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Revista Época: A influência de Angelina

18 de maio de 2013

Ao retirar os seios para proteger-se do risco de um câncer hereditário, Angelina Jolie mostrou coragem. Ao transformar seu gesto em exemplo, pode induzir outras mulheres à decisão errada.

Angelina Jolie não é uma mulher de meios-termos. Nunca foi. Na adolescência, pintava o cabelo de roxo,colecionava facas e gostava de se cortar. Nessa época, as tatuagens começaram a se espalhar por seu corpo. Em 1996, aos 21 anos, casou-se com o ator britânico Jonny Lee Miller usando uma camiseta branca, em que o nome de Miller estava escrito com o sangue dela. Não deu certo. Em seu segundo casamento, com o também ator Billy Bob Thornton, usava um frasco com o sangue dele pendurado no pescoço. Não funcionou. O sucesso no cinema, que deslumbra e entorpece as personalidades, não teve esse efeito nela. Angelina continuou Angelina – e algo mais. Rompeu publicamente com o pai, o ator Jon Voight, que disse que ela tinha “problemas mentais,” e envolveu-se com trabalho humanitário na África e no Paquistão. Terminou embaixadora das Nações Unidas. Ao mesmo tempo, adotou três crianças de três países diferentes – Camboja, Vietnã e Etiópia – e teve outras três com o ator Brad Pitt, seu atual marido, provavelmente o homem mais desejado do mundo. Linda e famosa, também provavelmente a mulher mais desejada do mundo, Angelina transformou sua vida num manifesto – foi eleita pela revista Forbes em 2009 como a celebridade mais poderosa do mundo. Em 20 anos de vida pública, conseguiu, nas palavras imortais de Steve Jobs, deixar uma marca no Universo.

Na semana passada, Angelina foi além. Num artigo escrito para o jornal americano The New York Times, revelou ter se submetido há alguns meses a uma cirurgia conhecida tecnicamente como mastectomia preventiva dupla. Por trás do nome complicado, havia uma revelação desconcertante: o maior símbolo sexual do planeta escolhera tirar os seios perfeitos para diminuir suas chances de desenvolver câncer de mama. Aos 37 anos. “Posso dizer aos meus filhos que eles não precisam temer me perder para a doença”, escreveu. Anunciar publicamente sua luta contra o risco de câncer – na tentativa de influenciar as decisões de outras pessoas sobre sua própria saúde – é seu gesto mais pretensioso. E controverso. “Quero encorajar cada mulher, especialmente as com casos de câncer de mama e ovário na família, a procurar informações e especialistas que possam ajudar a tomar decisões.”

Famosa como é, Angelina poderia ter simplesmente deixado que o mundo soubesse o que ela fez. Sua decisão, mesmo silenciosa, teria uma influência tremenda sobre outras mulheres. Ao agir como agiu, ao vocalizar sua escolha, se transformou, ainda que involuntariamente, em garota-propaganda de uma forma radical de medicina preventiva que não serve para todo mundo. Em poucas horas, seu texto varreu o mundo, dominou as redes sociais e fez as mulheres perguntar a seus médicos se elas também corriam risco. Elas foram atrás de informações, algo saudável. Mas um número elevado se alarmou perigosamente. A decisão de Angelina pode fazer todo o sentido do ponto de vista pessoal. Ao ser anunciada como fórmula de sobrevivência num alto-falante global, pode surtir efeitos perversos. No Brasil, o “efeito Angelina” fez com que o ministro da Saúde, Alexandre Padilha, viesse a público pedir cautela. “Já surgiram vários estudos que mostraram um número grande de mastectomias realizadas em pacientes em que depois se afastou o risco”, disse.

A indicação clínica para a retirada preventiva das mamas é bastante precisa. E restrita. Só é sugerida para mulheres que tenham determinadas mutações genéticas, passadas de geração em geração na família, que predispõem à doença. Mesmo que elas descubram carregar essas alterações, a paciente deve analisar com seu médico se essa é a melhor opção para ela. Como os testes genéticos apontam a probabilidade, e não a certeza, de desenvolver uma doença, é perfeitamente aceitável que ela escolha usar outros métodos, menos eficazes, mas também menos radicais, para se resguardar. Nesses casos, são recomendados exames a cada seis meses, ou drogas que tentam evitar o aparecimento de tumores.

