Jolie fala sobre o câncer em novo artigo para a Time
27 de outubro de 2019
Por Angelina Jolie
Eu perdi minha avó e minha mãe para o câncer de mama. Lembro-me de uma vez, de estar segurando a mão da minha mãe enquanto ela fazia quimioterapia, quando ela começou a ficar roxa e eu tive que correr para chamar a enfermeira. Agora, existem novas maneiras de identificar qual medicamento quimioterápico é melhor para cada paciente, resultando na diminuição dos horríveis efeitos colaterais. Diminuição. Muitas vezes ainda é muito difícil para o corpo.
Minha mãe lutou contra o câncer por quase uma década. Enquanto eu estava no corredor do hospital esperando o corpo da minha mãe ser liberado e ser levado para ser cremado, sua médica me disse que ela havia prometido a minha mãe, que iria garantir que eu fosse informada sobre minhas opções médicas. Anos depois, pude fazer um teste genético que revelou que eu possuía um gene, o chamado BRCA1, que me predispõe ao câncer. O teste chegou tarde demais para as outras mulheres da minha família.
As mulheres, normalmente, têm o risco de 13% de desenvolver câncer de mama ao longo da vida. Eu tinha um risco estimado de 87% de desenvolver a doença e um risco de 50% de desenvolver câncer de ovário. Por causa do meu alto risco, os especialistas me recomendaram cirurgias preventivas. Fiz uma dupla mastectomia e depois removi meus ovários e minhas trompas de Falópio, reduzindo, significativamente, embora não removendo por completo, o risco de desenvolver câncer.
Nos anos que se seguiram às minhas cirurgias, houve mais progressos. Tecnologia e ciência estão convergindo de uma forma que levarão as descobertas para as clínicas – e para nossas casas – no ritmo mais rápido em toda história humana. Os testes genéticos tornaram-se mais acessíveis e mais baratos, embora ainda não sejam assim para todos.
Os avanços na área da imunoterapia mostram que agora existem tratamentos direcionados, como os inibidores do ponto de verificação, que ajudam a bloquear a “capa da invisibilidade” que as células cancerígenas possuem, para evitar ataques imunológicos. Os inibidores de PARP, quando usados em combinação com a imunoterapia, podem melhorar as chances de sobrevivência de pacientes com câncer de mama e ovário.
Em uma recente visita ao Instituto Curie, principal hospital de câncer e centro de pesquisa da França, eu conheci alguns médicos e cientistas que estão trabalhando para desenvolver novos tratamentos, o que significa que mais pessoas sobreviverão ao câncer no futuro e poderão viver uma vida melhor durante a doença.
Uma artista amiga minha, sobreviveu recentemente ao câncer de mama. Ela não tinha histórico familiar da doença, mas desenvolveu-a aos 30 anos. Ela pesquisou sobre todos os últimos avanços e procedimentos. Ela escolheu fazer uma mastectomia, removendo a mama e o mamilo. Ela congelou seus óvulos antes de passar pela quimioterapia e depois passou por uma cirurgia de reconstrução. Ela documentou seu tratamento através de sua arte, encontrando uma saída criativa para interpretar sua experiência e compartilhá-la com outras pessoas.
Mas enquanto histórias como essas devem nos dar esperança, ainda temos um longo caminho a percorrer. Atualmente, não há um teste de triagem confiável para o câncer de ovário ou de próstata, por exemplo, e nenhum tratamento direcionado eficaz para as formas mais agressivas do câncer de mama, conhecidas como o câncer triplo negativo.
O que eu compreendi, após refletir sobre minhas próprias experiências e as de outras pessoas que conheci, é que, embora devamos continuar pressionando pelo avanço, os cuidados não se resumem apenas a tratamentos médicos. Trata-se também sobre segurança, dignidade e apoio oferecidos às mulheres, estejam elas lutando contra o câncer ou tentando gerenciar outras situações estressantes. E com muita frequência, elas não recebem o suficiente.
Muitas vezes me perguntam como minhas escolhas médicas e, por falar publicamente sobre elas, me afetaram. Simplesmente sinto que fiz escolhas para melhorar minhas chances de estar aqui, para ver meus filhos crescerem e se tornarem adultos e para poder conhecer meus netos.
