Entrevistas / Maria

Jolie e Larraín concedem entrevista para o IndieWire

8 de setembro de 2024

No dia 02 de Setembro de 2024, o website IndieWire compartilhou uma entrevista exclusiva com nossa musa inspiradora, Angelina Jolie, e o diretor de “Maria”, Pablo Larraín. Confira a matéria traduzida na íntegra pelo Angelina Jolie Brasil!

Por Anne Thompson

Angelina Jolie e Pablo Larraín queriam trabalhar juntos há muito tempo antes de “Maria” surgir. O cineasta conseguiu que sua estrela se interessasse pelo papel antes mesmo de escrever o roteiro (com ela já em mente).

O filme, o terceiro de sua trilogia sobre Grandes Mulheres (“Jackie” e “Spencer”) estreou com críticas sólidas em Veneza e Telluride. O longa pode levar Jolie para concorrer ao Oscar de Melhor Atriz (ela ganhou o prêmio de Melhor Atriz Coadjuvante pelo filme “Garota, Interrompida” no ano 2000 e também recebeu o prêmio honorário humanitário Jean Hersholt em 2014).

Em “Maria”, Jolie interpreta a diva da ópera grega em seus últimos dias de vida na cidade de Paris, em 1977, quando estava perdendo a voz e tomando fortes coquetéis de remédios que lhe davam alucinações. Ela é mostrada vagando por Paris usando roupas fabulosas e conversando com um jornalista imaginário, Mandrax (Kodi Smit-McPhee), sobre sua vida, que é mostrada através de flashbacks em preto e branco.

O filme começa com uma cena close-up de Callas em preto e branco cantando “Ave Maria” da ópera “Otello” de Verdi. Ela está claramente cantando, como demonstram seus músculos faciais e respiração. À seguir, a dupla conduz o IndieWire pela preparação e produção de um filme operístico, tanto em som quanto em visão. A entrevista a seguir foi editada e condensada para maior clareza.

Qual foi sua reação quando viu o roteiro pela primeira vez?

Jolie: Nós nos encontramos, conversamos sobre “Maria” e então ouvimos muita música. Quando o roteiro chegou, havia muita coisa sobre ele que eu amei. Conversamos ainda mais e começamos a discutir sobre a personagem. Então foi um longo processo.

Quando vi aqueles close-ups iluminados de você interpretando Callas, senti tanta dor. Qual era a angústia dela, aquela infelicidade?

Jolie: Há uma coisa linda em descobrir, em realmente ouvir ópera, onde há um sentimento que está além de uma descrição, certo? É uma sensação completa de ser tão aberta e humana, e a totalidade de tantas tragédias que ela viveu, interpretou, sentiu ou executou. A maioria das pessoas carrega muita dor. E grande parte da arte dela era a exploração da profundidade e da emoção com a qual ela conseguia se conectar, porque ela carregava muita coisa. Então eu nunca fingiria entendê-la completamente, mas não tenho certeza se era uma infelicidade, mas sim uma relação com sentimentos profundos de vida e tragédia.

Larraín: O que você sentiu nesses close-ups que você descreveu como dor? Provavelmente o que fez você pensar isso, foi a música que você estava ouvindo. Se a música fosse diferente, não faria você se sentir diferente também? A música de Callas é tão carregada de emoções realmente profundas, que não são necessariamente tristes, mas frequentemente cria uma camada inquietante, mas muito bonita. É muito emocionante e te transporta para um espaço de transcendência.

Jolie: Tenho 49 anos. Sinto-me uma mulher mais madura agora e aceito isso. Quando eu era mais jovem, havia certas musicas e certos sons que combinavam com o que eu estava sentindo naquela época: ou eu estava apaixonada, ou estava curiosa sobre algo, ou qualquer outra coisa que eu estivesse passando. Não há nada que corresponda ao que você sente com a ópera. Algumas peças são tão bonitas, tão cheias de esperança e tão carregadas de anseio. A ópera é algo maior. É maior do que nos permitimos sentir a cada momento.

Você teve que se aprofundar no aprendizado sobre ópera ou já era bem versada?

