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Jolie concede entrevista exclusiva à Harper’s Bazaar

6 de novembro de 2019

Nesta terça-feira, dia 05 de Novembro de 2019, a revista norte americana “Harper’s BAZAAR” publicou em seu website oficial uma entrevista exclusiva com nossa musa, Angelina Jolie. A atriz de 44 anos está na capa da edição de Dezembro de 2019 / Janeiro de 2020 da revista que chegará às bancas e lojas virtuais a partir do dia 19 de Novembro. Confira abaixo o artigo traduzido na íntegra pelo Angelina Jolie Brasil.

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Enquanto encerramos 2019 e esperamos 2020, a Harper’s Bazaar escolheu Angelina Jolie para embelezar nossa edição de final de ano porque, simplesmente, não há ninguém como ela. Jolie passou quase 20 anos trabalhando com a Agência da ONU para Refugiados, lutando pelos direitos e liberdades das pessoas desabrigadas e mais de 10 anos financiando escolas para meninas, do Afeganistão ao Quênia e Camboja. Ela é professora visitante na London School of Economics, e ensina estudantes sobre paz, segurança e sobre a luta pelos direitos das mulheres internacionalmente. Ela defende a saúde das mulheres – em particular, o tratamento para o câncer – com honestidade e clareza sobre suas próprias experiências de saúde nos últimos anos.

Aqui, ela escreve abertamente sobre suas “cicatrizes visíveis e invisíveis”, sobre sua luta pela liberdade ao redor do mundo e por que ela não se importa de compartilhar sua nova casa no Camboja com uma família de esquilos.

HB: Reconhecemos nessas fotos seu lado ousado e seu espírito livre que conhecemos desde há muito tempo. Essa é uma caracterização justa?

AJ: Meu corpo passou por muita coisa na última década, principalmente nos últimos quatro anos, e eu tenho as cicatrizes visíveis e invisíveis para mostrar. As invisíveis são mais difíceis de lidar. A vida dá muitas voltas. Às vezes você não está bem, vê aquelas pessoas que você ama sofrendo e, por isso, não pode ser tão livre e aberta quanto seu espírito deseja. Não é questão de ser algo novo ou antigo, mas sinto como se o sangue estivesse retornando ao meu corpo.

HB: Você sente que está se encontrando de novo?

AJ: A parte de nós que é livre, selvagem, aberta e curiosa, pode ser oprimida pela vida. Pela dor ou pelo trauma. Meus filhos conhecem meu verdadeiro eu e me ajudaram a encontrá-lo novamente e a abraçá-lo. Eles passaram por muita coisa. Eu aprendo com a força deles. Como pais, incentivamos nossos filhos a abraçar tudo o que são e tudo o que sabem em seus corações como certo, e eles olham para nós e querem o mesmo.

HB: Como mãe de seis filhos, em um mundo que a mídia social está em um palco público, sob um escrutínio implacável, como você ensina seus filhos a serem corajosos?

AJ: Conhecer o nosso verdadeiro eu é uma pergunta muito importante para todos nós. Especialmente para uma criança. Acho que as crianças precisam ser capazes de dizer: “Esse é quem eu sou e isso é o que eu acredito.” Não podemos impedi-las de sentir dor, mágoa e perda. Mas podemos ensiná-las a lidar melhor com isso.

HB: Como figura pública, como você lida com a frustração de ser constantemente incompreendida? Qual, você acha, que é o maior equívoco sobre você?

AJ: Eu tenho uma tatuagem: “Uma prece para o selvagem coração mantido em gaiolas”. Eu a fiz quanto tinha 20 anos. Estava com minha mãe uma noite e me sentia perdida. Eu me sentia inquieta – sempre. Eu ainda sou. Estávamos indo jantar e ela falou sobre o Tennessee Williams e o quanto ela amava as palavras dele. Ela me disse que ele escreveu isso, sobre o coração selvagem. Dirigimos até um estúdio de tatuagem e eu tatuei a frase no meu braço esquerdo. O que ela fez por mim, naquela noite, foi me lembrar que a natureza dentro de mim é boa e faz parte de mim. Eu vejo tanta beleza nas outras pessoas. Não quando elas estão fingindo ser algo diferente de seus verdadeiros eus. Não quando estão prejudicando os outros. Não quando elas mentem. Mas os selvagens. Os sentimentais, abertos, buscadores, que desejam ser livres. Os honestos. Porque qualquer outra coisa, é uma jaula impossível de se viver.

