Jolie aborda as mudanças climáticas em artigo para a Time
12 de setembro de 2019
Por Angelina Jolie
A sofisticação tecnológica da vida moderna mascara uma realidade simples: todos nós precisamos de oxigênio, água e comida para sobreviver. Mas a divisão existente entre aqueles que possuem os recursos necessários para viver e aqueles que não possuem, apenas continua a crescer. E com o crescente espectro das mudanças climáticas, as pessoas que vivem em regiões vulneráveis como a Oceania – países e territórios localizados no sudoeste do Oceano Pacífico – enfrentam a perda de seus meios de subsistência, lares e futuro.
Vinte e quatro milhões de pessoas no mundo são deslocadas em seus países a cada ano, em média, devido a causas relacionadas ao clima e a desastres naturais, e isso só está piorando: a probabilidade de qualquer um de nós sermos deslocados dessa maneira hoje é o dobro da década de 1970. Isso vem acima dos níveis sem precedentes de deslocamento forçado em todo o mundo por causa de conflitos e perseguições.
Se não forem controladas, as mudanças climáticas e a degradação ambiental têm o potencial de agravar o deslocamento global pior do que tudo o que humanidade já experimentou, com países de baixa renda e estados frágeis destinados a suportar o peso do impacto. De acordo com o Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas, um aumento do nível do mar em 1 metro pode fazer com que Bangladesh perca cerca de 17,5% de suas terras. Um aumento semelhante no nível do mar pode colocar 3 milhões de pessoas no norte da Nigéria em risco de deslocamento. Como estamos nos preparando para isso? Melhor ainda, como estamos trabalhando para evitar que isso aconteça?
Mais de 40 milhões de pessoas vivem na Oceania. Em 2018, a região – que abrange a Austrália e as ilhas que compõem Micronésia, Polinésia e Melanésia – teve seu terceiro ano mais quente já registrado. Muitas das ilhas que compõem esta região são particularmente vulneráveis ??ao aumento da temperatura e do nível do mar, duas das muitas consequências das mudanças climáticas. Se esses lugares se perderem nas águas ou se tornarem inabitáveis, a humanidade perderá muito: vida selvagem, recursos naturais, culturas, idiomas e valores únicos. Mas as pessoas que moram lá vão perder tudo.
Através das minhas experiências de me reunir com refugiados ao redor todo o mundo, sei que sempre que as pessoas são deslocadas, seu primeiro instinto é procurar uma solução local prática dentro de seu próprio país. Somente quando isso não é sustentável é que essas pessoas geralmente atravessam uma fronteira. E mesmo assim, elas tendem a permanecer em sua região.
Cerca de 80% de todos os refugiados – pessoas que fugiram de conflitos ou perseguições em seus países – vivem em nações vizinhas de suas nações de origem. Menos de 1% dos refugiados são permanentemente reassentados em países estrangeiros.
A maioria dos refugiados que encontrei, quer voltar para casa e retomar suas vidas. Mas e se não houver mais um lar para o qual voltar? E se sua casa estiver embaixo d’água? Se a ilha onde sua família e seu povo vivem há séculos, afundou nos oceanos em ascensão? A quem você vai pedir ajuda? O que acontece com sua cultura, seu sustento, sua cidadania e a existência contínua de seu país como um Estado nação?
Estamos em um momento único da história. À medida que os desertos avançam, florestas são derrubadas, o nível do mar aumenta e os eventos climáticos extremos se tornam mais frequentes e mais destrutivos, temos uma pequena janela para identificar o perigo e trabalhar para levar a ordem ao caos. Existe muitas coisas que podem ser feitas para evitar ou ajudar a mitigar os piores cenários: reduzir as emissões e ajudar os países a se adaptarem ou se prepararem para que as pessoas não sejam obrigadas a deixar suas casas por causa de desastres repentinos ou crises climáticas de início lento.
Os Estados Unidos devem ter um interesse vital em ajudar a desenvolver soluções. Nossa segurança é afetada pela instabilidade global. E investimos por gerações no desenvolvimento das nações mais pobres. Em vez disso, os EUA declararam sua intenção de se retirar do Acordo de Paris – provavelmente nos negando um assento na mesa para influenciar e contribuir para as decisões internacionais sobre essas questões.
E em muitos países, os compromissos de longa data, feitos com os direitos legais e com a proteção dos refugiados, estão sendo questionados. Os efeitos das mudanças climáticas interagem cada vez mais com os fatores de conflito, agravando as situações de refugiados em países como Chade, Sudão e Somália. Em tais situações, podem ser aplicadas as estruturas do direito dos refugiados. Mas ignorar nossas responsabilidades legais em relação aos refugiados apenas aprofundará o sofrimento humano e aumentará o deslocamento global. O novo Pacto Global sobre Refugiados, adotado este ano pela Assembléia Geral da ONU, apresenta novos acordos internacionais para compartilhar a responsabilidade pelos refugiados.
A cooperação internacional também será fundamental para prevenir, mitigar e resolver os deslocamentos relacionados ao clima. Muitas pessoas deslocadas pelas mudanças climáticas não se qualificam como refugiados, mas a forma como são tratadas afetará a estabilidade futura do mundo.
Tuvalu pediu uma resolução da ONU que crie uma estrutura legal buscando proteger os direitos humanos e a vida dos migrantes deslocados pelas mudanças climáticas. Em uma reunião no país neste verão, líderes de várias ilhas do Pacífico reafirmaram seu compromisso com a implementação do Acordo de Paris e pediram à comunidade internacional para tomar medidas urgentes com a intenção de manter o aquecimento abaixo de 1,5 ° C.
Essas nações vêem as mudanças climáticas como a maior ameaça às suas populações. A mensagem urgente de nossas nações mais vulneráveis deve inspirar o resto do mundo a agir. A Declaração Universal dos Direitos Humanos – a base do direito internacional dos direitos humanos – deixa claro que os direitos do cidadão de um pequeno estado insular ou de um pastor de uma região afetada pela seca na África têm uma classificação igual à sua ou à minha. No entanto, na prática, isso não acontece. É uma forma de discriminação tão profundamente conectada ao nosso mundo que não temos consciência disso.
Já nós, na América, não enfrentamos a perspectiva iminente de que toda a nossa pátria e toda a nossa cultura se afogará em mares revoltos, diferentemente dos muitos jovens da cultura Pasifika, ou dos ilhéus do Pacífico. Nosso país tem uma voz muito maior nas decisões que afetam o futuro do meio ambiente, do que as pessoas que já encaram isso como uma questão existencial. Visto sob esse prisma, permanecer à margem dos esforços globais não é uma posição moralmente neutra: afetará negativamente a vida de milhões de pessoas.
Uma nação que se preocupa apenas consigo mesma, não é um país de liderança. Como americanos, raramente tememos exercer nossa influência nas questões globais que afetam a paz e a segurança do mundo, bem como nossa própria prosperidade. Com relação às mudanças climáticas, não deve ser diferente. No passado, a América era um país definido pela visão. Essa ainda deve ser nosso maior qualidade.
Jolie, editora colaboradora da TIME, é atriz ganhadora do Oscar e Enviada Especial do Alto Comissariado da ONU para Refugiados.
Fonte: TIME
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