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Jolie entrevista Danya Taymor para a Interview

13 de abril de 2024

Na última quinta-feira, dia 11 de Abril de 2024, a revista estadunidense “Interview” publicou em seu website oficial uma entrevista exclusiva realizada por Angelina Jolie com a cineasta Danya Taymor. Confira a matéria completa, traduzida na íntegra pelo Angelina Jolie Brasil:

Escrito por Angelina Jolie
Fotografias por Andy Henderson

“Para conseguir levar qualquer artista ao extremo, você terá os melhores resultados se, primeiro conquistar a confiança deles,” diz a diretora Danya Taymor. Esta é uma filosofia que se revelou particularmente útil no mais recente projeto de Taymor: a física e ambiciosa adaptação musical do romance escrito por S.E. Hinton, “The Outsiders”, que estreia esta noite no Teatro Bernard B. Jacobs da Broadway.

A história é bem conhecida e acompanha meninos insatisfeitos de duas gangues rivais, os Greasers e os Socs, na cidade de Tulsa, Oklahoma, no ano de 1967. Mas apesar da obra já ter sido adaptada duas vezes – para um filme lançado em 1983 e para a televisão em 1990 – a versão de Taymor, com um roteiro contundente escrito por Adam Rapp e Justin Levine e com as músicas compostas por Jamestown Revival e Levine, a diretora está preparada para apresentá-la a um novo público.

Angelina Jolie, que se tornou produtora depois de assistir a estreia mundial da produção no “La Jolla Playhouse” no ano passado, não poderia estar mais emocionada.

“É um estudo extraordinário do homem através dos olhos de uma jovem que claramente tinha muito amor, carinho e compreensão [por eles] em tão tenra idade. Nós os vemos em seu nível mais baixo, os vemos tentando, os vemos leais, os vemos amorosos, os vemos quebrados e os vemos violentos,” disse a cineasta.

Na semana passada, enquanto o elenco dava os retoques finais no espetáculo (e os tremores secundários de um terremoto de magnitude 4,8 ecoavam pela cidade de Nova York), Jolie e Taymor se reuniram no Teatro Bernard B. Jacobs para conversar sobre a construção de personagens, sobre abraçar a colaboração e por que “The Outsiders” resiste ao tempo.

DANYA TAYMOR: Você viu algum dos nossos últimos pequenos ensaios?

ANGELINA JOLIE: Foram emocionantes?

TAYMOR: Sim, mesmo que não seja o fim, eu sinto como se fosse.

JOLIE: É o fim de um capítulo.

TAYMOR: É, mas acho que isso pode ser uma coisa triste. A lua nova vai acontecer na próxima semana, então sinto que estamos alinhados. Mas sim, foi emocionante. Fizemos nosso último aquecimento e nossa última atuação espelhada. Todo mundo liderou um pouco. Às vezes faço isso em duplas, mas dessa vez foi em um grande círculo.

JOLIE: Bem, vamos falar sobre isso, porque é uma coisa muito incomum que você faz como diretora. Eu observei o efeito que isso tem em todos os artistas. Como você chegou a esse processo?

TAYMOR: Comecei num pequeno teatro chamado “The Flea” e estava fazendo uma peça sobre duas irmãs no Colorado. Eu tive ótimas atrizes, muito nova-iorquinas. Eu pensava coisas como, “precisamos entrar em nossos corpos se eles quiserem sentir que vivem nesta fazenda onde se criam ovelhas”. Então comecei a fazer um aquecimento físico. E como elas interpretavam irmãs, pensei: “Essas meninas, que não são parentes de verdade, precisam realmente se conhecer”. Foi aí que comecei a fazer as atuações espelhadas, onde você faz contato visual com uma pessoa, sendo que uma delas lidera e a outra segue copiando. E então, com o tempo, auxiliando outros diretores ou trabalhando em espaços diferentes, meio que acrescentei outras coisas no aquecimento. Há uma coisa incrível chamada “Memory Play” que aprendi com um diretor israelense. É um método criado por Tadeusz Kantor, um diretor polaco. Ele pedia às pessoas que acessassem suas lembranças e então você escolhia duas das lembranças e criava pequenas peças com elas.

JOLIE: Sem pronunciar nenhuma palavra.

TAYMOR: Sem pronunciar nenhuma palavra. É uma forma de nos conhecermos e aprendermos a tocar o corpo um do outro com consentimento para que, quando tiver que fazer isso no palco, você tenha familiaridade e possa se sentir livre.