HB: Esta é a nossa edição de final de ano. Olhando para o futuro em 2020, você tem uma mensagem para nossos leitores?

AJ: Meu sonho para todos em 2020, é lembrar as pessoas sobre quem elas são e a ser quem são, independentemente do que possa estar atrapalhando sua capacidade de ser livre. Se você sentir que não está vivendo sua vida plenamente, tente identificar o que é ou quem está impedindo sua respiração. Identifique e lute contra o que quer que esteja lhe oprimindo. Essas coisas assumem várias formas e será uma luta diferente para cada um. Digo isso com um profundo entendimento de que, para muitas mulheres, a liberdade simplesmente não é uma opção. Seu próprio sistema, comunidade, família e governo trabalham contra elas e tudo isso faz parte daquilo que as silencia. Estou lendo o livro “No Visible Bruises” (Sem Feridas Visíveis, sem tradução oficial), que aponta que entre os anos de 2000 e 2006 mais mulheres americanas morreram por homicídio doméstico do que soldados americanos morreram no campo de guerra. É chocante que, em todo o mundo, o lugar mais perigoso para as mulheres, hoje, é o lar. Ainda existem mais de uma dúzia de países onde a violência contra uma esposa ou membro da família é legal. E mais de 10 países onde os autores de estupro ainda podem escapar da acusação, se casarem com a vítima. E existem mais de 70 milhões de pessoas deslocadas à força em todo o mundo, incluindo quase 26 milhões de refugiados. Nada disso é apenas “do jeito que o mundo é”. É algo monstruosamente desequilibrado. E nossa resposta não pode ser dar de ombros ou pensar apenas em nossos próprios países, porque estamos todos conectados. É hora de lutar. Se houver uma luta nesta vida, deve ser por liberdades e direitos.

HB: Isso soa rebelde.

AJ: Se ninguém nunca se rebelasse, nada mudaria.

HB: Como mulher, o que significa ser verdadeiramente livre? E viver com ousadia?

AJ: Uma vida plenamente vivida é muito difícil de se concretizar. E para muitas mulheres, isso é impossível por causa do que elas estão enfrentando. Todos os dias, tenho consciência de que tenho a liberdade de falar abertamente e de fazer minhas próprias escolhas. E a capacidade de incentivar meus filhos a explorar o mundo, incluindo o mundo das idéias e da expressão, sem que haja limites para o que eles possam estudar, conhecer ou imaginar-se fazendo no futuro. Acho que todos sabemos o que é ousadia quando a vemos. Nada me faz sorrir mais do que quando vejo alguém sendo totalmente ela mesma, com seu próprio estilo e caráter, seja qual for.

HB: Como você gostava de se vestir quando era mais jovem?

AJ: Na escola, eu não era uma pessoa popular, eu era punk. Eu adorava couro, vinil e meia arrastão. Esses eram meus três tecidos favoritos nos meus 20 e poucos anos. Lembro-me da primeira vez que usei calças de vinil. Eu estava esperando para fazer uma audição, sentada sob o sol de Los Angeles. Quando chegou a minha vez, minhas calças grudaram. Eu não consegui o papel. Mas eu amava aquelas calças. Eu usei algo semelhante quando me casei com Jonny [Lee Miller].

HB: As mulheres constantemente se sentem forçadas a viver de acordo com os padrões de “mãe perfeita” e “esposa perfeita”. Você acha que essa ideia de perfeição é perigosa e prejudicial para as mulheres?

AJ: Rotular as pessoas e colocá-las em caixas, não é liberdade. Diferença e diversidade são as coisas que eu mais valorizo – na minha família e nas outras pessoas. Não quero viver em um mundo em que todo mundo é igual e imagino que isso seja verdade para todos que estão lendo isso. Quero conhecer pessoas que nunca conheci antes e aprender coisas que não conheço. O desafio, hoje, é abraçar nossas diferenças. E não ser enganada pelos esforços em nos dividir, ou nos fazer temer os outros. Estamos vendo um recuo nos valores em todo o mundo. Muitos governos estão menos dispostos a defender os tipos de valores que as gerações anteriores lutaram e morreram para garantir. Quando os governos se afastam, as pessoas têm que liderar o caminho, pois estão em diferentes partes do mundo.

HB: Você já se sentiu restringida em sua própria vida?