Jolie: Não era. Eu cresci nos Estados Unidos. Em outros países, eles entendem o quão essencial e importante ela é. Ela faz muito mais parte de uma cultura, mas não onde fui criada [Los Angeles]. Eu já tinha sido apresentada a Callas, mas foi uma descoberta completa dessa nova forma de arte, entrar e transformar minha vida e me ensinar todas as diferentes óperas. Espero que a maioria das pessoas, independentemente de como se relacionem com o filme, descubram a ópera, se deixem sentir e tentem cantá-la. Se eu conseguir fazer isso…

Como vocês dois se prepararam para Angie cantar ópera na tela?

Larraín: Além da tecnicalidade e do processo pelo qual ela passou, provavelmente a melhor maneira de abordar a personagem foi entrar na música dela. Li oito biografias e ouvi todo tipo de história. Vi todos os documentários que existem. Mas é a música que te deixa entrar e que faz diferença. Foi tão importante abrir o filme com “Ave Maria”. Eu disse pra ela: “Vamos matar o fantasma no primeiro quadro. Vamos abrir com um close de você cantando essa música”. E ela foi ousada e disse: “Eu amei”.

Jolie: Eu tive seis meses para me preparar. Então pensei, “temos bastante tempo”. Mas fiquei terrivelmente nervosa naquele dia. Eu estava apavorada.

Larraín: Ultimamente, eu mesmo tenho operado a câmera nos filmes que faço. Agora ninguém mais toca na câmera. Eu não uso a Steadicam, mas todo o resto, como a câmera de mão ou o que for. Então ficamos muito próximos, sim, às vezes durante o local da performance.

É uma câmera de 35 milímetros?

Larraín: Sim.

Vocês gravaram em um estúdio?

Larraín: Ela teve diferentes professores. O primeiro foi o de postura, respiração e sotaque, para que ela fosse capaz de cantar corretamente e, principalmente, em italiano. E o segundo professor foi de canto em si. Era sobre o tom da voz. Se apenas tocarmos uma música pop, digamos da Madonna, todos nós poderíamos cantá-la em voz alta e sermos bastante decentes. Você não pode fazer isso com a ópera. Não. Você não pode seguir a melodia por causa do tom. Então você tem que seguir a estrutura da música e chegar lá. John Warhurst, que é músico e engenheiro, desenvolveu uma maneira de trabalhar diferente. Ele fez isso com o ator Rami Malik, fez também no filme sobre o Bob Marley, está fazendo agora no novo filme sobre o Michael Jackson e assim por diante. Entretanto, ele nunca tinha feito isso com a ópera, então foi algo novo para todos nós. Angie teve que usar um fone de ouvido nos sets e cantar a música em voz alta. E não havia outro som lá além da voz dela.

[A entrevistadora dá uma estremecida].

Jolie: Foi exatamente assim que eu me senti.

Larraín: Mas por que fizemos isso? Nós queríamos capturar esses sons. No filme, não capturamos apenas a voz dela, mas capturamos a respiração, cada som que sai da fisicalidade da Angie é capturado na mixagem. Então, às vezes, você percebe que a maior parte é Callas, como deveria ser em um filme sobre Maria Callas, quando ela está cantando bem, certo? Mas então, no presente do filme, há mais da Angie. Às vezes são 5 por cento, às vezes 50, às vezes 70.

Como você conseguiu cantar mal?

Jolie: Callas não estava no seu melhor, mais ainda era melhor do que todo mundo, melhor que o resto do mundo.

Larraín: Nós capturamos algumas partes de seu próprio canto. Uma cantora que está “perdendo a voz” é alguém que não consegue mais atingir certos tipos de notas e projeção.

Você se divertiu com os figurinos de Massimo Cantini Parrini?

Jolie: Eu amei os figurinos. Claro, eles conseguem te transformar. Na minha mente, a Maria de verdade é quando a conhecemos, a mulher com feições gregas e cabelos naturais, que está sozinha com seus óculos, com sua vida, sua fé e sua fragilidade. E então aquele robe [branco e volumoso] foi realmente o primeiro para mim, porque ele ancora o presente. Foi interessante ser uma atriz, interpretar uma atriz, desempenhar um papel, porque parecia que eu e ela estávamos desempenhando uma terceira personagem, algo que eu nunca tinha feito.

