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Nos sets de filmagens do novo filme de Angelina Jolie

11 de janeiro de 2017

Nesta quarta-feira, dia 11 de Janeiro de 2017, o site oficial do respeitado jornal inglês, “The Guardian”, publicou um artigo escrito pelo jornalista Julian Borger intitulado “Among the ghosts of Cambodia’s killing fields: on the set of Angelina Jolie’s new film” (Entre os fantasmas dos campos de matança do Camboja: nos sets do novo filme de Angelina Jolie).

O artigo, que traz novas imagens oficiais do longa, questiona se o novo filme dirigido por Jolie permitirá que uma nação enfrente os horrores do seu passado.

Por Julian Borger

Em uma sufocante tarde do mês de Janeiro do ano passado, nos sets de filmagens localizados na zona rural do Camboja, um morador local se aproxima de Angelina Jolie com um grande balde cheio de sanguessugas. Jolie olhou para dentro do balde e pegou uma das criaturas que se contorciam, estudando seus movimentos enquanto a sanguessuga caminhava para uma das proeminentes veias localizadas no dorso de sua mão, até se fixar. Quando a criatura começou a sugar seu sangue, Jolie caminhou até a atriz principal do filme, de 9 anos de idade, chamada Sareum Srey Moch, que estava sentada em uma cadeira embaixo da sombra de uma árvore.

“É assim que é uma de verdade”, disse Jolie. Sareum enrugou o nariz e olhou para a sanguessuga. “Isso realmente suga seu sangue?” perguntou a garotinha. O filho de 13 anos de Jolie, Pax, que estava de muletas depois de quebrar o pé em um acidente de jet-ski, caminhou carregando sua própria câmera para olhar a criatura mais de perto.

“Sim, isso realmente suga seu sangue”, respondeu Jolie depois de uma ligeira hesitação, já conformada com a probabilidade de que usar sanguessugas de verdade seria um passo muito largo para a jovem atriz. Jolie ordenou, então, que retornassem para o Plano A: uma caixa cheia de sanguessugas de mentira, feitas de vinil preto e inseridas em um papelão, como se fossem espécimes biológicos. A equipe experimentou colar as sanguessugas de plástico, que eram de diferentes formatos, na perna de Sareum, até a jovem atriz e Jolie concordarem que estava bom. A atriz e a diretora se entreolharam e a garota retornou para o campo de arroz para começar a gravar a próxima cena.

Sareum interpreta o papel de Loung Ung, que tinha apenas cinco anos quando o Khmer Vermelho – como o partido comunista do Camboja era conhecido na época – invadiu a capital do país, Phnom Penh em 1975. Durante os 4 anos seguintes, o partido avançou para a zona rural e executou todos aqueles que eram considerados inimigos. Mais de 2 milhões de pessoas foram mortas, de uma população total de 7 milhões. O pai, a mãe e as duas irmãs de Ung foram executados.

Aos 9 anos de idade, Ung conseguiu escapar para a Tailândia junto com seu irmão mais velho e os dois conseguiram chegar até os Estados Unidos logo depois, com a ajuda de uma fundação religiosa. Aos 30 anos, Ung escreveu sua autobiografia, intitulada “First They Killed My Father”. No set, Loung Ung, agora com 46 anos, assistia a reprodução de sua vida em uma tela, ao lado de Jolie, em uma pequena barraca preta, localizada ao lado de um pequeno curral onde o gado estava sento mantido para as cenas da fazenda. As duas mulheres são amigas há 16 anos e Ung, que co-escreveu o roteiro, estava trabalhando como consultora nos sets.

Jolie começou a se envolver com causas humanitárias, através de suas próprias experiências, durante as gravações do filme, “Lara Croft: Tomb Raider”, que ocorreram no ano 2000. No filme, que foi lançado em 2001, o Camboja não era nada além de um exótico cenário para as filmagens e para as armadilhas de minas terrestres que se encontram espalhadas por todo o país, armadas na década de 70, e que ainda estavam funcionando.

Havia uma geração de órfãos, que na época, se encontravam com, aproximadamente, 20 anos de idade, e um país ainda devastado pela pobreza, autoritarismo e trauma. Logo depois das filmagens de “Lara Croft: Tomb Raider”, Jolie voltou para o Camboja como voluntária da Agência da ONU para os Refugiados, UNHCR (ACNUR), para conhecer os projetos de remoção de minas terrestres. Ela começou a doar grandes quantidades de dinheiro para a UNHCR e se tornou Embaixadora da Boa Vontade da organização.

