Jolie escreve artigo para o The Guardian
4 de dezembro de 2022
Na semana passada o renomado jornal britânico, “The Guardian”, publicou em seu website oficial um artigo exclusivo escrito por nossa musa inspiradora, Angelina Jolie. Demorou mais chegou, confira abaixo o conteúdo traduzido na íntegra pelo Angelina Jolie Brasil!
Ação imediata é necessária para acabar com a violência sexual em conflitos Apesar das promessas feitas pelos governos ao redor do mundo, ainda não se foi feito o suficiente para ajudar os sobreviventes e deter os perpetradores.
Escrito por Angelina Jolie
Quase uma década atrás, mais de 150 países aderiram à Declaração Global de Compromisso visando acabar com a violência sexual em conflitos. Referidos países prometeram levar os perpetradores à justiça, colocar as necessidades dos sobreviventes em primeiro lugar e tomar outras medidas práticas com o objetivo de acabar com a impunidade.
Essas eram metas grandiosas e houve algum progresso, incluindo algumas medidas a nível nacional, como a adoção do Código Murad e o estabelecimento do Fundo Global de Sobreviventes.
Mas isso não foi suficiente para atender às necessidades dos sobreviventes ou para impedir que os perpetradores continuem a usar o estupro como arma de guerra em quase todos os novos conflitos gerados na última década.
Apesar dos compromissos assumidos pelos governos, não vimos uma ação significativa e duradoura a nível global. Isso é profundamente doloroso e frustrante. A violência sexual relacionada a conflitos foi reportada em pelo menos 18 países apenas no ano passado, das Américas à Ásia e da Europa à África.
Estamos falando de crimes de extrema brutalidade. Agressões a mulheres e a homens praticadas na frente de suas famílias. O estupro coletivo de crianças – que foram vítimas em quase metade de todos os casos verificados pela ONU no ano passado.
A violência sexual em conflitos faz com que a paz seja mais difícil de ser alcançada – e algo muito menos estável. Ela aumenta o risco de violência doméstica. Ela impulsiona o deslocamento de pessoas. Ela impede que as meninas frequentem a escola. Ela deixa cicatrizes de traumas e estigmas que afetam sociedades inteiras e atravessam gerações.
Nós nos reunimos e discutimos sobre esses horrores e concordamos que eles nunca devem acontecer novamente. Prometemos traçar – e manter – essa linha. Mas quando se trata de escolhas difíceis sobre como implementar essas promessas, sempre nos deparamos com os mesmos problemas.
Encontramos alguns membros do Conselho de Segurança abusando de seu poder de veto, como no caso da Síria. Deparamo-nos com interesses econômicos e políticos sendo colocados em primeiro lugar, tratando alguns conflitos como mais importantes do que outros.
E nos deparamos com a falta de vontade política, o que significa que, nos últimos anos, os governos rebaixaram a importância dos esforços para combater a violência sexual em zonas de guerra, apesar dela fazer ligação direta com a paz e com a segurança internacional.
Apesar de todos os nossos conhecimentos sobre esses crimes, menos de 1% da ajuda humanitária é gasto na prevenção ou na resposta à violência sexual e de gênero, embora a violência sexual seja endêmica em situações em que as pessoas são deslocadas por conflitos ou desastres.
Sobreviventes e defensores destacam essa lacuna de financiamento há anos, e abordá-la foi uma das promessas previstas na Declaração Global. A criação de um órgão internacional permanente que possa ajudar a preencher a lacuna de responsabilidade também foi discutida por anos sem nenhum progresso.
Uma nova comissão internacional permanente para documentar e investigar a violência sexual em conflitos poderia auxiliar os investigadores, os promotores e os mecanismos de responsabilidade e justiça nacionais e internacionais. Poderia atuar como um órgão profissional, um repositório de conhecimentos e dados e fornecer treinamento para pessoas envolvidas na investigação de atrocidades e crimes de guerra.
Quando seres humanos são agredidos fisicamente dessa forma, deve haver uma resposta global decisiva. Quando não há, isso passa a mensagem, tanto para a vítima quanto para o perpetrador, de que realmente não consideramos isso como um crime significativo que deve ser punido e prevenido.
Nos próximos dois dias, ministros do governo, acadêmicos, profissionais da sociedade civil e sobreviventes se reunirão em Londres para uma conferência que busca renovar a vontade política global de prevenir a violência sexual em conflitos. Portanto, esta conferência deveria, a meu ver, analisar atentamente o que foi bem-sucedido – e o que não foi.
Na última conferência, que aconteceu em Londres no ao de 2014, sobreviventes e ONGs apresentaram informações e soluções para a impunidade, desde a reforma das forças armadas até o desenvolvimento da capacidade local e a garantia de assistência médica, atendimento a traumas, apoio aos meios de subsistência e reparações para os sobreviventes.
Esta conferência não deveria ser mais um evento em que os sobreviventes precisam se apresentar novamente para explicar suas dores e seus sofrimento ou, para mostrar suas disposições de trabalhar com os governos, já que os países não estão dispostos a cumprir seus compromissos de longo prazo.
Governos e esforços internacionais vêm e vão. Aqueles que permanecem e que lutam e batalham durante décadas são as pessoas locais – neste caso, os sobreviventes de estupro e algumas pessoas como o ginecologista congolês e ganhador do Prêmio Nobel, Dr. Denis Mukwege. Ele tratou dezenas de milhares de sobreviventes de estupro, apesar dos ataques contra sua vida, durante anos.
Se os líderes globais estivessem dispostos a, pelo menos, serem corajosos e comprometidos quanto o Dr. Mukwege – e quanto aos sobreviventes – então, talvez, pudéssemos finalmente encontrar uma maneira de enfrentar esse crime com a resposta que ele merece.
Angelina Jolie é uma cineasta estadunidense, co-fundadora da Iniciativa de Prevenção à Violência Sexual em Conflitos (PSVI) e Enviada Especial do Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (UNHCR / ACNUR).
Fonte: The Guardian
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