Angelina Jolie: “Me sinto tão rebelde quanto fui no passado”
30 de janeiro de 2015
Neste papo sobre seu segundo trabalho como diretora, “Invencível”, a atriz e cineasta Angelina Jolie fala que é inquieta e nunca relaxa, se sente rebelde como na juventude e ainda tem muito a aprender.
Escrito por Mariane Morisawa para a revista brasileira Claudia.
Angelina Jolie teve um ano e tanto, mesmo para seus (altos) padrões. É que ela parece poder fazer tudo: viajar pelo mundo para causas humanitárias, cuidar de seis filhos (três deles adotivos), atuar em dramas e tramas de ação e, claro, casar-se com Brad Pitt – com quem mantém uma relação de cerca de dez anos, embora só tenham oficialmente dito “sim” em agosto passado. Agora, ela adiciona à sua lista “dirigir uma superprodução baseada em história real”, e isso depois de, na mesma posição, só ter feito um filme independente. Invencível é uma adaptação do livro de Laura Hillenbrand que conta a história de Louis Zamperini, ítalo-americano sempre envolvido em encrenca na infância. Mas ele se torna atleta, disputa a Olimpíada de 1936, vai para a Segunda Guerra, fica à deriva no mar por 47 dias depois de seu avião ser derrubado e vira prisioneiro dos japoneses. Por mais que Angelina Jolie seja Angelina Jolie, não foi fácil convencer o estúdio de que daria conta de cenas tão complicadas. Mas, teimosa, conseguiu. Afinal, queria “desesperadamente” o trabalho, até porque se identificou com Louis, rebelde capaz de coisas extraordinárias.
A atriz-cineasta teve sua dose de complicações na juventude, mas diz que redirecionou essa energia. Ao encontrá-la, logo se entende por que ela se vira bem com meia dúzia de crianças – Maddox Chivan, 13, Pax Thien, 11, Zahara Marley, 9, Shiloh Nouvel, 8, e os gêmeos Knox Léon e Vivienne Marcheline, 6 – ou um batalhão de rapazes interpretando soldados. Há serenidade em seu rosto durante toda a conversa com CLAUDIA, em uma suíte do hotel Four Seasons, em Beverly Hills. Sua calma é pontuada por muitos sorrisos e algumas lágrimas ao falar de Louis, que morreu em julho, aos 97 anos.
Qual foi sua conexão com Louis Zamperini?
Li o livro de Laura e, conforme lê, você aprende e muda como pessoa. Quis desesperadamente fazer o filme. Ele morava no mesmo bairro que eu: a janela da sala dele dava para a do meu quarto. A gente brincava (ao se conhecerem em função do trabalho) que ele tinha passado 57 anos (desde que publicou uma autobiografia) sentado na sala pensando quem ia fazer um filme sobre sua vida, enquanto eu deitava na cama pensando o que mais ia fazer. Éramos como Romeu e Julieta (risos)! Finalmente, nos descobrimos.
Louis Zamperini viu alguma coisa do filme?
Sim. Assim que foi internado, corri para o hospital. Eu me debrucei sobre ele com meu computador para mostrar o filme. Foi lindo ver esse homem de 97 anos assistir à própria vida… Não parecia estar assistindo. Viu o bombardeio e disse Pete, nome de seu irmão. Quando havia cenas de guerra, pulava um pouco. Quando a mãe apareceu, sorriu. Ele se viu correndo na Olimpíada de novo, num estágio em que, fisicamente, não podia fazer nada daquilo. Em sua mente, ele se preparava para estar com sua família.
Ele toma uma decisão que o leva de volta ao campo de prisioneiros. Louis ensinou algo sobre decisões difíceis?
Com certeza. Não foi acidental eu ter conhecido Louis e, pouco depois, me sentido tão à vontade para fazer minha cirurgia (uma mastectomia dupla para evitar o alto risco de câncer de mama). Meses mais tarde, já estava filmando Invencível. Não é coincidência, estava envolvida por essa energia de fazer a coisa certa, seguir em frente, assumir a responsabilidade das coisas pelas quais posso ser responsável e ser forte. Ele foi como uma luz para mim, para que tomasse as decisões difíceis pelas razões certas.