Há outro lado do “efeito Angelina.” Ao assumir-se protagonista de sua decisão médica, Angelina expôs um dilema íntimo, vivido por milhões de mulheres no mundo. Só no Brasil, a cada ano, cerca de 52 mil mulheres recebem a notícia de que têm câncer de mama, o mais comum na população feminina. Angelina convive com o fantasma da doença há quase 20 anos, quando sua mãe foi diagnosticada. Marcheline Bertrant, também atriz, morreu aos 56 anos, em 2007, em decorrência da doença. Assombrada pela chance de ter o mesmo destino, Angelina se submeteu a um teste que analisa dois genes que todos carregamos nas células do corpo. Sua função normal é prevenir o crescimento celular descontrolado. Mas eles podem carregar alterações que afetam seu funcionamento adequado. Isso aumenta, nas mulheres, as chances de desenvolver câncer de mama e ovários e, nos homens, o risco de câncer de mama. Angelina descobriu que herdara a mesma mutação genética da mãe: trocas de bases químicas no gene conhecido pela sigla BRCA1. De acordo com certos estudos, elas aumentavam em 87% seu risco de ela ter câncer de mama e, em 50%, câncer de ovário. A oncologista Maria Isabel Achatz, do A.C. Camargo Cancer Center, de São Paulo, diz que outros estudos poderiam ter dado a Angelina probabilidades diferentes. “O estudo usado no caso dela é o que sugere o risco mais alto,” diz.

Confrontada com essa estatística, Angelina não suportou a dúvida. Em 2 de Fevereiro, deu início a uma sequência de três intervenções cirúrgicas, encerrada em 27 de Abril. Elas foram realizadas no Pink Lotus Breast Cancer, uma clínica em Los Angeles, nos Estados Unidos, conhecida por atender celebridades como a cantora Sheryl Crow, diagnosticada com câncer de mama em 2006. Na primeira cirurgia, os médicos fizeram uma incisão nos mamilos, para estimular a proliferação de vasos sanguíneos e reduzir o risco de ela precisar perdê-los. É um procedimento pouco comum. “Houve um excesso de zelo, porque Angelina é uma celebridade e vive de sua imagem,” diz Alexandre Mendonça Munhoz, cirurgião especializado em reconstrução de mama e professor do instituto de ensino e pesquisa do Hospital Sírio-Libânes, em São Paulo. Em 16 de Fevereiro, Angelina fez a cirurgia principal, para retiraras duas mamas, que pode levar até oito horas. No mesmo dia, colocou próteses temporárias, preenchidas por dez dias com soro.

Após essa segunda intervenção, a médica Kristi Funk diz ter se surpreendido com uma Angelina animada, observando, em pé, duas paredes de sua casa, cobertas com rascunhos de seu próximo projeto. “De cada seio, pendiam três drenos,” escreveu Kristi no site da clínica. Em que outras circunstâncias um médico escreveria, detalhadamente, sobre os procedimentos envolvendo um paciente famoso? Em 27 de Abril, Angelina passou pela cirurgia final, para colocar as próteses de silicone. “Não me sinto menos mulher,” escreveu. No texto do The New York Times, deu a entender que também retirará os ovários. O procedimento é considerado, por alguns médicos, ainda mais importante, porque o câncer é de difícil detecção. A retirada dos ovários fará com que ela entre na menopausa.

Os dilemas são muitos nesses casos. Antes de considerar uma cirurgia radicam como a de Angelina, é preciso descobrir se a mulher tem um risco alto de desenvolver câncer de mama. Aquelas com maior probabilidade são aquelas cujas parentes de primeiro grau (mãe, irmãs) e de segundo (avós, tias) tiveram a doença antes do 50 anos. Esse é um indício de que mutações genéticas que favorecem o câncer são passadas de geração em geração na família. Esse câncer hereditário é menos comum. Corresponde a cerca de 10% dos casos. Mas quem tem essas alterações genéticas corre mais risco de desenvolver a doença. Se, na população feminina, cerca de 12% terão câncer de mama, entre as que herdaram mutações nocivas nos genes conhecidos pelas siglas BRCA1 e BRCA2 esse número sobre para 60%, segundo o National Cancer Institute, dos EUA.

Nos últimos anos, com o desenvolvimento dos teste genéticos, os médicos ganharam uma ferramente importante para identificar pacientes com os genes perigosos. “Esse tipo de exame é o maior passo dado até hoje na medicina personalizada,” afirma Bernardo Gariochea, coordenador de ensino e pesquisa do Centro de Oncologia do Hospital Sírio-Libanes. O teste que Angelina fez foi desenvolvido pela empresa americana Myriad Genetics, em 1996. A empresa enfrenta, atualmente, um processo na Justiça americana, que decide se ela poderá continuar com a patente dos genes. Com o anúncio de Angelina, suas ações alcançaram seu patamar mais alto em um ano. O teste está disponível no Brasil desde 2001. Custa caro, cerca de R$ 7 mil. Não está na cobertura do Sistema Único de Saúde, e são poucos planos privados que aceitam cobri-lo. Os médicos recomendam que mulheres com histórico na família – e somente essas – façam o teste.

Leia a matéria completa nas scans da Revista Época disponíveis na Galeria de Fotos do Angelina Fan Brasil:

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