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Jolie escreve artigo para o Los Angeles Times

12 de agosto de 2020

Nesta quarta-feira, dia 12 de Agosto de 2020, a cineasta norte americana e Enviada Especial do Alto Comissariado da ONU para os Refugiados (UNHCR / ACNUR), Angelina Jolie, escreveu um artigo para o jornal Los Angeles Times e falou sobre o impacto gerado pela pandemia do coronavírus na violência doméstica contra as crianças. Confira a matéria traduzida na íntegra pelo Angelina Jolie Brasil.

Escrito por Angelina Jolie

Agora nós sabemos que muitas escolas da Califórnia, e de outros estados, não irão reabrir para as aulas presenciais este ano. Embora seja algo considerado necessário para retardar a disseminação do coronavírus, isso gera implicações assustadoras para o bem-estar psicológico e físico de crianças vulneráveis.

O fechamento das escolas levou a uma queda dramática nas denúncias de abuso infantil em todo o país, uma vez que os educadores respondem por mais de um quinto das denúncias de abuso infantil e negligência – mais do que qualquer outra categoria de pessoas que denunciam. Uma análise descobriu que os totais estaduais mensais de denúncias de abuso infantil foram em média 40,6% mais baixos em abril e 35,1% mais baixos em maio, em comparação com os relatórios nos mesmos meses em 2019.

Se as escolas permanecerem fisicamente fechadas, os professores podem precisar de treinamento e de ajuda para identificar sinais de abuso através das aulas onlines. Os familiares e amigos precisam saber que, agora, são as únicas testemunhas presenciais. Por mais difícil que seja aceitar que alguém que você conhece ou ama é uma pessoa abusiva, amigos e familiares devem ter a força moral para identificar o abuso e colocar a saúde e a segurança de uma criança acima de tudo.

Ao mesmo tempo, vimos um aumento nas ligações relacionadas à violência doméstica para a polícia nos Estados Unidos o que, por si só, sugere maior perigo para as crianças. Na maioria das famílias em que uma mulher é espancada, as crianças também são espancadas. Aqui na Califórnia, a Parceria para Acabar com a Violência Doméstica (Partnership to End Domestic Violence) está registrando mais ligações para os prestadores de serviços envolvendo violência física extrema, incluindo estrangulamento.

Nesse ritmo, quando sairmos da pandemia, a violência evitável terá marcado, e até custado, a vida das crianças em nossos estados e país. Apesar de todos os esforços em aumentar o financiamento dos programas e dos abrigos que ajudam as vítimas de violência doméstica, ninguém parece ter uma resposta sobre como avançar e enfrentar este momento.

Em toda a América, as agências de proteção estão realizando menos visitas às crianças vulneráveis. O acesso aos serviços essenciais de violência doméstica e, em algumas áreas, aos processos judiciais que podem fornecer proteção adicional, está mais difícil do que nunca. O Secretário Geral das Nações Unidas, António Guterres, chegou ao ponto de pedir um “cessar-fogo” na violência doméstica a nível mundial.

Antes da pandemia, cerca de 10 milhões de crianças nos Estados Unidos eram expostas à violência doméstica anualmente. Já era uma emergência de saúde infantil. O fato de que a violência contra as crianças pode estar acontecendo em tal escala, sem ser nossa prioridade mais urgente, revela até que ponto ela é normalizada. Vítimas de violência doméstica freqüentemente enfrentam uma cultura de descrença, agravada pela falta de treinamento especializado para aqueles a quem são confiadas as decisões sobre o bem-estar das crianças.

Menos da metade das agências que zelam pelo bem-estar infantil nos Estados Unidos, se engaja na triagem da violência doméstica em casos de abuso infantil e menos de um quarto exige que os assistentes sociais recebam treinamento em violência doméstica ou qualquer treinamento formal para trabalhar com perpetradores de violência. E, na grande maioria dos estados da América, os juízes que lidam com os casos de violência doméstica não são obrigados a ter treinamento em violência doméstica.

Não é amplamente divulgado de que, só fato de um pai cometer um ato de violência contra o outro pai (ou mãe), na frente de uma criança, já é uma forma de abuso infantil. Também não é divulgado a informação a respeito das crianças que testemunham agressões, ou que são vítimas de violência, uma vez que elas “podem apresentar sintomas de transtorno de estresse pós-traumático semelhantes aos de soldados que voltam da guerra”, nas palavras do representante especial da ONU sobre violência contra crianças.

Esses pontos cegos não poderiam ser mais sérios. Os Centros de Controle e Prevenção de Doenças (Centers for Disease Control and Prevention) estimaram que 1.720 crianças estadunidenses morreram de abuso ou negligência em 2017, embora observem que o número real provavelmente seja muito maior, porque não existe registro nacional ou um padrão para categorizar mortes relacionadas ao abuso.

De acordo com o Departamento de Justiça, de 24% a 45% dos casos envolveram famílias que já eram conhecidas pelas autoridades de proteção à criança, por causa de problemas anteriores. Nos Estados Unidos, estima-se que 58.000 crianças, por ano, são obrigadas a entrar em contato sem supervisão com um pai fisicamente ou sexualmente abusivo após o divórcio.

O que está em jogo é a saúde mental, a segurança física e, em última instância, a vida das crianças. Suas necessidades em todos esses casos devem ser a consideração central – com base em avaliações médicas e psicológicas, com triagem apropriada para violência doméstica, especificamente.

A ciência revelou os impactos do trauma e do estresse tóxico nos corpos, cérebros e sistemas imunológicos das crianças e os danos, a longo prazo, que podem causar à sua saúde física e mental. Ainda assim, nos Estados Unidos, apenas 16% das crianças com problemas de saúde mental recebem algum tratamento – e entre 70% a 80% das que recebem, dependem das escolas para fornecer esse serviço. Esta é mais uma maneira pela qual as crianças estão sofrendo em consequência da pandemia.

As consequências, a longo prazo, geradas pela pandemia do COVID-19 com relação às crianças, não serão compreendidas por anos. Mas já podemos ver o alto custo da perda de escolaridade, das oportunidades perdidas, da angústia mental e de uma maior exposição à violência que transforma vidas. É hora de elevar as necessidades das crianças à vanguarda da discussão de como nós construímos uma sociedade melhor.

Angelina Jolie é cineasta e ativista. A Linha Direta Nacional de Violência Doméstica (The National Domestic Violence Hotline) está disponível 24 horas por dia, 7 dias por semana nos Estados Unidos através do telefone (800) 799-SAFE (7233) por ligação ou mensagem de texto.

Fonte: Los Angeles Times