Como essa decisão tão difícil da cirurgia afetou sua vida?
Todos os dias temos de tomar decisões que nos afetam. Por exemplo, ter filhos. Tento sempre tomar as decisões certas, mas nunca se sabe. Se bem que acho que você sabe, sim, quando está tomando a decisão pelas razões certas.
Você também já passou por muita coisa na vida. Pensa numa autobiografia, talvez até numa cinebiografia?
Sinto que tenho tanto a aprender ainda; estou no meio do caminho em direção ao que devo ser. Acordo diariamente pensando se faço o suficiente e o que deveria estar fazendo com minha vida. Acho que nos sentimos atolados pelo que vemos no noticiário. Trabalho com refugiados, são 51 milhões de pessoas deslocadas por causa de conflitos, mais que na Segunda Guerra. Isso nos lembra o que é o ser humano. Mas podemos encontrar dentro de nós mesmos algo que nos faça acreditar que as coisas são possíveis. Louis era alguém comum, tanto quanto nós. Era filho de imigrantes italianos e sofria preconceito por isso. Fumava e bebia aos 9 anos, e roubava. O cenário dizia: “Esse aí não vai dar certo” (risos). E ele falhou muitas vezes, só que tentava de novo. Sua história mostra que todos nós temos a chance de escolher ser pessoas melhores.
Como faz para relaxar de todo o stress?
Se você perguntasse ao Brad, ele diria que eu jamais relaxo. Eu sou terrível. Não consigo simplesmente não fazer nada. Enfim, não relaxo. Meus filhos são do tipo que pulam na cama. Eles são mais agitados e bagunceiros do que eu (risos). Então eu toco tudo no caos mesmo.
Tanto você quanto Brad trabalharam em dramas sobre a Segunda Guerra. Como foi?
Ele fez “Corações de Ferro” enquanto eu rodava “Invencível”. Na verdade, foi a primeira vez que ficamos separados. Ele não podia estar lá no set de Invencível. Então foi interessante. Decidimos tirar algo positivo da experiência. E fizemos isso ao estilo da Segunda Guerra: escrevemos cartas um para o outro – ele da Europa, eu do Pacífico.
Louis era um rebelde. Identificou-se com ele, até porque você também foi um tanto assim na juventude?
Um pouco. Nunca se elimina o lado rebelde (risos).
Olhando para trás, quando acha que a rebeldia cessou?
É engraçado: me sinto tão rebelde hoje quanto fui no passado, por causa das viagens que faço, da vida que levo com meus filhos, das decisões que tomo… Mas a direção para essa energia pode ser ajustada. Até o fim de seus dias, Louis era um danado, mas ele usou isso a favor de coisas boas. Com luta e convicção. A grande mudança foi parar de pensar tanto em mim mesma. Aconteceu quando fui para um país assolado pela guerra pela primeira vez. Quando você cresce em Los Angeles, se aborrece com mediocridades, bobagens. Aí, ao viajar para um lugar desses, tem vontade de dar um tapa na própria cara, pois pensa: “Como eu ouso reclamar de qualquer coisa? Como quero mais quando tanta gente tem tão pouco e está sofrendo?” Ao perceber isso, fiquei com vergonha de ter me preocupado muito com meus problemas. Mudei completamente e faço questão de me lembrar disso todo dia. É o motivo pelo qual leio as notícias logo ao acordar.
Você até deixa a família para fazer trabalho humanitário. Não fica frustrada com o pouco que é possível fazer?
Vai muito além da frustração. Uma vez almocei com Jane Goodall (ativista de proteção aos animais selvagens) e falei como era difícil ainda ter esperança. Ela bateu o punho na mesa: “Sempre há esperança!”, afirmou. Queria dizer que eu não tinha o direito de desistir da chance de melhorar um pouco as coisas. Não sei como será, mas algo vai se quebrar para reconstruirmos e repensarmos como lidamos uns com os outros. Preciso acreditar que é possível mudar. Ou Jane ficaria brava comigo (risos).
Fonte: Claudia
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