Jolie estava planejando voltar para o Camboja junto com a UNHCR no final de 2001, quando a autobiografia de Ung chegou em sua mesa. Naquela época, Ung estava trabalhando em uma organização para os veteranos norte americanos da Guerra do Vietnã, que ajudava as vítimas de minas terrestres na região. O escritório de Ung enviou o livro para Jolie, esperando uma chance de ter sua causa divulgada. Assim que Jolie terminou de ler o livro, ela ligou para Ung. E no fim, as duas mulheres foram para o Camboja ao mesmo tempo. Jolie convidou Ung para um passeio de moto pela paisagem acidentada ao redor da província de Battambang, no noroeste do país.

“Nós viajamos para algumas áreas muito remotas – não existiam estradas, hotéis ou restaurantes”, contou Ung. “Nós parávamos na beira da estrada e comíamos nas casas das pessoas. E eu fiquei muito impressionada porque Angie não viajou com uma comitiva. Ela comia o que dava, pendurava sua rede onde dava e ficava suja de lama embaixo de chuvas torrenciais”.

Ung ensinou a Jolie as habilidades de sobrevivência adquiridas em campo: como verificar se havia sanguessugas na água e como pegar rãs. “Nós nos tornamos amigas rapidamente”, contou Jolie. “Nós pegamos aquelas chuvas de monções e ficamos acordadas a noite, sentadas em redes, embaixo de chuva; o que é realmente muito divertido pelas primeiras horas, mas que depois vira algo congelante e implacável”.

Um dia, Jolie passou um tempo brincando e conversando com crianças em uma escola de Battambang. Ela não tinha filhos na época e foi nesse momento que ela decidiu adotar uma criança do país. “Perguntei a Loung, já que ela é Cambojana e também é órfã, o que ela achava. E ela foi muito favorável a respeito”, contou Jolie. E então, Jolie adotou Maddox Chivian, na época com 7 meses, em um orfanato de Battambang, em 2002. “E Loung esteve presente na vida dele desde então”, disse ela.

Jolie e Ung começaram a adaptar o livro, mas depois arquivaram o projeto; em parte porque Jolie estava ocupada com outros filmes e porque não achavam que a atmosfera política do Camboja era propícia para fazer um filme sobre uma história tão recente. No entanto, no ano passado, Maddox, com 14 anos, persuadiu as duas a fazer o filme. “Foi ele que nos chamou, disse que estava pronto e que gostaria de trabalhar neste projeto, e ele realmente trabalhou. Ele leu o roteiro, ajudou com as notas e esteve nas reuniões da produção”, disse Jolie.

Em 2011, Jolie dirigiu um filme sobre o conflito bósnio, “Na Terra de Amor e Ódio” (In the Land of Blood and Honey), e o elenco foi inteiramente composto de pessoas que nasceram na antiga Iugoslávia. Assim, a adaptação de “First They Killed My Father” também foi composta apenas de atores cambojanos e a linguagem falada no filme é Khmer, com ocasionais trechos em francês, já que foi a língua imperial da Indochina Francesa, da qual o Camboja fez parte até o ano de 1950.

“Quando disse que eu gostaria de fazer este filme e que eu gostaria de filmá-lo no Camboja, todo mundo disse: você não pode filmá-lo no Camboja. Você terá que gravar na Tailândia, assim como o filme “Os Gritos do Silêncio” (The Killing Fields), disse Jolie.

O filme dirigido por Roland Joffé, de 1984, foi a maior tentativa de Hollywood em abordar o genocídio Cambojano. O longa conta a história de um fotojornalista que sai em busca de seus colegas e que mostra um ponto de vista ocidental ao público. O filme de Jolie não faz tais concessões. Em “First They Killed My Father” não existem personagens brancos para explicar os acontecimentos em inglês e ela é bastante clara ao afirmar que o público alvo do filme é o povo cambojano.

O filme será lançado em todo o Camboja no mês que vem, 7 meses antes de ser lançado nos Estados Unidos.

O trabalho humanitário de Jolie marca o terceiro ato de sua carreira. Embora não seja a primeira atriz a trilhar este caminho, ela se jogou no papel. “Estou fazendo menos filmes agora”, disse ela. “Não estou me afastando completamente disso tudo, mas, idealmente, pretendo fazer mais projetos como esse, onde você consegue reunir, ao mesmo tempo, tudo o que importa mais para você.”

