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Angelina Jolie: O que nós devemos aos refugiados

20 de junho de 2019

O primeiro artigo escrito por Angelina Jolie como editora colaboradora da renomada revista “TIME” foi publicado nesta quarta-feira (19), para coincidir com o Dia Mundial do Refugiado, que é comemorado no dia 20 de Junho.

O artigo será publicado na edição do dia 1º de Julho de 2019 da revista, que estará disponível para compra a partir desta sexta-feira (21). No entanto, o artigo já foi traduzido para o português pelo Angelina Jolie Brasil e já pode ser lido abaixo. Confira:

O que vem na mente quando você imagina um refugiado? Você, provavelmente, não imagina um europeu. Mas, se você fosse filho da Segunda Guerra Mundial e perguntasse aos seus pais o que era um refugiado, eles provavelmente teriam descrito alguém da Europa.

Mais de 40 milhões de europeus foram deslocados pela guerra. A Agência de Refugiados da ONU foi criada para eles. Nós esquecemos disso. Alguns dos líderes que proferem a mais dura retórica contra os refugiados hoje, traçam suas rotas de volta aos países que passaram por trágicas experiências de refugiados e que foram ajudados pela comunidade internacional.

Ao primeiro sinal de conflito armado ou de perseguição, a resposta humana natural é de tentar tirar suas crianças da linha de perigo. Ameaçadas por bombas, estupros em massa e esquadrões de assassinos, as pessoas juntam o pouco que podem carregar e buscam segurança. Os refugiados são pessoas que escolheram deixar um conflito. Eles impulsionam a si mesmos e suas famílias através da guerra e, frequentemente, ajudam a reconstruir seus países. Essas são qualidades a serem admiradas.

Por que, então, a palavra “refugiado” adquiriu conotações tão negativas em nossos tempos? Por que os políticos são eleitos por fazerem promessas de fechar as fronteiras e recusar a entrada de refugiados?

Hoje, a distinção entre refugiados e migrantes tem sido turva e politizada. Os refugiados foram forçados e fugir de seus países por conta da perseguição, da guerra ou da violência. Migrantes optaram por se mudar, principalmente, para melhorar suas vidas. Alguns líderes políticos, deliberadamente, usam os termos “refugiado” e “migrante” de forma intercambiável, usando uma retórica hostil que eleva o medo contra todos os estrangeiros.

Todos merecem dignidade e tratamento justo, mas nós precisamos ser claros sobre esta distinção. Sob as leis do direito internacional, não é uma opção ajudarmos os refugiados, é uma obrigação. É perfeitamente possível garantir um forte e justo controle das fronteiras e políticas de imigração mais humanas, enquanto cumprimos com nossa responsabilidade de ajudar os refugiados. Mais da metade dos refugiados em todo o mundo são crianças, sendo que 4 de 5 delas vivem em um país que faz fronteira com conflitos ou com crises das quais elas fugiram. Menos de 1% dos refugiados são permanentemente reassentados, inclusive nos países ocidentais.

A generosidade norte americana significa que nosso país é o que mais ajuda em todo o mundo. Mas considere o Líbano, por exemplo, onde 1 de cada 6 pessoas é um refugiado. Ou a Uganda, onde 1/3 da população vive em extrema pobreza, compartilhando seus escassos recursos com mais de 1 milhão de refugiados. Em todo o mundo, os países que menos tem estão fazendo o máximo.

Quando eu comecei a trabalhar com a Agência de Refugiados das Nações Unidas, ou com o Alto Comissariado da ONU para os Refugiados (UNHCR / ACNUR), há 18 anos, havia cerca de 40 milhões de pessoas deslocadas à força em todo o mundo e esperávamos que o número fosse diminuir. De acordo com o último relatório de tendências globais do UNHCR, o número de pessoas deslocadas forçadas hoje, é de mais de 70 milhões e este número está aumentando rapidamente. De Mianmar ao Sudão do Sul, não estamos conseguindo resolver os conflitos de uma forma que permita que as pessoas voltem para a casa. E esperamos que a ONU lide, de alguma forma, com este resultante caos humanos.

Na primeira sessão da Assembleia Geral da ONU, em 1946, o Presidente Truman impôs aos estados membros, a principal responsabilidade de criar paz e segurança. Ele disse que a ONU “não pode cumprir adequadamente suas próprias responsabilidades até que os acordos de paz tenham sido estabelecidos, a menos que esses assentamentos formem uma base sólida sobre a qual possamos construir uma paz permanente”.

Mas a triste verdade é que os estados membros aplicam as ferramentas e os padrões da ONU de forma seletiva. O estados, frequentemente, colocam os interesses comerciais e os de negócios, à frente das vidas de pessoas inocentes que foram afetadas por conflitos. Ficamos cansados ou desiludidos e afastamos nossos esforços diplomáticos dos países antes que eles consigam se estabilizar. Nós procuramos acordos de paz, como no Afeganistão, que não possui direitos humanos em seu núcleo. Nós mal reconhecemos o impacto da mudança climática como um fator importante nos conflitos e no deslocamento.

Nós usamos a ajuda como um substituto para a diplomacia. Mas não se pode resolver uma guerra com ajuda humanitária. Particularmente, quando os poucos apelos humanitários são feitos, em qualquer parte do mundo, apenas 50% deles são financiados. A ONU recebeu apenas 21% dos fundos necessários de 2019, para ajudar a Síria. Na Líbia, o número é de 15%.

A taxa de deslocamento, no ano passado, foi o equivalente a 37.000 pessoas forçadas a deixar suas casas por dia. Imagine tentar organizar uma resposta para esse nível de desespero sem os fundos necessários para ajudar nem a metade dessas pessoas.

Como comemoramos o Dia Mundial do Refugiado no dia 20 de Junho, é uma ilusão pensar que qualquer país pode se fechar para trás de suas fronteiras e esperar que o problema desapareça. Precisamos de liderança e de uma diplomacia efetiva. Nós precisamos nos concentrar, a longo prazo, baseados na justiça, nos direitos e na responsabilidade de permitir que os refugiados retornem para suas casas.

Esta não é uma abordagem suave. É o curso de ação mais difícil, mas é o único que fará diferença. A distância entre nós e os refugiados do passado é mais curta do que pensamos.

Jolie, editora colaboradora da revista Time, atriz ganhadora do Oscar e Enviada Especial do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados.

Fonte: TIME