Quem foi Maria Callas, novo papel de Angelina Jolie
28 de julho de 2024
Por Ben Jureidini
La Divina. A divina. A voz de Maria Callas talvez se sinta mais em casa ao lado das estrelas do arco do proscênio da Royal Opera House do que nos palcos que ela agraciou durante sua ilustre carreira.
Considerada por muitos como a soprano mais talentosa de todos os tempos, sua voz podia voar da mais delicada das coloraturas e descer até às profundezas pesadas do drama wagerniano. Essa extensão monumental, junto com sua maestria de tom, ornamentação, técnicas de portamento e chiaroscuro, fizeram de Maria Callas uma musa para alguns dos artistas mais influentes do século XX.
Tullio Serafin, o lendário maestro e diretor musical do Teatro alla Scala, onde Callas encontrou seu lar musical, chamou o virtuosismo dela de algo “extraordinário, quase assustador”; Franco Zeffirelli a achou “incrível”; e o pai da era de ouro do cinema italiano, Luchino Visconti, Conde de Lonate Pozzolo, admitiu que só se tornou diretor depois de ouvir Maria Callas cantar.
De fato, Callas foi elogiada por sua habilidade de atuação, sua capacidade de internalizar as notas e, nas palavras de Eugenio Gara, de “se dissolver em uma dor interior sobre humana”. Conhecida por muitos como “a maior diva do mundo”, seu domínio na ópera era tanto emocional quanto técnico.
E quem melhor para interpretar uma das artistas mais renomadas do século passado do que Angelina Jolie? A atriz vencedora do Oscar e ex-Enviada Especial da ONU assumirá a formidável tarefa de incorporar Maria Callas no próximo filme biográfico dirigido por Pablo Larraín, “Maria”.
Angelina Jolie se juntará a uma ilustre lista de atrizes que interpretaram algumas das mulheres mais complexas da história moderna nos filmes de Larraín. Natalie Portman foi indicada ao Oscar por sua atuação como Jacqueline Kennedy no filme “Jackie”, lançado em 2016, assim como Kristen Stewart, que interpretou a Princesa Diana no drama psicológico lançado em 2021, “Spencer”.
“Maria” se concentrará nos últimos anos da vida de Callas. Isolada em sua casa parisiense durante os anos 70, os quais foram bem difíceis para a cantora: perturbada pelo escrutínio dos tabloides sobre seu relacionamento tenso com sua mãe, sofrendo de doenças que desestabilizaram sua voz e lamentando a perda de seu relacionamento amoroso com Aristoteles Onassis – que a havia trocado recentemente por Jackie Kennedy.
Após sua morte em 1977, John Ardoin, um amigo da cantora, foi questionado se a vida sob os holofotes valeu a pena para Maria Callas. Ele respondeu:
“Essa é uma pergunta tão diferente. Era quase como se seus desejos, sua vida, sua própria felicidade fossem todos subservientes a esse dom incrível que ela recebeu, esse dom que nos alcançou e ensinou a todos nós.”
Nascida em Nova York no ano de 1923, filha de de pais gregos, Maria Callas cresceu em um lar turbulento. O desejo de sua mãe Litsa por um filho era tão grande que ela se recusou a olhar para a filha nos primeiros dias de vida. Isso mudou quando Litsa ouviu a menina cantar e passou a pressionar a filha pequena para se apresentar.
Depois que os pais de Maria se separaram, ela e seus irmãos voltaram para Atenas com a mãe. Foi um momento difícil para a cantora. Os amigos mais próximos alegaram que, de acordo com o que Maria havia relatado, a mãe dela costumava enviá-la até os soldados do Eixo em troca de comida e dinheiro. O relacionamento delas nunca se recuperou verdadeiramente. Inclusive mais tarde, Maria teria dito à própria mãe:
“Se você não consegue ganhar dinheiro suficiente para viver, pode pular da janela ou se afogar”.
Foi em Atenas, no entanto, que a cantora empreendeu sua extensa educação musical. Matriculando-se no Conservatório Nacional Grego (de graça, de tão elétrico que era seu potencial), Maria Callas foi ensinada com técnicas de Bel Canto por suas tutoras, Maria Trivella e mais tarde Elvira de Hidalgo.
O estilo italiano de cantar, focado mais na pureza e no brilho do som do que na expressão dramática, foi fundamental para o alcance expansivo de Callas. Ela foi rapidamente identificada como um fenômeno, dedicando seis horas por dia ao seu treinamento e logo foi capaz de passar facilmente pelas árias mais desafiadoras do cânone operístico. Foram, de fato, seus colegas invejosos que a batizaram de “La Divina”, os quais zombavam nas laterais dos teatros enquanto ela desempenhava seus primeiros papéis secundários na Ópera Nacional Grega.
Depois de um breve retorno aos Estados Unidos, após a libertação da Grécia em 1945, ela recusou um contrato para se apresentar na Metropolitan Opera House, considerando-se gorda demais para estrelar “Madama Butterfly” e descontente com o conceito de se apresentar em inglês. Maria Callas, então, se mudou para a Itália, onde sua carreira realmente se tornou estratosférica.
