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Angelina Jolie: por que o mundo precisa de mais mulheres más

5 de agosto de 2019

Na manhã desta segunda-feira, dia 05 de Agosto de 2019, a revista norte americana, Elle, anunciou através de seu website oficial que Angelina Jolie estampará a capa de sua edição do mês de Setembro. Em um artigo escrito pela atriz e com fotos feitas pelo renomado fotógrafo, Alexi Lubomirski, Jolie fala por que o mundo precisa de mais mulheres más. Confira a matéria traduzida na íntegra exclusivamente pelo Angelina Jolie Brasil:

Malévola: adjetivo, causadora ou capaz de produzir mal ou perversidade; nocivo ou funesto [do latim malevolo- de maleficus, ímpio, propenso ao mal, do malum, mal]. Malefice: n. (arcaico), um ato perverso ou maldição.

Por que o poder de uma mulher livre, de mente e de corpo, foi visto como algo tão perigoso ao longo da história? No passado, o mandamento do Antigo Testamento que previa “Não permitirás que viva uma feiticeira” foi interpretado no sentido literal. Dezenas de milhares de pessoas foram executadas por maleficia, o alegado crime de más ações praticadas através da magia, desde a caça às bruxas na Europa até os julgamentos na cidade de Salém na América do Norte. A maioria destas pessoas era formada por mulheres.

Como a teoria da conspiração final, qualquer coisa que você não conseguisse explicar – desde uma colheita escassa até uma criança adoecendo – poderia ser atribuída a influência de uma mulher supostamente má. Estas eram, muitas vezes, viúvas destituídas que ganhavam certa existência como curandeiras que viviam à margem da sociedade; ou eram mulheres mais jovens, cujos poderes sedutores podiam facilmente ser atribuídos a magia.

As mulheres podem ser acusadas de bruxaria por terem uma vida sexual independente, por falarem sobre política ou religião, ou por se vestirem de maneira diferente. Se eu tivesse vivido em épocas anteriores, poderia ter sido queimada na fogueira muitas vezes por, simplesmente, ter sido eu mesma.

A acusação de bruxaria tem sido usada para controlar e silenciar as mulheres em quase todas as sociedades e em todos os séculos. Joana d’Arc foi morta por fogo na França do século XV por idolatria e heresia, inclusive vestindo roupas masculinas. As acusações iniciais contra ela incluíam bruxaria, e ela foi acusada de dançar perto de uma árvore de fadas à noite – comportamento de bruxaria previsto nos livros didáticos.

É algo tão ridículo que quase chega a ser engraçado, até você lembrar que uma mulher dançando ou cantando em público é vista como algo ilegal ou indecente em muitos países nos dias de hoje. Garotas iranianas que postam vídeos de si mesmas dançando, desafiam o que a lei do país e o dogma religioso ainda consideram como um comportamento inaceitável para as mulheres, seis séculos depois.

Desde tempos imemoriais, as mulheres que se rebelam contra o que é considerado normal pela sociedade – mesmo que não intencionalmente – foram rotuladas como antinaturais, estranhas, perversas e perigosas. O que surpreende é a extensão pela qual esse tipo de mito e preconceito persistiram ao longo dos séculos e que ainda colorem o mundo em que vivemos.

É surpreendente a frequência com que as mulheres que concorrem a cargos políticos em países democráticos são descritas como bruxas. Reúna um grupo de mulheres fortes e, em pouco tempo, alguém o rotulará como “covil” – o termo técnico, para ser clara, para um encontro de bruxas que se reúnem à noite para se relacionarem com o diabo. As mulheres que defendem os direitos humanos, em muitos países, ainda são rotuladas como “desviantes”, “mães ruins”, “difíceis” ou “perdidas”.

Com meu trabalho humanitário, eu viajo frequentemente para países onde sei que, se eu fosse cidadã, minhas crenças e ações como mulher poderiam me colocar na cadeia ou me expor ao perigo físico. Defensores dos direitos humanos do sexo feminino, em todo o mundo, são encarceradas por suas opiniões políticas, ou por defenderem a si mesmas, ou os outros, com uma coragem que eu mal posso imaginar. Com todos os nossos avanços modernos, a independência e a energia criativa das mulheres ainda são frequentemente vistas como uma força perigosa a ser controlada, muitas vezes em nome da religião, tradição ou cultura.