JOLIE: Foram essas coisas que você fez que tornaram esta comunidade tão grande, porque isso realmente poderia ter acontecido de muitas maneiras diferentes. Você tem tantos jovens naquele palco trabalhando e é um trabalho muito, muito desafiador, um dos trabalhos mais difíceis que já vi. Mas você os nutriu, você os pressionou. Você é uma diretora muito forte. Eu percebi isso.

TAYMOR: Obrigada.

JOLIE: Mas ao mesmo tempo, você dizia a eles: “Quero ter certeza de que você está seguro e se sente bem com isso. Saiba que isso está dentro de você, mas vou pressionar para que você descubra algo diferente ou chegue em um ponto onde não se sinta tão confortável.”

TAYMOR: Para conseguir levar qualquer artista ao extremo, você terá os melhores resultados se, primeiro conquistar a confiança deles.

JOLIE: Certo.

TAYMOR: Me lembro de ser atriz na faculdade e de ser ridicularizada por um diretor. Isso me deu vontade de desistir. Na verdade, fui incapaz de fazer o que eles queriam que eu fizesse. É um sentimento que ficou comigo porque, na verdade agiu de maneira oposta com relação àquilo que o diretor queria. Penso muito nisso, porque quero sim pressionar as pessoas, ser rigorosa e exigir excelência, mas você pode fazer isso de uma forma alegre e saudável, onde as pessoas se sintam cuidadas.

JOLIE: Aquele momento, na noite passada, quando eles saíram do palco, viram você, deram um grande sorriso e te abraçaram, demonstrou que é um relacionamento muito lindo. Este material precisava disso. Acho que é por isso que faz tanto sucesso, porque todo mundo é profundamente honesto lá em cima.

TAYMOR: Não é algo tangível, mas é sem dúvida a coisa mais importante. Você quer que todos tenham participação no espetáculo e se sintam responsáveis, como se fosse deles, e não como se fosse apenas um adereço dentro deles.

JOLIE: É tão claro que sim. Todo mundo tem seu momento. E você não está fazendo isso apenas por fazer. Algumas pessoas dão um momento aos atores para que eles tenham os momento deles. Mas você tem a narrativa e a compreensão de quem são essas diferentes pessoas, por que esses personagens diferentes são tão essenciais para a história e para o mundo da peça. E então você cria momentos especiais que realmente combinam com eles, o que é lindo. Os melhores diretores com quem trabalhei entenderam a mim e a personagem o suficiente para nos ajudar a nos tornarmos uma só.

TAYMOR: Você tem que se fundir. É uma grande tarefa, porque você está pedindo que não coloquem armaduras entre eles e os personagens, e isso pode trazer à tona algumas coisas assustadoras. Mas a fusão é o que me entusiasma tanto na atuação como forma de arte, principalmente no teatro. Para eles é legal se sentirem “donos” desses personagens.

JOLIE: É seu primeiro musical. Eu sei que você estuda muito e é inteligente com as pessoas ao seu redor, mas deve ter havido momentos em que você se sentiu um pouco assustada ou insegura. Houve áreas específicas que você sentiu que precisava dar uma atenção extra?

TAYMOR: Acho que o tamanho disso vai muito além de uma peça, porque você tem muito mais colaboradores de alto nível. Em uma peça, existe você e o dramaturgo. Em um musical, existe você e o escritor do livro, os compositores, os coreógrafos, o diretor musical. É simplesmente enorme. Mas adoro colaborações e, em primeiro lugar, este é um dos grandes motivos pelos quais sou diretora. Mas houve alguns momentos em que pensei: “Quem está no comando? Oh, porra, sou eu.”

JOLIE: “Quem vai cuidar disso?”

TAYMOR: Sim. Outra coisa que aprendi, e não de uma forma arrogante, é que a maneira como você entra em um espaço quando você é a diretora é muito importante. Portanto, mesmo quando você se sente desafiada, se eu entrar com uma atitude boa e inovadora, faremos um trabalho melhor. Se eu chegar chateada e irritada, vamos produzir menos.

JOLIE: Isso é algo importante para aprender e é muito, muito verdade. Mesmo sabendo disso, é difícil não ficar frustrada, especialmente quando você está tentando tocar o barco a adiante.

TAYMOR: Definitivamente.

JOLIE: Eu mão sou a pessoa mais paciente [risos].

