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Angelina Jolie entrevista antigo chefe do MI6

22 de outubro de 2020

Nesta quarta-feira, dia 21 de Outubro de 2020, a renomada revista estadunidense, TIME, publicou em seu website oficial uma entrevista exclusiva feita por Angelina Jolie com Sir Alex Younger, antigo chefe do MI6 – o Serviço Secreto de Inteligência da Grã-Bretanha. Confira abaixo o artigo traduzido na íntegra pelo Angelina Jolie Brasil.

Por Angelina Jolie
Com reportagem de Simmone Shah e Madeline Roache

Que impacto terá a pandemia na segurança humana e nos direitos humanos? Eu fiz essa pergunta a Sir Alex Younger que, até setembro deste ano, chefiava o MI6 – o Serviço Secreto de Inteligência da Grã-Bretanha. Falando de um local não revelado, ele comentou sobre uma corrida tecnológica que ameaça a segurança e a força econômica das democracias liberais. Mas, seus 30 anos na espionagem, disse ele, o convenceram a respeito do poder da agência humana: “Nós criamos as coisas que nos dividem e está em nosso poder resolvê-las.”

Você cresceu querendo ser um espião?
Acho que eu não tinha uma ambição ardente de trabalhar no mundo secreto. A oportunidade apareceu para mim e, pra ser honesto, eu prevariquei, porque entendi algumas das coisas que isso envolveria, inclusive as responsabilidades morais e pessoais.

Deve ter sido uma existência solitária, viver uma vida secreta.
É um modo de vida incomum, mesmo que seja normalizado após 30 anos. Há um risco de isolamento, mas como nosso trabalho é secreto, aqueles de nós que o fazem desenvolvem laços bem fortes.

Isso envolvia sentar na mesa de jantar escondendo coisas de sua própria família?
Nunca nos pedem para esconder o que fazemos de nossos parceiros. No entanto, você tem que esperar o momento certo antes de contar o segredo ao seus filhos.

Atores fingem ser outras pessoas. Mas eles fazem isso em um set de filmagem, cercado por um elenco e equipe que sabem que aquilo não é real. Como espião, como evitar que isso prejudique sua integridade pessoal?
Existe um tropo nos filmes, de que aquele é um ambiente livre de moralidade. Falando com relação ao meu antigo serviço, o oposto é verdadeiro. Você precisa ter um senso muito desenvolvido dos seus valores como pessoa, como ser humano e como organização.

Algumas pessoas podem pensar que o mundo da espionagem não tem algo a ver com o bem maior.
Nem todos os serviços de inteligência são iguais. Buscamos defender os valores da nossa democracia liberal e entendemos que, se minarmos esses valores, não alcançamos nada. Rejeito a ideia de uma equivalência moral entre nós e nossos oponentes. Não quero parecer arrogante. Não somos uma ONG. Mas o fato satisfatório é que, proteger os interesses do nosso país e de nossos aliados, muitas vezes, nos coloca contra os valentões geopolíticos do mundo — os terroristas, os criminosos de guerra ou os proliferadores nucleares. Dificultamos a vida de pessoas assim.

Se eu puder perguntar um pouco sobre isso, você serviu no Afeganistão. Lhe incomoda o fato de que os Estados Unidos estejam encorajando um acordo de paz que fará com que o Talibã retorne ao poder, sem garantias sobre os direitos das mulheres?
Sempre ficou claro para mim que este não é o tipo de conflito para o qual há uma solução militar. Tem que acabar em diálogo. Mas os talibãs precisam entender que o Afeganistão não é o mesmo de quando eles estavam no comando. O povo afegão, as mulheres afegãs em particular, têm expectativas totalmente diferentes.

O quanto você estava ciente das pessoas que não têm voz, mas sofrem com a insegurança, como os refugiados?
Somos pagos para sermos indiferentes, mas somos seres humanos e somos selecionados por nossa capacidade de ter empatia. É impossível não ser profundamente influenciado pelas circunstâncias das pessoas com quem falamos e tocados pelo sofrimento que encontramos.

Se o que você faz é secreto, como as agências como a sua podem ser responsabilizadas?
Segredo não é o propósito do que fazemos. É parte do que fazemos e é necessário porque há muitos homens e mulheres corajosos que concordam em trabalhar conosco, cuja única proteção é nossa capacidade de manter sua identidade em segredo. Mas nós somos altamente responsáveis. Nós não recrutamos pessoas de um planeta extraterrestre, recrutamos membros do público que compartilham os mesmos valores que você e que eu tenho, e que simplesmente não toleraria os tipos de violações da lei e valores dos quais às vezes somos acusados.

