angelina Jolie foi feita em três etapas. A primeira aconteceu no dia 2 de Fevereiro, e a última, em 27 de Abril, com a implantação das próteses de silicone. A segunda etapa foi, sem dúvida, a mais complicada e agressiva. A retirada das glândulas mamárias durou oito horas. A atriz saiu da sala de operação do hospital Pink Lotus Breast Cancer, em Beverly Hills, Los Angeles, com seis drenos, três de cada lado, presos a um cinto elástico. Quatro dias depois da operação, Kristi Funk, a médica de Angelina, a encontrou animada, trabalhando em um novo projeto como diretora – com as paredes da sala cobertas por storyboards.
O câncer foi descrito pela primeira vez no século V .a.C. pelo grego Hipócrates. A imagem de um tumor cercado por vasos sanguíneos lembrava-lhe a de um caranguejo enterrado na areia com as patas abertas ao seu redor. Daí o nome “câncer,” do grego karkinos, caranguejo. Apesar de todos os avanços, a doença continua a desafiar a medicina. “O câncer não é uma doença, mas muitas. Podemos chamar todas da mesma maneira porque compartilham uma característica fundamental: o crescimento anormal de celular,” escreve o médico Siddhartha Mukherjee, no excelente ‘O Imperador de Todos os Males – Uma Biografia do Câncer’. Tumores idênticos podem responder de formas diferentes a um mesmo procedimento. Além disso, um único câncer pode ser dividido em vários subtipos. Os de mama já somam dez, conforme um trabalho publicado em 2012 na revista científica ‘Nature.’ “Descobertas desse tipo abrem oportunidade para individualizar ainda mais o tratamento,” diz Fernando Maluf, oncologista do Hospital São José, em São Paulo. Segundo no ranking mundial das neoplasias mais incidentes, o câncer de mama é, sem dúvida, o mais estudado – e “está entre os mais curáveis,” lembra Paulo Hoff, oncologista do Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo. Do total de pesquisas em câncer, cerca de 40% delas são sobre os tumores malignos de mama. Estão em estudo cerca de 200 novos medicamentos para o combate a doença. O inimigo não é mais implacável, como se vê nos depoimentos das mulheres que ilustram esta reportagem. As cirurgias estão menos agressivas, os medicamentos, mais precisos, e a radioterapia está mais segura.
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