TAYMOR: Eu também não. Mas me tornei mais paciente porque assim, obtemos melhores resultados. Nem sempre é fácil, mas pelo menos um musical é menos solitário que uma peça. Eu tenho o Rick e o Jeff [Kuperman], os coreógrafos. Quando estou muito fraca ou cansada, posso falar: “Ei, pessoal”.

JOLIE: “Vocês podem assumir?” E isso porque eu nunca dirigi uma peça e certamente nem um musical, mas fiquei impressionada com o tanto de coisa que você tem que decidir com relação a todo mundo, a música, a edição, o tempo. Você tem que decidir quando vai focar no público, quando a música começa, onde você corta, onde deixa as pausas, o ritmo, o tom, todas essas coisas que você costuma ter tempo nos outros gêneros. Todos vocês estão fazendo essa coisa linda juntos. Todos vocês estão falando uma linguagem muito forte e coordenando muito ao mesmo tempo. Ter esse efeito e levar a história adiante foi incrível de assistir e experimentar.

TAYMOR: E falando sobre quando as edições acontecem, no teatro sua edição acontece ao vivo, na frente das pessoas, o que é insuportável, mas incrível. É um trabalho completamente diferente de dirigir um filme porque, em um filme, você quer fazer tudo o que puder e depois decide como tudo funciona junto e qual é o ritmo. Você pode ter alguns palpites, mas isso pode mudar. No teatro, e especialmente num musical, você tem tanto e tão pouco controle ao mesmo tempo. Uma coisa especial em nosso musical é o uso do silêncio e da quietude. Só podemos ter silêncio porque temos barulho ou música. Você não pode criar silêncio a partir do silêncio.

JOLIE: Podemos estar tendo outro terremoto.

TAYMOR: Eu senti isso. Parece um terremoto ou parece um trem? É uma loucura que Nova York esteja sofrendo um terremoto. O mundo está tão desequilibrado.

JOLIE: Eu sei. Enfim, os adolescentes são reais e por isso que esta história é tão relevante há tanto tempo. Eles querem conversar, seja sobre um terremoto em Nova York ou algo assim. Há tanta coisa acontecendo aos seus redores que é essencial encontrá-los onde estiverem e ter histórias que os ajudem a ver como os outros superam a perda, o suicídio, a violência, o bullying, a pobreza, a dor, o racismo. É importante testemunhar e ser exposto a histórias que falam sobre algumas realidades da vida sem simplificá-las ou suavizá-las. Muitos jovens, como aqueles que vimos ontem à noite e que ficaram tão emocionados com isso, precisam poder ter essas discussões.

TAYMOR: Definitivamente. Eu tinha a idade do Ponyboy quando perdi um grande amigo por suicídio. E embora desejemos que os jovens não sofram violência, perdas ou abusos, eles sofrem. Pensei muito no meu amigo enquanto trabalhava nesse musical. Estive pensando: “Uau, isso não teria melhorado ou feito tudo desaparecer, mas poderia ter me ajudado a superar isso, porque pode parecer muito isolador se você tiver violência em sua casa ou tiver sofrido uma perda.” É um presente que o livro de Susie Hinton deu a tantas pessoas.

JOLIE: Sim, absolutamente. Estou muito animada para que as pessoas assistam.

TAYMOR: Eu também.

JOLIE: Acho que quando as pessoas ouvem que é um musical, não faz sentido para elas, certo? As pessoas dizem: “Como assim é um musical?” E você pode entender perfeitamente por que seria muito desafiador. Claramente é. Eu observei todos vocês lutando para encontrar o tom, encontrar o equilíbrio. A cada passo, quando havia uma escolha a ser feita, você sempre fazia a escolha mais difícil, o que é um grande crédito para você como diretora e para cada artista que está ao redor disso.

TAYMOR: Obrigada.

JOLIE: Você realmente conseguiu. Houve momentos em que fiquei nervosa por todos, até fisicamente. Ou pensei: “Essa necessidade poderá ser atendida emocionalmente todas as noites? Eles estão prontos para aguentar mais?” Mas adorei que todos vocês tenham decidido que era assim que isso seria feito.

TAYMOR: Bem, isso me leva de volta ao aquecimento e à construção do grupo. Para Ponyboy, por exemplo, todas as noites ele tem que passar por muitas coisas. Mas no final, ele sempre vai se sentar à mesa com os irmãos, então você sabe que mesmo que tenha que passar por esse sofrimento tremendo, tem um lugar onde você vai pousar tranquilamente. Estou tentando construir algo que possa ser repetido, mas que também esteja vivo, o que é uma contradição maluca. É impossível que seja igual todas as noites, por isso quero incentivar a vivacidade. Acho que também pode ajudar se pensarmos nisso como um passeio. Você fica tipo, “Oh, merda. Eu estraguei essa parte do passeio.” Bem, qual é o próximo lugar onde você pode voltar para não ficar desmoralizado?

