Angelina Jolie entrevista Roya Piraei
7 de dezembro de 2022
Nesta quarta-feira, dia 07 de Dezembro de 2022, a revista “TIME” compartilhou, em seu website oficial, uma entrevista exclusiva feita pela cineasta estadunidense e Enviada Especial do Alto Comissariado da ONU para os Refugiados (UNHCR / ACNUR), Angelina Jolie, com a ativista Roya Piraei. Jolie também escreveu o artigo, que foi traduzido na íntegra pelo Angelina Jolie Brasil. Confira!
Escrito por Angelina Jolie
ROYA PIRAEI, CUJA MÃE FOI MORTA NOS PROTESTOS DO IRÃ, SE MANIFESTA
Roya Piraei, de 25 anos, morava com os pais na cidade de Kermanshah, no Irã, quando se iniciaram os protestos em razão da morte de Mahsa (Jina) Amini – uma jovem curda iraniana acusada de usar o véu islâmico (hijab) de forma inadequada.
No dia 20 de Setembro deste ano, a mãe de Roya, Minoo Majidi, entoava frases ao lado de outros manifestantes quando as forças de segurança do país, a bordo de motocicletas, atiraram nela à queima-roupa. Ela morreu com 167 projéteis de espingarda nas costas.
Após o funeral de sua mãe, Roya deixou o país por motivos de segurança. Ela é uma jovem de inteligência e graça, e relatou que a morte de sua mãe foi “como um furacão, que levou tudo embora. A Roya que existia antes da morte de minha mãe se foi. Acho que fui enterrada com ela,” disse ela. Atualmente, ela está na França e conversou comigo sobre sua dor e suas esperanças para o futuro do Irã.
AJ: Como você está lidando com este choque?
É como se a ferida em meu coração estivesse se renovando a cada dia. Estou tentando permanecer estável. Mas é muito difícil. Eu tenho que seguir em frente, pois devo fazer o meu melhor e conseguir dar voz para minha mãe que foi silenciada e para outras pessoas que estão sendo mortas. Ela deu a vida por aquilo que acreditava. Ela buscava liberdade e fazer justiça por Mahsa e por toda a jovem geração, como eu.
AJ: Como foi crescer no Irã?
Não quero dizer que tive uma vida normal. Ninguém tem uma vida normal sob o controle da República Islâmica. Mas eu realmente apreciava meus familiares, pois nunca precisei ser diferente do que era quando não estava perto deles. Eu era livre para pensar e fazer o que quisesse. A pressão era mais da sociedade, do governo. Antes de tudo isso acontecer, eu era muito próxima da minha família. Eu me sentia muito abençoada. Mesmo com toda essa escuridão que a República Islâmica gerou em nossa sociedade, nós tínhamos um ao outro, nós nos amávamos.
AJ: Já houve protestos antes. O que você sente que é diferente desta vez?
Esta revolta começou com a exigência de liberdade para as mulheres. A morte de Mahsa foi como uma faísca. Estávamos lutando contra muitas coisas: corrupção em todas as organizações – no sistema educacional, na política, na economia, na administração – em todos os lugares, em tudo. Agora todas as etnias, de todo o Irã, estão unidas. Todas as pessoas querem retomar o país. Homens e mulheres lutando lado a lado, e isso é uma coisa enorme. Porque todo mundo sabe que exigir liberdade para as mulheres leva à liberdade para toda a sociedade.
AJ: Qual é a esperança do que é possível? O que você gostaria de ver?
Eu não sou política. Posso apenas responder pelo que vi e ouvi. O principal é que as pessoas não querem um regime que mata cidadãos. Tenho esperança, pois acho que existem muitas pessoas decentes e educadas no Irã e uma Geração Z com grande potencial. Tudo o que posso dizer é que acredito no meu povo.
AJ: Espero que, mesmo que demore – mas espero que seja logo – que haja mudança e que haja paz para as mulheres.
Há um longo caminho para percorrer, mas acredito que não vão voltar para aquela escuridão. As pessoas perceberam que este regime não pode ser consertado, então acho que a união é a chave para a vitória e para vencer esta revolução. Outra coisa importante é o apoio que os outros países podem dar para nós. Todos da oposição dizem que a República Islâmica deve ser isolada, que os diplomatas devem ser expulsos do exterior. Sei que nossa voz foi alta e todos começaram a nos ver, não só os Mulás e não só a República Islâmica. Nós somos os representantes do Irã, não eles.
AJ: Se não for muito doloroso, posso perguntar como era sua mãe?
Minha mãe, ela sempre acreditou na liberdade. Ela se importava com os seres humanos. Ela era muito paciente, por causa de seu grande coração e bondade. Gostava de esportes, literatura e de andar a cavalo. Ela era uma pessoa realmente ativa e cheia de vida. Nós compartilhávamos tudo. Perdi a pessoa mais querida da minha vida e é por isso que eu sinto que eles também me mataram.
AJ: Poucas mães e filhas tem a possibilidade de lutar, lado a lado, pelo direito das mulheres e pela liberdade. Tenho certeza de que você sabe que ela ficaria muito orgulhosa da maneira como você está lidando com este momento.
Eu realmente tento acreditar nisso, mas às vezes me sinto muito entorpecida. É uma pena que estejamos perdendo todas essas pessoas preciosas nas mãos desses assassinos.
AJ: Eu sei que não existem palavras para descrever este momento. Perdi minha mãe [para o câncer], mas tive anos para me despedir dela. Não foi outra pessoa que a tirou de mim, ou deram desculpas para seu assassinato.
A perda é um grande problema. Eu nunca tinha perdido ninguém antes. Mas isso não é normal. Como você disse, ninguém tirou sua mãe de você e, por este motivo, teve tempo de se despedir dela. Nada sobre a morte da minha mãe é normal. Muitas pessoas que perderam seus entes queridos dessa forma foram pressionadas pela República Islâmica a contar mentiras. Algumas delas foram presas. Eles até roubaram os corpos de seus entes queridos.
AJ: É uma crueldade inimaginável. Eu realmente rezo para que, em razão de toda essa coragem e sacrifício, nasça algo novo que tenha luz e liberdade.
Haverá, pois pagamos por isso com nossos entes queridos. Com suas vidas. Portanto, não será desperdiçado.
Fonte: TIME
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