Depois de interpretar “Tristão & Isolda” para Tullio Serafin, o diretor colocou Callas sob sua proteção, orientando a jovem cantora enquanto ela trabalhava em busca de sucesso.
O sucesso chegou em 1949, enquanto Maria interpretava a música Brünnhilde da ópera “Die Walküre”, de Wagner, em um dos palcos mais icônicos do mundo da ópera, o Teatro La Fenice em Veneza. Quando a vocalista principal da próxima apresentação de “Il Puritani” de Bellini desistiu devido a uma doença, Serafin escalou Callas.
As demandas vocais dos dois papéis eram tão diametralmente opostas — Brünnhilde requer uma soprano enorme, sombria e mais baixa, enquanto Elvira de Bellini exige uma agilidade delicada — que os incrédulos críticos falaram que a tarefa era intransponível e até mesmo ridícula. Quando Callas apresentou com louvor uma das maiores Elviras de todos os tempos, com seis dias de antecedência, o mundo percebeu o que significava viver ao lado de La Divina.
“Tosca” no Met, “Aida” no Teatro alla Scala, “Lucia di Lammermoor”, “La Traviata”, “Medea”: Callas devorou os papéis mais icônicos e desafiadores de toda a ópera. Apresentando-se pela América, Europa e além, sua carreira foi considerada o auge do que poderia ser alcançado na arte.
No entanto, foi a Royal Opera House de Londres que sempre teve um lugar especial no coração desta maior das prima donnas. Apresentando-se sete vezes no Covent Garden, Callas falou de seu “caso de amor” com a Opera House, escolhendo-a para sua triunfante apresentação final na “Tosca” de Zeffieirlli em 1965.
Mas, nos bastidores, Maria Callas estava sofrendo com a pressão adquirida com o incomparável estrelato. Uma saída no meio da apresentação diante do presidente italiano (que ela alegou ter sido devido a uma bronquite) lhe rendeu a reputação de uma “tigresa” temperamental.
Houve ainda uma rivalidade amplamente divulgada com a colega soprano, Renata Tebaldi, cujo belo tom era frequentemente contrastado com as imperfeições idiossincráticas de Callas. Maria disse uma vez que comparar sua voz com a de Tebaldi era como comparar champanhe a conhaque, e Tebaldi comentou que “eu tenho uma coisa que Callas não tem: um coração”. As duas, no entanto, respeitavam a habilidade formidável uma da outra e a suposta rivalidade provavelmente era ampliada por aqueles que viviam ao redor delas.
A dramática perda de peso de Callas, de mais de 30kg, foi o foco de grande escrutínio, com comentaristas se perguntando se esse rápido emagrecimento (que Callas diria mais tarde, não ter conseguido reverter) foi a razão por trás da crescente fragilidade de sua voz nos últimos anos.
Os últimos anos de sua vida ficaram amarrados ao magnata grego da navegação, Aristóteles Onassis. O casal se conheceu em uma festa organizada pela renomada anfitriã americana, Elsa Maxwell, no ano de 1957, que homenageava o recente triunfo de Callas em “Anna Bolena”, e rapidamente os dois se envolveram em um caso de amor.
Na época, ela ainda era casada com Giovanni Battista Meneghini, seu marido italiano há quase uma década. Entretanto, o casal se separou e Maria começou a se afastar cada vez mais das performances.
Após relatos de ter sofrido vários abortos e ter sua cidadania americana revogada, Maria Callas foi trocada por Jackie Kennedy. Entretanto, o secretário particular da família Kennedy escreveu que Aristóteles e Maria continuaram o romance durante todo o relacionamento dele com Jackie.
Serão sobre os anos seguintes a isso que Angelina Jolie retratará no filme. Depois de viver sozinha na cidade de Paris durante boa parte dos anos 70, Maria Callas morreu de ataque cardíaco no dia 16 de Setembro de 1977. Ela tinha 53 anos. As cinzas de Callas foram roubadas, mas eventualmente recuperadas e espalhadas pelo Mar Egeu, dois anos depois.
Em outra parte da entrevista póstuma concedida por John Ardoin, amigo de Maria, ele falou o que a cantora disse quando lhe contou sobre a admiração, e até mesmo sobre a inveja, que ela acumulava de cantores e maestros ao redor do mundo:
“É uma coisa muito terrível ser Maria Callas, porque é uma questão de tentar entender algo que você nunca realmente conseguirá entender.”
Agora, quando o longa fizer sua estreia no final do mês que vem, Angelina Jolie e Pablo Larraín tentarão dar sentido aos talentos instintivos da maior diva do mundo.
Segundo informações da revista “Variety”, a Première de “Maria” acontecerá na noite do dia 29 de Agosto de 2024 durante a 81ª edição do Festival Internacional de Cinema de Veneza.
• Fonte: Tatler | Variety
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