Estamos falando porque, como muitas pessoas, estou tentando encontrar respostas e um caminho a seguir neste momento. Você vê alguma possibilidade de recuperar o consenso sobre os direitos humanos e responsabilizar os agressores?
Minha expectativa é que tenhamos que encontrar diferentes maneiras de criar consequências para aqueles que violam as normas globais. Nossas alianças são nossa grande força como democracias liberais. Outros sistemas de valores não têm alianças, eles têm clientes. Temos parcerias genuínas.

Em seus seis anos como chefe do MI6 você nunca participou de uma conversa como esta. Por que você decidiu falar agora?
Aqueles de nós que vivem em democracias liberais correm o risco de subestimar quanta atividade temos, quanto poder temos para lidar com os problemas que enfrentamos. Quero mandar uma mensagem de que nosso destino está em nossas mãos. Devemos ter confiança nas coisas que nos tornam fortes: nossas instituições, nossas alianças e nossa capacidade de inovar.

Estamos nos aproximando da eleição aqui nos Estados Unidos e ouvindo, novamente, a respeito da possibilidade de interferência estrangeira. Quão grave é a ameaça e até que ponto os países como a Rússia são culpados?
A Rússia se sente ameaçada pela qualidade de nossas alianças e, mesmo no ambiente atual, pela qualidade de nossas instituições democráticas. Tem como objetivo denegri-las e usa serviços de inteligência para esse fim. É um problema sério e devemos nos organizar para evitá-lo. E não, aliás, agindo como a Rússia, mas simplesmente relatando o que vemos. Mas não devemos enfatizar o papel da Rússia, que faz esse trabalho para eles. E não devemos nos permitir distrair. A Rússia não criou as coisas que nos dividem. Nós fizemos isso e está em nosso poder resolvê-las.

Já existe a sugestão de que a China emergiu mais forte após a pandemia, como outros países têm lutado. Como a China evoluirá?
O governo chinês fará o que for do interesse do Partido Comunista. Parece muito improvável que, à medida que a economia chinesa amadureça e as taxas de crescimento diminuam, eles fiquem mais parecidos conosco. Pelo contrário, acho que eles buscarão reforçar sua legitimidade debruçando-se na ideologia nacionalista. Teremos dois sistemas de valores bem diferentes em operação no mesmo planeta, num futuro mais previsível. Não devemos ser ingênuos. Precisamos manter a capacidade de nos defender. Precisamos estabelecer regras de convivência, mesmo quando não há amor e pouca confiança. Devemos usar o peso dos problemas globais para forçar a liderança de todos os lados.

A internet e as mídias sociais — as pessoas pensavam nelas como forças muito democratizantes. Você acha que o equilíbrio pendeu para o outro lado?
Acho que antes havia um sentimento de que, por democratizar o conhecimento tão efetivamente, a internet estaria do lado dos países livres. Acho que todos passamos por um processo de luto, pois descobrimos que, na verdade, isso pode ser distorcido e ter um propósito de controle social muito facilmente. Se eu tivesse uma mensagem para dar, seria que nossa segurança futura estaria no domínio das principais tecnologias emergentes; como a inteligência artificial, quântica, biologia sintética, entre outras. Inventamos todas essas coisas e, se não pudermos ficar na liderança delas, não importa o que façamos, nosso ambiente de segurança se degradará. Mas, em contraste, se pudermos inovar e lembrar que tivemos muito sucesso nisso no passado, acho que teremos um futuro seguro.

Uma das questões atuais é a falta de confiança nas informações que recebemos. O que podemos fazer como cidadãos para nos informar melhor?
Talvez eu seja apenas um cético natural ou apenas um oficial de inteligência treinado, mas o que me dá um sentimento muito ruim é quando estou lendo um artigo e começo a concordar violentamente e me sentir bem com o fato de que essa pessoa pensa o mesmo que eu. Isso é incrivelmente reconfortante, mas a primeira coisa que você deve fazer nessas circunstâncias é ir e encontrar um artigo que defenda exatamente o ponto de vista oposto. Acho que há algo sobre disciplinar-se a encontrar os dois lados da discussão e evitar a câmara de eco. Acho que deveríamos estar nos treinando, treinando nossos filhos. Isso deve fazer parte do nosso cotidiano.

Fonte: TIME