AJ: Não me imagino desta forma. Na minha juventude, me concentrei naquilo que eu não tinha. Mas, quando viajei com pouco mais de 20 anos, meu despertar foi percebendo as liberdades que possuía em comparação com muitas pessoas ao redor do mundo. Eu vivi uma infância livre de guerra. E desde então, tive a liberdade de construir minha família, criar arte e interpretar os personagens que fiz. É uma das razões pelas quais investi nas escolas para meninas em diferentes países. Ver alguém – mais especificamente uma jovem com tanto potencial – ter sua liberdade negada é algo enfurecedor para mim. Não acho que viveremos em uma nova era pelos direitos das mulheres até que haja progresso. Até que as pessoas que estupraram e abusaram de mulheres e meninas na Síria, Myanmar e na República Democrática do Congo, por exemplo, sejam responsabilizadas. É por isso que o foco da Iniciativa de Prevenção à Violência Sexual é fazer pressão por um mecanismo internacional de responsabilização, um órgão que nos permita superar as barreiras da justiça para que as acusações aconteçam.

HB: Houve algum progresso em Hollywood, em relação ao #MeToo?

AJ: Como todos sabem, o ponto de partida habitual em qualquer situação como essa, é uma investigação independente, que deve ser feita por especialistas que podem analisar os fatos e identificar quais mudanças e proteções legais são necessárias, para que haja uma certa avaliação e responsabilização por especialistas independentes. Isso não aconteceu.

HB: Você construiu uma casa na selva cambojana e se tornou uma cidadã cambojana. Você pode nos contar sobre essa decisão? Quais foram alguns dos maiores desafios? E maiores recompensas?

AJ: Quando você tem uma mente agitada, como eu, você vai a lugares que te acalmam e eu acho isso no deserto ou na selva do Camboja. Quando fui ao Camboja, pensei que as pessoas ficariam endurecidas por terem sofrido tanta guerra e sofrimento. Mas, na verdade, foi o contrário. Eu os achei cheios de graça, luta e vida. É uma casa e uma sede para minha fundação. Havia desafios físicos, no entanto. Tivemos que eliminar quase 50 minas terrestres antes de podermos morar lá.

HB: Você viajou pelo mundo como atriz e Enviada Especial das Nações Unidas. Qual é o seu lugar favorito?

AJ: Meu lugar favorito é um lugar que nunca estive. Eu gosto de ser jogada no meio de algo novo. Eu gosto de estar fora do meu elemento. Quero que as crianças cresçam no mundo – não apenas aprendendo, mas vivendo e tendo amigos em todo o mundo. No próximo ano, iremos inaugurar uma casa na África.

HB: Você vai voltar para o Camboja em breve?

AJ: Recebemos um telefonema outro dia informando que esquilos se mudaram para dentro de casa. Eles perguntaram se deveriam removê-los e Vivienne deixou bem claro que precisávamos cobrir os fios e deixá-los ficar. No entanto, as cobras locais podem ter suas próprias opiniões sobre isso. A última vez que fiquei lá, ouvi gritos no corredor porque um amigo havia encontrado um lagarto gigante debaixo do travesseiro. Claramente, os animais estão lá mais do que eu, e eles sentem que é a casa deles.

HB: Você fala sobre querer incentivar seus filhos a explorar o mundo, incluindo o mundo das idéias e da expressão. Você pode dar um exemplo específico de um momento em que você e sua família se confrontaram pessoalmente com esses tipos de limites sociais não mencionados?

AJ: Eu adoraria morar no exterior e o farei assim que meus filhos tiverem 18 anos. Agora, eu estou tendo que ficar onde o pai deles escolhe morar.

HB: Você diz que quer liberdade para os outros. O que você quer dizer?

AJ: Sim e não apenas para aqueles que são oprimidos ou vivem com direitos limitados. Costumo perguntar as pessoas: “O que você sempre quis fazer?” Noventa por cento das vezes é uma meta alcançável e algo que elas admitem que já poderiam ter feito. Acho que o desafio é se perguntar o que você sempre quis fazer e, então, fazer isso. Não fique confortável com o que geralmente é aceito, mas encontre algo novo. Encontre seu oxigênio, sua originalidade, sua própria voz. Viva mais plenamente. Rebele-se. Resista. Questione. Seja curioso. Explore. Vá para além daquilo que é confortável para você. Diga o que você tem medo de dizer. Largue esta revista e faça hoje uma coisa que você nunca fez antes.

Fonte: Harper’s BAZAAR

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