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Jolie escreve artigo sobre a falta de ação na Síria

20 de fevereiro de 2020

Em um artigo publicado no dia 20 de Fevereiro pela renomada revista TIME, Angelina Jolie falou sobre a falta de ação na Síria. Confira a matéria traduzida na íntegra pelo nosso colaborador, Gui Leite.

Escrito por Angelina Jolie

Poucos meses antes do conflito sírio começar em 2011, visitei a fronteira com a Jordânia à noite, onde as famílias sírias traumatizadas estavam atravessando a fronteira em baixo do escuro, para evitar serem atingidas por disparos de atiradores de elite. Um médico do posto da fronteira me contou sobre uma família que havia chegado recentemente. Eles trouxeram o filho de 8 anos, ferido e com a perna amputada. Sua perna havia sido amputada durante um ataque aéreo. Ele implorou para que eles trouxessem a perna enquanto fugiam, na esperança de que, de alguma forma, pudesse ser recolocada.

Na época, eu esperava que histórias como a dele pudessem forçar os países ricos e poderosos do mundo a intervir para impedir a violência. Mas, agora, quase uma década depois, isso me parece uma metáfora do próprio conflito sírio: a inocência destruída de uma geração de crianças; o dano irreversível infligido a uma sociedade secular e multiétnica; e os anos de pedidos de ajuda que ficaram sem resposta.

Estive na região síria cerca de 10 vezes desde o início do conflito. No começo, as famílias que conheci eram esperançosas. Elas diziam: “Por favor, conte às pessoas o que está acontecendo conosco”, confiando que, uma vez que a verdade viesse à tona, o mundo iria resgatá-las. Mas a esperança se transformou em raiva e na luta pela sobrevivência. Me lembro da raiva do pai que deu seu bebê para eu carregar, perguntando: “Isso é um terrorista? Meu filho é terrorista?” e a dor das famílias que conheci que enfrentavam escolhas diárias sobre quais dos seus filhos iriam receber escassos alimentos e remédios.

Vimos inúmeras imagens de crianças sírias asfixiadas por gás, mutiladas por estilhaços, afogadas nas margens da Europa ou – enquanto escrevo – morrendo de frio na província de Idlib, na Síria. Nada disso foi suficiente para anular a brutal indiferença das forças e interesses concorrentes que contribuem para a destruição da Síria. Longe de curar as feridas da Síria, a resposta de algumas potências externas foi infligir mais ferimentos, sujando suas mãos de sangue no processo. Outros países se concentraram na luta contra o terrorismo ou no esforço de ajuda humanitária, enquanto a própria guerra sangrou cada vez mais ferozmente.

Leis que proíbem a morte de civis, o bombardeio de hospitais e escolas ou estupro em massa; tratados que proíbem o uso de ataques químicos; o pacto de Responsabilidade de Proteger assinado pelos Estados membros da ONU; os poderes do Conselho de Segurança para agir para impedir um conflito – a própria Carta da ONU – estão todos quebrados, não utilizados ou mal utilizados no conflito sírio. Desde 2014, a ONU não consegue contar os mortos na Síria. Alguns estimam que mais de meio milhão de sírios morreram.

Os políticos geralmente sugerem que façamos a escolha entre intervenções militares e diplomáticas sem data de término, do tipo que vimos no Iraque e no Afeganistão e deixando outros países se defenderem, enviando qualquer quantia de ajuda humanitária que estivermos dispostos a fornecer e nos barrando. A Síria é a prova de que a falta de liderança e diplomacia tem consequências.

Isso também levanta questões fundamentais para nós, como americanos: quando deixamos de querer defender os menos favorecidos, os inocentes e os que lutam por seus direitos humanos? E que tipo de país seríamos se abandonássemos esse princípio? Hoje há muita atenção na América sobre autopreservação. Mas a paz é quase sempre lutada com mais força por aqueles que realmente entendem a guerra.

A história mostra que, quando lutamos pela libertação da Europa na Segunda Guerra Mundial, ou contribuímos para a construção da ordem global pós-guerra, fizemos por nossos próprios interesses – e colhemos os benefícios. Quando os Estados Unidos foram atacados em 11 de setembro, muitos países fizeram uma causa comum conosco porque conquistamos a amizade deles.

Estamos assistindo o que resta da brutal da guerra na Síria, como se isso tivesse pouco a ver conosco. Mas tem. Deveríamos usar nosso poder diplomático para insistir em um cessar fogo e uma paz negociada com base em, pelo menos, alguma medida de participação política, responsabilidade e condições para o retorno seguro dos refugiados.

A alternativa é que a Síria seja um novo e famoso ponto de referência para a brutalidade e destruição que é possível infligir impunemente a uma população civil – e cairá sobre os ombros já carregados da próxima geração para reconstruir um sistema internacional destruído.

Fonte: TIME