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Jolie escreve artigo sobre refugiados sudaneses

7 de outubro de 2024

Na ultima sexta-feira, dia 04 de Outubro de 2024, a revista TIME compartilhou em seu website oficial um artigo exclusivo escrito pela ativista e cineasta estadunidense – Angelina Jolie – sobre os refugiados do Sudão, que foi traduzido pelo Angelina Jolie Brasil. Confira!

Escrito por Angelina Jolie

Na anual reunião da Assembleia Geral das Nações Unidas que aconteceu na semana passada, a embaixadora dos EUA abriu seus comentários citando o “colapso da compaixão” – definido como a tendência humana de experimentar uma diminuição na empatia à medida que o número de pessoas que precisam de ajuda aumenta – quando Sudão foi brevemente mencionado.

O sofrimento no Sudão é certamente de grandes proporções. Onze milhões de pessoas fugiram de suas casas, perseguidas por homens armados e seguidas pela fome. Mais da metade da população do país, de 46 milhões, está passando fome aguda, e três quartos de 1 milhão de pessoas enfrentam a fome. O Sudão tem a pior situação humanitária do mundo, e com o apelo internacional por fundos a ser reduzido em 60 por cento, os governos não estão à altura de resolver o problema.

Mas as pessoas estão. Na fronteira sudanesa, alguns dias atrás, vi voluntários fazendo muito com quase nada, do que aqueles que têm a capacidade de causar um grande impacto. Hafiz Issak Aroun, um médico chadiano, renunciou ao emprego em um hospital para montar uma clínica na cidade fronteiriça de Adré, tratando refugiados de graça. “Somos todos voluntários aqui e estamos desesperados por apoio para manter isso funcionando,” disse ele.

Os vizinhos trazem comida de fazendas voluntárias. Em Cartum, grupos de ajuda dos bairros, conhecidos como “Emergency Response Rooms”, operam 350 cozinhas comunitárias. Eles sabem o valor de viver uma vida de serviço, graça e de contribuir para a vida daqueles que nos rodeiam.

Os socorristas locais não veem o sofrimento em massa, mas sim as necessidades da pessoa à sua frente. Voluntários locais, que incluem os próprios refugiados, estão fazendo o trabalho que o mundo exterior diz que deve ser feito e, muitas vezes, melhor do que qualquer pessoa de fora poderia fazer. Mas eles lutam para fazer isso sem o apoio que os países mais ricos podem fornecer — com fundos livres de burocracia, por meio de comunicações confiáveis, com a pressão diplomática essencial de proteger os trabalhadores humanitários e mantendo os portais abertos através dos quais a ajuda circula.

Precisamos ajustar. Pesquisas mostram que grupos locais são mais rápidos e eficientes em levar ajuda para aqueles que precisam. Para que isso aconteça, os doadores e as agências de ajuda humanitária precisam mudar a forma como fazem negócios. A mudança precisará ser drástica e deverá se basear nas lições e modelos de financiamento em setores como a saúde pública global.

Não é só o Sudão. De país em país, vi o atual sistema internacional falhar com as pessoas necessitadas. Eu não podia mais dizer às pessoas que olhassem apenas para a comunidade internacional esperando uma resposta. Eu queria aprender mais sobre o que estava impedindo refugiados e deslocados internos de se ajudarem.

Uma resposta é o financiamento; grupos de ajuda mútua receberam neste ano apenas cerca de 5% dos recursos alocados do Sudan Humanitarian Pooled Fund de US$ 130 milhões. Oito anos atrás, uma “Grande Barganha” humanitária estabeleceu uma meta de direcionar, até 2020, pelo menos um quarto de toda a assistência humanitária internacional por meio de atores locais e nacionais. Em 2022, era menos de três por cento.

Por trás da questão do dinheiro há outra questão, de respeito.

Eu vivi uma vida privilegiada, andei em muitos mundos. Trabalhei ao lado de chefes de estado, colaborei com grandes artistas, conheci reis e rainhas. As pessoas que mais me fizeram sentir humilde, as pessoas com quem mais aprendi, foram de famílias deslocadas fugindo da guerra e da perseguição. Ninguém sabe melhor, ou tem mais graça, do que a pessoa que sobreviveu à perda da família e do país. Eles são quem eu tenho em mais alta estima. Ninguém sabe o que é ser despojado de tudo e dar o próximo passo mais do que um refugiado.

Na fronteira do Sudão, onde 200 pessoas cruzam todos os dias, me vi cara a cara com uma mãe que tinha acabado de caminhar por duas semanas com um bebê nas costas e três crianças pequenas aos seus pés. O pai delas tinha sido assassinado em sua casa, que foi então saqueada e totalmente queimada. Aquela mãe ainda estava sorrindo para seu filho. Para dar a ele um pouco de luz na escuridão. Ela viverá cada momento tentando aliviar o sofrimento dos filhos e ainda assim se ofereceu para rezar para que meus filhos tenham saúde — e ela estava falando sério. Não consigo dizer quantas vezes me sentei em uma barraca e me ofereceram parte daquela ração muito pequena que uma família estava armazenando. Não é sobre a comida, é sobre decência. Orações pela saúde da família de uma pessoa estão entre os presentes mais sinceros que podemos dar uns aos outros.

Nossa tarefa é a de tornar esse presente possível — primeiro financiando e capacitando os socorristas locais. Depois de visitar a fronteira, me encontrei com a Mutual Aid Sudan Coalition, que adapta o financiamento às necessidades dos grupos de ajuda locais, em vez de pedir a esses grupos que se adaptem a um aparato de ajuda global. Mas eles devem ser capazes de salvar vidas sem arriscar as suas.

Não muito tempo atrás, o assassinato de trabalhadores humanitários gerou manchetes indignadas. Quase se tornou algo rotineiro porque foi permitido; nem estados nem grupos armados esperam enfrentar consequências. Quando a justiça não é feita de forma igualitária e sem exceções, não é justiça.

Declarações nobres são apenas palavras se ninguém agir de acordo com elas. A ONU foi fundada para evitar a guerra. Quando falha nisso, um sistema internacional que nem consegue atender aqueles que fogem de um conflito deve, no mínimo, proteger as pessoas locais que intervém.

Isso está acontecendo não apenas na fronteira sobrecarregada do Chade com o Sudão, mas em zonas de conflito em todo o mundo — em qualquer lugar que a solidariedade social invoque o espírito que os sudaneses chamam de nafeer, “ação coletiva”.

Podemos nos maravilhar com o que eles fazem com quase nada. Ou podemos intensificar e fazer as mudanças necessárias na forma como respondemos.

• Fonte: TIME

 


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