Ela sempre estava performando? Mesmo com seus próprios funcionários, ela está fingindo, ela está mentindo.

Jolie: Quando ela estava em público, ela estava performando, certamente.

Larraín: Ela estava atuando. Era um jogo de emoções e era um jogo de relacionamentos com o público.

E você também estava monitorando a ingestão de drogas de Callas, porque isso estava afetando como ela se comportava? Ela estava tomando Quaaludes (metaqualona) e esteroides.

Jolie: Sim. A maneira como Steven Knight e Pablo lidaram com isso no roteiro, se você olhar atentamente para este filme, há muitos movimentos corajosos e incomuns na escrita que poderiam ter sido capturados da maneira errada. Os remédios foram tratados de uma maneira única, porque era sobre o que estavam fazendo com ela, o que estava sendo lembrado, o que estava sendo exposto e por que isso era relevante.

O personagem Mandrax dá a ela a habilidade de falar e lembrar.

Jolie: E isso a leva de volta para diferentes óperas. Isso a leva de volta para a própria mãe. Isso a deixa sozinha consigo mesma de certa forma, como certas coisas fazem. Isso a coloca em um lugar ligeiramente diferente, onde ela está presa dentro de muitas coisas do passado. É como uma assombração.

Quão documentado é o passado dela? A mãe dela a fez cantar e também dormir com os soldados nazistas?

Larraín: Entre todas as biografias, 70 por cento das coisas estão em comum, elas concordam. E há um fragmento das diferentes visões, diferentes documentações que levam a fatos diferentes.

Ela chegou a falar sobre isso?

Larraín: Não diretamente. Ela foi indireta em certas cartas que escreveu, mas há documentação suficiente para pensar que isso era possível. Queríamos estar num lugar de ambiguidade sobre o que aconteceu na Grécia naquela época. Você pode achar que aquilo realmente aconteceu. Algumas pessoas não.

Jolie: Nós sabemos que ela estava exercendo uma profissão. Sabemos que ela cantava e que sua mãe a pressionava para cantar para eles.

Pablo Larrain: Ela estava se relacionando com soldados. Isso é algo que ela disse.

Pablo, esse é o fim da sua famosa trilogia sobre grandes mulheres. É dito que é o final. Mas nada é definitivo, certo?

Larraín: Isso é muito verdade. Eu nunca planejei fazer três filmes sobre essas grandes figuras da segunda metade do século XX. Aconteceram acidentalmente.

Eu adoro quando Callas menospreza o presidente Kennedy.

Jolie: Eu também adoro essa cena. É tão boa. Pode-se dizer que eu realmente gostei de interpretá-la.

Larraín: Esse grupo [Aristóteles Onassis, Jackie, John Kennedy e Maria Callas], a sobreposição é bem extraordinária. Eles estavam juntos naquela noite. A famosa cena de quando Marilyn Monroe cantou para Kennedy, antes disso acontecer, naquela mesma noite e naquele mesmo palco, Maria Callas cantou “Carmen” para Kennedy na Madison Square Garden. Ah, é um “mapa secreto”. Cada peça musical tem um significado na ópera e está relacionado ao que estamos dizendo no filme.

Quando Callas se despede do moribundo Onassis enquanto Jackie Kennedy está prestes a chegar, ela foi amorosa e doce.

Larraín: Angie sempre pedia pelo exorcismo de Maria, que é o que eu acho que acontece naquele hospital. Ela me fez acreditar no estoicismo da personagem que eu não previ.

Jolie: Talvez pareça que é assim que as mulheres lidam com esses momentos. Ela não é alguém que se permitiu ser vítima. Foi assim que ela sobreviveu à sua vida, à sua infância, à crueldade da sua mãe, à imprensa, por ter sido assim.

E você também compreende isso.

Jolie: Hm… Sim.

Larraín: Ela conseguiu entender e cantar, porque isso é estoicismo. Está na música.

• Fonte: IndieWire

 

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