JOLIE: Isso é tão maravilhoso. É um grande presente que pode ser dado a um artista e a uma pessoa. Você pode ser humano, ter dias ruins e ser imperfeito.

TAYMOR: Quando você pede às pessoas que fiquem tão expostas quanto estou pedindo a esses atores, você tem que dar-lhes suavidade, uma forma de se reestabelecerem ou de se protegerem. No começo, quando eu estava criando um material muito intenso, não sabia tanto como construir o cuidado dentro do sistema da peça. Me lembro de fazer uma peça e observar as luzes dos atores, enquanto seres humanos, se apagarem. O desempenho foi incrível, mas eles ficaram tristes.

JOLIE: É muito importante você conseguir ver isso. Posso dizer que, como artista, estive em um lugar onde senti que era só eu cuidando de mim mesma. Você é pressionada e se sente esgotada. Eles vão tirar a loucura de você, vão tirar a dor de você, mas não vão te recompor. Tive que envelhecer para conseguir encontrar melhor esse equilíbrio para mim mesma.

TAYMOR: É difícil.

JOLIE: É um grande presente dar isso a eles. Talvez tenha sido você quem me disse isso, sobre a visão dos homens nesta peça. O livro foi escrito por uma mulher e agora é dirigida por uma mulher, mas “The Outsiders” traz uma maneira tão bonita de ver e compreender os homens. Eu acho que é muito fiel à vida. Eu amo esses homens, minha filha também e você também. Por que amamos esses homens? Eles não são perfeitos. Nós os vemos em seu nível mais baixo, os vemos tentando, os vemos leais, os vemos amorosos, os vemos quebrados, os vemos violentos. É um estudo extraordinário do homem através dos olhos de uma jovem que claramente tinha tanto amor, carinho e compreensão [por eles] em tão tenra idade.

TAYMOR: Sim, ela tinha. Ela também teve compaixão. Algo em que penso muito é que os “outsiders” não são apenas os engraxates. Ela consegue ver por que até mesmo os personagens, que são considerados vilões, são como são. Como a riqueza, o poder e o privilégio podem realmente corroer a pessoa que os possui.

JOLIE: Certo.

TAYMOR: Acho que é por isso que as pessoas realmente amam a atuação de Kevin [William Paul] como Bob, porque é real. Ele realmente não está tentando ser “bom”. A única maneira que ele conhece de sentir as coisas é através da violência. Não sabemos como é a vida dele em sua casa. Há algo tão profundo na mente de Susie [Hinton] que ela ficou curiosa sobre isso. É uma história incrível porque atrai pessoas de todas as idades, raças, classes, gêneros e ideologias políticas. O material é tão aberto. Acho que há uma chance de que tipos realmente diferentes de pessoas acabem no mesmo lugar, o que é muito raro no momento atual.

JOLIE: E muito necessário. De alguma forma, você conseguiu fazer tudo isso e transformar em um coisa divertida.

TAYMOR: E não de uma forma ruim.

JOLIE: E não de uma forma ruim. É intenso, dramático, real, autêntico, fundamentado e também é muito divertido. Isso é muito, muito difícil de conseguir. Acho extraordinário o que você fez. Quando vejo alguém sentindo dor, não fico tão comovida. Mas quando vejo alguém ainda tentando viver, ainda tentando rir, ainda tentando superar algo, isso é sempre muito comovente.

TAYMOR: Sim, há uma ótima direção de palco de Chekhov que é feita “em meio às lágrimas”. Não “em lágrimas”, mas através das lágrimas, cujas cenas considero tão ativas. Pensei muito nisso ao dirigir essas cenas dolorosas. Você está tentando seguir em frente, você não está se acomodando.

JOLIE: Não.

TAYMOR: Raramente ficamos acomodadas.

JOLIE: Não ficamos, mas atuar às vezes pode parecer que sim.
 
Além das fotos registradas para a entrevista, Jolie também participou de um ensaio fotográfico registrado por Emilio Madrid para o site oficial da Broadway. Clique em qualquer uma das miniaturas abaixo para ter acesso ao álbum.

• Fonte: Interview | Broadway

 


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