Considere as estimadas 200 milhões de mulheres e meninas que, hoje, sofrem mutilação genital. Ou as aproximadamente 650 milhões de mulheres e meninas em todo o mundo que são criadas para casar antes dos 18 anos de idade. A cada ano, milhares de mulheres e meninas são assassinadas por membros de suas próprias famílias, pelos chamados crimes de honra, como punição pelo exercício de sua própria vontade. E quando milhares de mulheres sudanesas tomaram as ruas da cidade de Cartum, pedindo por eleições livres em seu país, a ordem dada foi a de “acabar com as garotas”, o que gerou uma série de supostos estupros praticados por agentes da segurança pública.

Nada disso é para se desconsiderar, ou para se subestimar, os terríveis abusos praticados contra homens e meninos – incluindo aqueles praticados através das modernas alegações de bruxaria. Mas olhando para o mundo, nós temos que perguntar: por que tanta energia é gasta para manter as mulheres em uma posição secundária?

Observadas sob essa luz, as “mulheres más” são apenas mulheres cansadas da injustiça e do abuso. As mulheres que se recusam a seguir regras e leis que não mais acreditam, são melhores para si e para suas famílias. Mulheres que não desistem de sua voz e de seus direitos, mesmo correndo o risco de morte, encarceramento ou rejeição por parte de suas famílias e comunidades.

Se isso é maldade, então o mundo precisa de mais mulheres más.

Mas também é verdade que as mulheres não acordam todas as manhãs querendo lutar. Queremos poder ser gentis, graciosas e amorosas – nem todas nascem para lutar. E nós não temos poderes mágicos. O que nós temos é a capacidade de apoiar umas as outras e de trabalhar ao lado de muitos homens importantes que valorizam e respeitam as mulheres como iguais.

Eu lembro de um pai que conheci na primeira vez que fui a um campo de refugiados afegão no Paquistão, durante o governo do Talibã. Ele havia sido espancado tão gravemente por mandar suas filhas a escola, que o branco de seus olhos estava amarelo devido aos danos causados ao fígado. Eu lembro de um marido sírio que conheci, cuja esposa ficou paraplégica após ser atingida por um tiro na coluna, dado por um franco atirador. Eles viviam em um campo de refugiados, sem posses e sem ter para onde ir, mas acho que nunca vi um casal mais amoroso ou um marido mais dedicado. E eu não poderia estar mais orgulhosa de meus filhos pelos homens que eles estão se tornando, pela maneira como eles respeitam suas irmãs e pela maneira que são respeitados por elas.

Quem nós iremos ser na vida é algo que temos que decidir por nós mesmos. Eu acho que, muitas vezes, podemos querer parar de avançar como mulheres, porque nosso instinto é nutrir ou de nos ajustar às expectativas da sociedade. Pode ser difícil dedicar um tempo para nos perguntarmos quem realmente queremos ser – não pensando se as outras pessoas irão aprovar ou aceitar, mas pensando em quem nós realmente somos. Mas quando você ouve a si mesma, você pode fazer a escolha de dar um passo à frente, de aprender e mudar.

Eu lembro quando este momento surgiu pela primeira vez para mim. Eu estava na casa dos vinte anos, conhecendo refugiados na Serra Leoa durante os estágios finais de uma brutal guerra civil. Compreendi, pela primeira vez, o nível da violência que existe no mundo e a realidade da vida para os milhões de pessoas afetadas pelos conflitos e pelo deslocamento. E então, descobri o trabalho e o propósito da minha vida.

Costumo dizer às minhas filhas que a coisa mais importante que elas podem fazer, é desenvolver suas mentes. Você pode sempre colocar um vestido bonito, mas não importa o que você veste do lado de fora, se sua mente não é forte. Não há nada mais atraente – você pode até dizer encantador – do que uma mulher com uma vontade independente e com suas próprias opiniões.

Com amor a todas as mulheres perversas e aos homens que as entendem. — Angelina

• Fonte: Elle

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