ACNUR / Afeganistão / Enviada Especial / ONU / Refugiados / Trabalho Humanitário / UNHCR

Jolie escreve sobre o Afeganistão em novo artigo

21 de agosto de 2021

Nesta sexta-feira, dia 20 de Agosto de 2021, o site oficial da revista TIME publicou um novo artigo escrito por Angelina Jolie, através do qual, ela fala sobre a atual guerra no Afeganistão. Confira a matéria traduzida na íntegra pelo Angelina Jolie Brasil.

Por Angelina Jolie

Quaisquer que sejam suas opiniões a respeito da guerra no Afeganistão, provavelmente concordamos com uma coisa: ela não deveria ter chegado a esse ponto.

Desistir da ideia de um acordo de paz entre o governo afegão e o Talibã – parecendo que encerramos, fugimos e abandonamos nossos aliados e nossos apoiadores da forma mais caótica que se possa imaginar, após tantos anos de esforço e sacrifício – é uma traição e um fracasso impossível de entender completamente.

Penso nos soldados e mulheres americanos feridos que conheci na Base Aérea de Ramstein – alguns que perderam membros do corpo lutando contra o Talibã – que me disseram como se sentiam orgulhosos por ajudar o povo afegão a obter direitos e liberdades básicos.

Penso em todas as garotas afegãs que pegaram suas mochilas e foram para a escola nos últimos vinte anos, embora tenham corrido o risco de serem mortas por isso – como tantas foram. Em um distrito de Cabul, mais de cem pessoas foram mortas em ataques contra meninas em idade escolar, só no ano passado.

Penso nas mulheres afegãs que atuaram como advogadas, juízas e policiais – mesmo quando suas amigas e colegas foram assassinadas a sangue frio, com o número de assassinatos triplicando em 2020.

Penso em todas as crianças e adolescentes afegãos que agora vivem com medo do futuro. E os ativistas e jornalistas e artistas que estão escondidos, apagando seus perfis das redes sociais e queimando documentos numa tentativa de manter a si próprios e suas famílias seguras. Alguns tendo que evitar dormir mais de uma noite em um lugar, pois estão vivendo como fugitivos.

Depois de todo o derramamento de sangue, esforço, sacrifício e tempo, parece que faltou vontade aos Estados Unidos para planejar essa transição de maneira controlada. Nunca teria sido algo fácil ou perfeito, mas poderia ter sido melhor, mais decente e mais seguro.

Eu, e milhões de americanos, demos fé e confiança a sucessivos governos que nos disseram que estávamos no Afeganistão para proteger nosso país e apoiar um novo Estado afegão democrático. Eu acreditava que estávamos fazendo a coisa certa, que estávamos lado a lado com os afegãos e que estávamos lutando por uma causa nobre. À medida que nos afastamos do Afeganistão, é difícil manter essa confiança.

Como americana, sinto-me envergonhada pela maneira como partimos. Isso nos diminuiu. Perdemos o poder de influenciar o que agora acontece no Afeganistão. Não temos uma estratégia para monitorar e ajudar as mulheres e a sociedade civil no Afeganistão – quem o Talibã tem um histórico de alvejar – banindo meninas da escola, confinando as mulheres em casa e infligindo punições físicas brutais, incluindo chicotadas públicas, a qualquer mulher que seja acusada de sair da linha. Enfrentamos uma nova crise de refugiados, além do atual recorde no deslocamento global, com quase um quarto de milhão de afegãos deslocados dentro do país desde maio – 80% deles mulheres e meninas.

Nossos aliados estão corretamente bravos, culpando os EUA por uma retirada precipitada e unilateral que perdeu a oportunidade de qualquer plano coordenado de preservar algumas das conquistas obtidas no país. Temos que reconhecer e abordar essas realidades, se quisermos ter alguma esperança de aprender com este momento sombrio.

Evacuar apenas algumas pessoas vulneráveis e receber mais alguns refugiados afegãos para reassentamento – por mais importantes que sejam essas duas etapas – não vai resolver o problema. É apenas o começo do que precisamos fazer, se todos os anos de esforço e sacrifício no Afeganistão não forem perdidos.

Não se trata apenas do Afeganistão. Em vinte anos trabalhando com questões relacionadas aos refugiados, vi esse padrão de países ocidentais entrando em um país e depois saindo, repetidamente, incluindo no Iraque e agora no Afeganistão. Cada vez que as pessoas tentam sobreviver ao caos: alguns fogem como refugiados e vivem dependendo de uma ajuda humanitária que fica cada vez menor, outros ficam abaixando a cabeça e esperando permanecer onde estão. E, ao mesmo tempo, o número de pessoas deslocadas globalmente por conflitos e perseguições aumenta a cada ano, a escassez de ajuda humanitária aumenta e os agressores responsáveis por estupros e massacres caminham em liberdade, sem qualquer responsabilidade.

Estou maravilhada com todos os afegãos que trabalharam para melhorar seu país nos últimos vinte anos. Enquanto escrevo, penso particularmente nas mulheres e meninas afegãs, que são as que mais têm a temer. Você tem mostrado repetidas vezes como você é corajosa, capaz e valiosa para a sociedade. Espero que você esteja segura para contribuir com seu país da maneira que deveria nos próximos anos. Oro para que sua força seja recebida com respeito e não com medo ou agressão, por qualquer pessoa que pretenda governar o Afeganistão. Você merece muito mais do que a situação que está enfrentando agora.

Qualquer futuro governo afegão deve ser julgado, não apenas por sua atitude em relação ao terrorismo, mas por seu comportamento em relação aos direitos humanos e, em particular, se as mulheres e meninas afegãs mantiveram os direitos que conquistaram.

Fonte: TIME