Angelina Jolie escreve artigo para o Dia das Mães
10 de maio de 2020
Nesta sexta-feira, dia 09 de Maio de 2020, a cineasta norte americana e Enviada Especial do Alto Comissariado da ONU para os Refugiados (UNHCR / ACNUR), Angelina Jolie, escreveu um artigo para o renomado jornal The New York Times, e falou sobre o Dia da Mães. Confira a matéria traduzida na íntegra pelo Angelina Jolie Brasil.
Escrito por Angelina Jolie
O Dia das Mães é difícil para qualquer um que já perdeu a mãe, mas este ano dever ser mais difícil ainda, particularmente por causa do coronavírus. Muitas pessoas perderam os pais de repente, sem estar ao lado deles, sem serem capazes de cuidar deles e retribuir seu amor da maneira que sempre imaginaram.
Perdi minha mãe quando estava na casa dos trinta. Quando olho para trás, vejo o quanto a morte dela me mudou. Não foi repentina, mas me mudou muito por dentro. Perder o amor, o abraço quente e suave de uma mãe é como se alguém arrancasse um cobertor que te protege.
Fiz uma pequena tatuagem na minha mão direita depois que minha mãe morreu, sabendo que as tatuagens das mãos desaparecem. Parecia, para os outros, uma letra “M”. Mas não era um “M” de Marcheline, em referência ao nome dela. Era um “W” de “Winter” – nome da música dos Rolling Stones que ela cantava para mim quando eu era bebê, e que eu me lembro de amar quando era menina. “Com certeza foi um inverno frio, muito frio”, ela cantava para mim. E continuava, “Eu quero envolver meu casaco em torno de você”, ela me envolvia em meus cobertores e me aconchegava.
Eu amei minha mãe. Ela foi criada como católica no lado sul de Chicago. Meu avô, que lutou na Segunda Guerra Mundial, adorava jogar boliche, assistir “M*A*S*H,” era fã de Benny Hill e amava minha avó, Lois. Minha avó morreu antes de eu nascer, quando minha mãe tinha vinte e poucos anos. “Diamond Lois”, era o apelido que o namorado da minha mãe, na época, deu à minha avó. Não porque ela era uma socialite, mas porque ela limpava o chão usando seus diamantes. Antes de meus avós se mudarem para Los Angeles, na década de 1960, eles eram donos de um boliche. Seus pais, antes deles, administravam um bar.
Minha mãe adorava se sentir viva. Ela adorava rir. Quando eu caía, ela tocava aquelas músicas de rock e me lembrava do meu fogo interno. Uma das minhas primeiras lembranças é a de acender velas e colocar os álbuns dos Beatles pela casa, na noite em que John Lennon foi morto. A outra vez que eu lembro, em que ela ficou preocupada com a saúde de uma figura pública, foi quando o papa João Paulo II foi baleado.
Perder minha avó, deixou minha mãe profundamente triste. Quando meu pai teve um caso com outra mulher, isso mudou a vida dela. Isso acabou com o sonho da vida familiar que ela tinha. Mas ela ainda amava ser mãe. Seus sonhos de ser atriz desapareceram quando ela se viu, aos 26 anos de idade, criando dois filhos de um ex-marido famoso que lançaria uma longa sombra sobre sua vida. Depois que ela morreu, encontrei um vídeo dela atuando em um curta metragem. Ela era boa. Tudo era possível para ela.
Antes de sua morte, ela me disse que os sonhos podem simplesmente mudar a forma das coisas. Seu sonho de ser artista era, na verdade, o sonho da mãe dela. E depois, ela esperava que eu o realizasse. Penso em como isso deve ser a realidade de tantas mulheres diante de nós, cujos sonhos levaram gerações para se concretizar.
Ouvindo a música “Winter” agora, percebo o quão solitária e com medo minha mãe deve ter ficado, mas também como ela estava determinada a lutar para garantir que seus filhos estivessem bem. Assim como a letra “W” desapareceu da minha mão, o mesmo aconteceu com a sensação de lar e proteção que eu tinha. A vida deu muitas voltas. Eu tive minha própria perda e vi minha vida tomar uma direção diferente. E doeu mais do que eu imaginava.
Mas agora, com minhas meninas crescendo e tendo as mesmas idades das quais me lembro tão bem como filha, estou redescobrindo minha mãe e seu espírito. Ela era uma garota que dançava a noite toda na “Sunset Strip” e que adorava rock ‘n’ roll. Ela era uma mulher que amava, mesmo depois de suas perdas, e que nunca perdeu a graça e o sorriso.
Agora eu sei como é ficar sozinha e como é envolver meu casaco em volta daqueles que eu amo. E conheço o enorme sentimento de gratidão, por ser forte o suficiente de mantê-los seguros e aquecidos. Quando seus filhos entram em sua vida, imediatamente e para sempre, eles passam a vir em primeiro lugar.
Neste dia das mães, penso nas mães refugiadas que conheci, vivendo em situação de pobreza e deslocamento. Todas começaram sua jornada de maternidade com a promessa de fazer tudo o que podiam para proteger seus filhos. Dar a própria vida, se for necessário. E se ela é derrotada e silenciada, poucas coisas são mais trágicas.
Através dos refugiados, passei a acreditar que a mãe é a pessoa mais forte do mundo. A suavidade de sua pele é enganosa. Ela é uma força impulsionada pelo amor e pela lealdade. Não há ninguém que resolva mais problemas. Quando ela só tem amor para dar, isso flui de sua alma.
Quando uma mãe procura ajuda e você não a fornece, ela pode até ficar triste. Mas ela nunca vai desistir. Quando você nega a segurança e o abrigo infantil, ela pode passar a procurar isso em uma terra hostil, onde seu corpo estará vulnerável a abusos. Seu coração ficará doente com a perda. Mas ela lutará pelo filho. Porque ela é mãe.
Mulheres vítimas de abuso não são “mulheres fracas”, geralmente elas também são mães. Muitas vezes, elas estão tentando lidar com um perigo sem saída. Elas ficarão entre seu filho e o mal. Elas enfrentarão isolamento e críticas. Mas o único pensamento delas será: “Machuque a mim, mas não meu filho. Me insulte e me ignore, não meu filho. Leve minha comida, mas não a de meu filho.”
Uma mulher assim sofrerá dores inimagináveis, na guerra ou no campo de refugiados, mas não deixará o filho e não procurará outra vida. Ela ficará 10 anos, 20 anos ou mais, se necessário. Lembro-me de todos os rostos bonitos das mães refugiadas que conheci, como páginas de um álbum de família. Seus olhos estavam cheios de exaustão, mas nunca desistiram. Porque as que já foram filhas devem agora embrulhar seu próprio filho em um cobertor.
Nada é mais doloroso para uma mãe, ou pai, do que ser incapaz de fornecer aos filhos as coisas que eles precisam. Esta é uma realidade que muitas famílias estão enfrentando durante essa pandemia, mesmo na América do Norte. Mas aprendi que, quando as crianças sabem o quanto você as ama, às vezes esse entendimento conta mais do que a coisa em si. E quando elas crescerem, sabendo que você nunca as abandonou, nem as deixou em uma situação insegura, ou nunca parou de lutar por elas, será isso que vai ser levado conta.
Portanto, para as mães de todos os lugares que se sentem impotentes – mas que ainda dão todo o resto de sua energia, toda última mordida de comida e seu único cobertor para os filhos – eu as honro. E para quem está de luto neste dia das mães, espero que você encontre consolo e força em suas memórias.
Fonte: The New York Times
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