Enquanto filmava as cenas que aconteciam em um acampamento do Khmer Vermelho para crianças que eram obrigadas a trabalhar, Jolie – descalça, de camiseta e com um grande chapéu de palha – andava a passos largos pelo empoeirado set depois de cada cena. Ainda estava de manhã e o calor ainda estava suportável. A atmosfera era de uma família extensa, ocupada e estendida, especialmente durante as refeições em comum que eram realizadas embaixo de lonas. Jolie estava relaxada e feliz, rindo e brincando.

Ela estava claramente em seu ambiente preferido, no trabalho, mas cercada pelos amigos mais próximos, pela família e protegida – pelo isolamento da área e pelos seguranças do set – da curiosidade do mundo a respeito da sua vida particular.

Ela contou, mais tarde naquele dia, que uma das coisas que ela mais gostava no Camboja era o fato de que ela podia caminhar pelos mercados e porque as pessoas a reconheciam por seu trabalho filantrópico. “Talvez eles tenham assistido Tomb Raider, mas eles, realmente, não assistem muitos filmes” disse ela. “Na verdade, eu sou apenas aquela senhora estranha e agradável que gosta do Camboja. Seu eu for ao mercado, as pessoas me reconhecem – mas eles não me incomodam. Eles dizem oi.”

O set, formado por um conjunto de cabanas abertas de madeira, foi construído em uma grande área de terra, sinalizada com bandeiras vermelhas. Muitas crianças, usando roupas pretas e bandanas vermelhas, marchavam para cima e para baixo, entrando e saindo das cenas. Outras colhiam arroz enquanto eram filmadas por uma câmera em um drone que pairava acima.

Na maior parte do tempo, o papel de Ung era o de uma titia para os atores mirins, principalmente para Sareum (que é chamada por Ung de “mini-me”); Ung dava garrafinhas de água para as crianças, dava conselhos e passava horas na barraca de Lego com elas. Os brinquedos da marca Lego são amplamente desconhecidos no Camboja por causa das rígidas restrições de importações impostas ao país, mas Jolie trouxe uma grande quantidade de tijolinhos de plásticos com ela, para manter as crianças do elenco entretidas.

Para Ung, a barraca Lego simbolizava a verdadeira derrota do Khmer Vermelho. “Os brinquedos Lego são brilhantes e coloridos, e foram feitos para as horas de lazer e diversão. No acampamento do antigo regime, você seria espancado, ou sofreria coisas até piores, por ter preguiça ou por brincar”, disse Ung. Sua irmã, Chuo, viu um menino ser espancado até a morte pelos guardas do acampamento, pois, segundo eles, o menino estava ocioso.

Em solidariedade com as meninas do elenco, que tinham que usar os cabelos curtos, já que era algo imposto pelo Khmer Vermelho, Ung também cortou o cabelo e passou a usar preto. Nas pausas das filmagens, ela e Sareum andavam por lá como se fossem duas versões da mesma pessoa, com 40 anos de diferença.

“Quando eu conheci minha mini-me [miniatura], nós estávamos tentando nos conhecer. Nós ficávamos olhando uma para outra como se fossemos dois galos. Mas ela fica constantemente surpresa de como nós somos iguais”, disse Ung.

Ao escrever sua autobiografia, Ung procurou lembrar como foi vivenciar a revolta, o caos e o horror que era a vida de uma criança soldado no acampamento. A jovem Ung tinha apenas uma compreensão fragmentada dos acontecimentos que se desenrolavam a sua volta. O filme procura fazer a mesma coisa – mostrar o conflito através dos olhos de uma menina. Para possibilitar que o público veja o mundo através dos olhos da pequena Ung, grande parte da filmagem foi feita a partir do seu ponto de vista, em primeira pessoa, a 1,2 metros do chão, com uma Steadicam.

Conseguir a autêntica visão de uma criança foi o desafio técnico do filme. Ao filmar adultos, você grava sobre o ombro e enquadra cada cena, portanto, foi algo interessante de se fazer. Através da câmera POV, conseguimos mostrar o que Lung estava olhando naquele momento. Levou um bom tempo, especialmente os operadores de câmera, para se acostumarem a não filmar como normalmente fariam.” Depois de uma mudança de última hora, Anthony Dod Mantle foi contratado como diretor de fotografia, alguns dias antes das filmagens começarem em Novembro de 2015.