Minha esperança é a de estar o máximo de anos que eu puder na vida deles e estar aqui para eles. Agora, eu vivi mais de uma década sem uma mãe. Ela conheceu apenas alguns de seus netos e muitas vezes estava doente demais para brincar com eles. É difícil para mim, considerar que qualquer coisa nesta vida é divinamente guiada, quando penso em quanto as vidas dos meus filhos teriam sido beneficiadas se tivessem vivido um tempo ao lado dela, com a proteção de seu amor e de sua graça. Minha mãe lutou contra a doença por uma década e chegou aos 50 anos. Minha avó morreu aos 40. Espero que minhas escolhas me permitam viver um pouco mais.
Eu uso um adesivo para hormônios e preciso fazer exames de saúde regularmente. Vejo e sinto mudanças no meu corpo, mas não me importo. Estou viva e, por enquanto, estou gerenciando todos os diferentes problemas que herdei. Sinto-me mais conectada com outras mulheres e, muitas vezes, tenho conversas profundamente pessoais com pessoas que mal conheço sobre saúde e família.
As pessoas também perguntam como me sinto sobre as cicatrizes físicas que carrego. Acho que nossas cicatrizes nos lembram sobre o que vencemos. Elas fazem parte das características que tornam cada um de nós único. Essa diversidade é uma das coisas mais bonitas da existência humana. As cicatrizes mais difíceis de suportar são muitas vezes invisíveis, as cicatrizes na mente. Todos os pacientes que conheci no Instituto Curie disseram que o cuidado e apoio de seus entes queridos eram os fatores mais importantes com relação às suas capacidades de lidar com a doença. E aqui a imagem é globalmente preocupante, principalmente para as mulheres.
As mulheres são o maior grupo de pessoas afetadas pelo transtorno de estresse pós traumático de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS). A depressão unipolar é duas vezes mais comum em mulheres do que em homens em todo o mundo. Mais mulheres que homens são afetadas por ansiedade, sofrimento psicológico, violência sexual e violência doméstica. E mais da metade das mulheres mortas em todo o mundo, morreu nas mãos de um parceiro ou de um membro da família, de acordo com as últimas estatísticas. Os fatores responsáveis pela falta de saúde mental das mulheres, de acordo com a OMS, incluem discriminação, excesso de trabalho, pobreza, desnutrição, baixo status social e responsabilidade incessante pelos cuidados de outras pessoas.
Por isso, eu aprendi que, quando se trata da saúde das mulheres, os avanços médicos são apenas uma parte do problema. A saúde mental, emocional e a segurança física são igualmente importantes. Sem isso, pode haver uma falsa sensação de que uma mulher está sendo cuidada quando, na verdade, ela está desmoronando por causa das outras pressões em sua vida que não recebem nenhuma atenção. Agora, eu entendo que, muitas vezes, nos concentramos no câncer ou em uma doença específica, que afeta uma mulher em particular, mas perdemos o diagnóstico maior: sua situação familiar, sua segurança e se ela está sofrendo um estresse que prejudica sua saúde e dificulta seus dias.
Nenhuma pessoa deve sentir um nível de preocupação e pressão tão intenso que afete sua saúde. Mas muitas sentem. E alguém não deve chegar a adoecer para percebermos que é necessário cuidar delas e não prejudicá-las.
Minha mãe parecia estar tranquila quando soube que tinha câncer. Agora vejo que, em parte, era porque, depois de muitos anos de estresse e luta, as pessoas eram forçadas a ser gentis. Durante os anos mais altos de estresse em minha própria vida, eu desenvolvi pressão alta e precisei receber tratamento por hipertensão.
Quando falamos de igualdade para as mulheres, geralmente é sobre os direitos retidos que devem ser dados a nós coletivamente. Cada vez mais, vejo isso em termos de comportamento que precisam parar. Pare de fechar os olhos ao abuso sofridos pelas mulheres. Pare de bloquear a capacidade das meninas de obter educação ou de acessar os serviços de saúde. Pare de forçá-las a se casar com uma pessoa que você escolheu para ela, principalmente quando ainda são crianças. Ajude as meninas a conhecer seu valor. Ajude as mulheres que você conhece a se sentirem seguras. E antes que uma mulher esteja no hospital, morrendo, e essa realidade seja escrita em uma folha de diagnóstico, olhe nos olhos dela e avalie a vida que ela está vivendo e como ela pode ser menos estressante.
Todas as descobertas médicas que prolongam nossas vidas são bem vindas. Mas os corpos que esperamos curar também precisam ser respeitados e poupados a danos evitáveis. Somente se nos sentirmos seguros e cuidados, é que algum de nós poderá alcançar todo o seu potencial.
Jolie, editora colaboradora da TIME, é atriz ganhadora do Oscar e Enviada Especial do Alto Comissariado da ONU para Refugiados.
Fonte: TIME
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