Jolie escreve artigo sobre a crise migratória dos EUA
1 de agosto de 2019
A cineasta e Enviada Especial do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (UNHCR / ACNUR) é editora colaboradora da renomada revista “TIME”. Nesta quarta-feira, dia 31 de Julho de 2019, a revista publicou em seu website oficial, mais um artigo escrito pela atriz. Desta vez, ela abordou a crise migratória enfrentada pelos Estados Unidos em suas fronteiras. Confira:
Nós, americanos, temos sido confrontados com imagens devastadoras de nossa fronteira sul e com visões cada vez mais polarizadas sobre como lidar com essa situação insustentável. Às vezes me pergunto se estamos nos afastando do ideal dos Estados Unidos como um país que foi fundado por e para rebeldes corajosos que buscavam a liberdade, tornando-se, ao contrário, introspectivo e medroso.
Suspeito que muitos de nós irão se recusar a recuar. Nós crescemos neste país lindo e livre, com toda a sua diversidade. Nós sabemos que nada de bom chegou com o medo e que nossa própria história – incluindo o tratamento vergonhoso dado os nativos americanos – deveria nos levar à humildade e ao respeito quando considerada a questão da migração.
Não sou advogada, não preciso de asilo, nem sou uma das pessoas que trabalha todos os dias para proteger as nossas fronteiras e gerir o nosso sistema de imigração. Mas eu trabalho com a Agência de Refugiados da ONU, que opera em 134 países para proteger e apoiar muitas das mais de 70 milhões de pessoas deslocadas por conflitos e perseguições.
Nós, nos Estados Unidos, estamos começando a experimentar em nossas fronteiras algumas das pressões que outras nações enfrentaram durante anos: países como a Turquia, Uganda e o Sudão, que abrigam 6 milhões de refugiados. Ou o Líbano, onde uma a cada seis pessoas, é um refugiado. Ou a Colômbia, que está abrigando mais de 1 milhão de venezuelanos em um país com pouco menos que o dobro do tamanho do Texas. Há lições – e avisos – que podemos obter com a situação global de refugiados.
A primeira é que tudo isso é mais do que apenas uma simples fronteira. A menos que abordemos os fatores que forçam as pessoas a se deslocarem, da guerra ao desespero econômico, à mudança climática, enfrentaremos o crescente deslocamento humano. Se você não resolver esses problemas em suas origens, sempre terá pessoas em suas fronteiras. As pessoas que fogem do desespero enfrentarão qualquer obstáculo à sua frente.
Em segundo lugar, os países que produzem o fluxo de migrantes ou de refugiados, têm a grande responsabilidade de tomar medidas para proteger seus cidadãos e enfrentar a insegurança, a corrupção e a violência que levam as pessoas a fugir. Mas auxiliá-los com essa tarefa é do nosso interesse. Ex-militares de alto nível pedem a restauração da ajuda dos EUA a Honduras, Guatemala e El Salvador, argumentando que ajudar a construir o Estado de Direito, o respeito pelos direitos humanos e a estabilidade, é a única maneira de criar alternativas à migração.
A Agência de Refugiados da ONU pede uma cúpula urgente de governos nas Américas para tratar essa crise de deslocamento. Estes parecem passos lógicos e atrasados. Nossa ajuda ao desenvolvimento para outros países não é uma moeda de barganha, é um investimento em nossa segurança a longo prazo. Mostrar liderança e trabalhar com outros países é uma medida de força, não um sinal de fraqueza.
Em terceiro lugar, nós temos um interesse vital em defender as leis e as normas internacionais em quando se trata de asilo e proteção. É preocupante ver nosso país se distanciando delas, enquanto espera que outros países, que estão abrigando milhões de refugiados e requerentes de asilo, sigam um código mais estrito. Se seguirmos esse caminho, corremos o risco de chegarmos até o fundo e um gerarmos um caos muito maior. Um sistema internacional baseado em regras traz ordem. Quebrar os padrões internacionais apenas encoraja mais ainda a quebra de regras.
Em quarto lugar, os especialistas jurídicos que conheço sugerem que existem maneiras de tornar o sistema de imigração mais eficaz, justo e humano. Por exemplo, ao alocar recursos nos tribunais de imigração para resolver o enorme número de casos acumulados ao longo dos anos. Eles argumentam que isso ajudaria a permitir a determinação imediata de quem legalmente se qualifica para proteção e de quem não o faz. Ao mesmo tempo, desincentiva qualquer pessoa que esteja inclinada a fazer mal uso do sistema de refúgio por razões econômicas ou outras. A American Bar Association, outros estudiosos e associações legais estão pedindo que o tribunal de imigração seja independente e livre de influência externa, para que os casos possam ser decididos de forma justa, eficiente e imparcial, de acordo com a lei.
Existem também modelos comprovados de trabalho com escritórios de advocacia para fornecer assistência jurídica gratuita a crianças desacompanhadas no sistema de imigração sem aumentar o ônus do contribuinte nos EUA. Expandir esse tipo de iniciativa ajudaria a garantir que as crianças vulneráveis não precisem se representar na justiça e a melhorar a eficácia, a justiça e a velocidade dos procedimentos de imigração. Aproximadamente 65% das crianças no sistema de imigração dos EUA ainda enfrentam um tribunal sem um advogado.
Todos nós queremos que nossas fronteiras sejam seguras e que as nossas leis sejam respeitadas, mas não é verdade que enfrentamos uma escolha entre a segurança e a nossa humanidade: entre selar o nosso país e virar as costas para o mundo, por um lado, ou abrir as fronteiras do outro. A melhor maneira de proteger nossa segurança é preservando nossos valores e abordando as raízes dessa crise. Podemos ser destemidos, generosos e de mente aberta na busca de soluções.
Angelina Jolie é atriz ganhadora do Oscar, Enviada Especial do Alto Comissariado da ONU para os Refugiados (UNHCR/ACNUR) e co-fundadora da Iniciativa de Prevenção à Violência Sexual em Conflitos.
Fonte: TIME
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