“Eu me senti como se tivesse sido atingido por uma bomba”, disse Mantle. Ele é conhecido como um dos inovadores mais insistentes do negócio e ganhou um Oscar por seu trabalho no filme “Quem Quer Ser um Milionário?” “Angie e eu ainda estamos nos desafiando, para que possamos ser mais radicais”.

Assistir as lembranças de sua infância, ao ver o genocídio acontecer nos sets de filmagens, gerou um efeito visceral em Ung. Depois de chegar aos Estados Unidos, com apenas 9 anos, Ung foi foi assombrada por um recorrente pesadelo de ser perseguida por soldados determinados a matá-la. Ela acordava exatamente quando seus perseguidores conseguiam alcançá-la. Ela tinha o mesmo pesadelo, noite após noite, até que finalmente, 3 anos mais tarde, em um dos pesadelos, ela atacou um dos seus perseguidores.

“No meu pesadelo, do qual eu lembro muito vividamente, eu estava na América e um soldado me perseguia e eu ficava correndo, e correndo e correndo. Quando, então, eu entrei em uma casa, na qual não havia nenhuma arma, mas eu acabei encontrando uma faca. Eu a peguei e fiquei tentando cortar a cabeça dele; era uma faca de passar manteiga. E eu tive que realmente serrá-lo. Isso foi quando eu tinha uns 12 ou 13 anos de idade”, disse Ung.

Ung é direta e reta, seu sorriso é frequente e sua inclinação para encontrar humor em quase qualquer cenário está em desacordo com a escuridão da sua história de vida. Ela descreve “ser feliz” como uma força de vontade. Quando jovem, ela resolveu que nem seus pais e nem suas duas irmãs iriam gostar de vê-la passando o resto da vida consumida pela miséria. “Então, eu decidi propositalmente que não iria viver assim e a melhor coisa com relação aos hábitos é que se você fizer alguma coisa por um tempo suficiente, ela permanece.”

Até ao escolher sua carreira, Ung procurou encontrar prazer. Ela e seu marido, Mark Priemer, criaram uma micro cervejaria porque não conseguiam encontrar uma cerveja decente na América. “Eu pensei que se morresse amanhã, não iria querer morrer bebendo água efervescente”, disse Ung. O casal, agora, possui duas cervejarias e três restaurantes em Cleveland, Ohio.

“É uma daquelas coisas que sua amiga lhe conta e você pensa: Nossa, o que ela está fazendo?” lembrou Jolie. “E então, eu não perguntei nada sobre isso durante alguns anos porque eu fiquei preocupada. Nós conversávamos sobre outras coisas como, por exemplo, livros e quando vejo, ela tem um grande número de empregados e se tornou realmente bem sucedida. É a cerveja favorita de Brad e por isso eu tenho que comprá-la o tempo todo”. (Durante as filmagens, Brad Pitt permaneceu, a maior parte do tempo, na cidade de Siem Reap, em um resort da cidade, próximo as ruínas de Angkor Wat, ajudando a olhar os filhos do casal, que acabaram por se tornar os meses finais de seu casamento).

Mas agora que Ung estava de volta ao Camboja, por um longo período, com seu cabelo curto e usando roupas pretas novamente – depois de anos usando as roupas mais coloridas que conseguiu encontrar – seus pesadelos estavam retornando.

Durante o curso das filmagens, ela ficou triste muitas vezes nos sets. “As pessoas sempre me perguntam sobre a guerra, já que eu fui uma sobrevivente. Elas sempre me perguntam sobre os bombardeios, sobre as mortes e sobre os soldados. E eu sempre quis dizer que sim, que foram momentos difíceis e horríveis, mas ter sido separada da minha irmã, ver meus pais serem afastados um do outro e ter de me afastar dos meus irmãos e irmãs – isso sim foi brutal.

“Espero que as pessoas vejam não apenas o horror da guerra, mas o amor que custa para sobreviver”.

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A estréia mundial de “First They Killed My Father” será realizada na cidade de Siem Reap, no Camboja, no dia 18 de fevereiro, sete meses antes de seu lançamento global via Netflix.

O artigo completo pode ser lido em inglês, através do site oficial do jornal “The Guardian”.

Fotos:

Novas imagens oficiais do filme também foram disponibilizadas e adicionadas na Galeria do Angelina Jolie Brasil:

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Fonte:

The Guardian