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Jolie escreve artigo para o The Washington Post

30 de abril de 2019

Na semana passada, o site oficial do jornal norte americano “The Washington Post” compartilhou um artigo escrito pela Enviada Especial do Alto Comissariado da ONU para os Refugiados (UNHCR/ACNUR), Angelina Jolie, e pelo político alemão Heiko Maas, sobre a violência sexual em zonas de conflitos. Confira a matéria abaixo, traduzida na íntegra pelo Angelina Jolie Brasil:

Por mais de 70 anos, restringir a agressão armada e melhorar os direitos e liberdade para todos os povos, têm sido responsabilidades aceitas como comuns pela maioria dos países. O foco principal disso é a ideia de que aqueles que praticam crimes de guerra e crimes contra a humanidade são considerados responsáveis – como pré-condição para a paz, como restituição moral para os sobreviventes e para deter os futuros agressores.

Nas últimas duas décadas, uma medida de justiça – embora imperfeita – foi prestada a alguns dos responsáveis pelo genocídio e pela limpeza étnica, inclusive no Camboja, na ex-Iugoslávia e em Ruanda. Longe de uma admissão de fraqueza, isso era uma expressão de força: mostrava nossa determinação e capacidade de isolar e, finalmente, punir aqueles que violavam o direito internacional e os direitos de seus cidadãos.

Mas hoje, décadas de progresso gradual na expansão dos direitos humanos e na consolidação do direito internacional estão ameaçados por uma onda crescente de intolerância e um compromisso enfraquecido com os direitos humanos.

Em particular, à medida que aumentam as vozes de intolerância, a espera pela igualdade de gênero está crescendo. Os direitos das mulheres estão novamente sendo questionados e as demandas por saúde, direitos sexuais e direitos reprodutivos são atendidas em alguns setores com nítida hostilidade. Os riscos para os defensores dos direitos humanos aumentaram. E não conseguimos responsabilizar os planejadores de atrocidades em massa na Síria e em Myanmar.

Em nenhum lugar esse recuo foi mais visível do que em guerras e situações pós-conflito. Estupro e outras formas de violência sexual são usadas como uma tática de guerra e terrorismo em conflitos em todo o mundo. Embora tenhamos visto os primeiros julgamentos internacionais focados em acusações de estupro e uma série de compromissos internacionais – como o compromisso de não incluir anistia por estupro em acordos de paz e maior esforço para melhorar o treinamento de militares e de forças de paz – a impunidade ainda é a norma.

Essa impunidade tem consequências devastadoras. O vencedor do Prêmio Nobel da Paz, Denis Mukwege, que discursará no Conselho de Segurança da ONU esta semana, fala sobre tratar em sua clínica no Congo, três gerações da mesma família que foram brutalmente estupradas: uma mãe, sua filha e sua neta pequena. Nós dois nos encontramos com sobreviventes em países como o Iraque, Bósnia e Serra Leoa, que nos pediram para ajudar a superar a falta de responsabilização criminal que contribui para a prevalência contínua de violência sexual.

Quando nos encontramos em Nova York há algumas semanas, antes do debate aberto de alto nível nas Nações Unidas, marcado para esta terça-feira, concordamos que três áreas precisam de atenção urgente, construindo o trabalho já realizado através da Iniciativa de Prevenção da Violência Sexual em Conflitos.

Primeiro, queremos garantir que os perpetradores de violência sexual sejam responsabilizados. Nós nos levantaremos contra todas as tentativas de enfraquecer os sistemas de justiça criminal internacional, que desempenham um papel essencial quando os governos são incapazes ou não estão dispostos a fornecer justiça para os mais graves crimes de guerra.

Crucialmente, trabalharemos com países e organizações afins para fortalecer a capacidade da comunidade internacional, de reunir evidências desses crimes e apoiar os mecanismos de investigação das Nações Unidas. Em 2014, o procurador geral da Alemanha iniciou uma investigação sobre crimes de guerra e crimes contra a humanidade cometidos pelo chamado Estado Islâmico no Iraque e na Síria. Esses julgamentos levaram ao que se acredita ser o primeiro mandado de prisão internacional de um torturador de mulheres yazidis em qualquer parte do mundo, e à classificação desses atos como genocídio. Outros devem seguir esse exemplo.

Em segundo lugar, precisamos de um monitoramento melhor. Resoluções do Conselho de Segurança da ONU permanecem meros pedaços de papel se não garantirmos o cumprimento. Muitas partes em conflito listadas pelo secretário geral das Nações Unidas, por cometer estupro ou outras formas de violência sexual em conflito, desconsideram completamente suas obrigações. Essa lacuna deve ser fechada. A Alemanha está propondo o fortalecimento dos canais por meio dos quais as informações sobre não conformidade chegam ao Conselho de Segurança e seus comitês de sanção, revigorando o trabalho do grupo de trabalho informal do Conselho de Segurança.

Finalmente, devemos aumentar o apoio aos sobreviventes de violência sexual e garantir que suas vozes estejam no centro de nossa resposta. Uma abordagem centrada no sobrevivente deve incluir vítimas que são frequentemente ignoradas, incluindo meninos ou homens e crianças nascidas de estupro. Todas as vítimas merecem pleno acesso à justiça, compensação e apoio financeiro para levar uma vida digna e poder desempenhar seu papel na mudança de suas sociedades.

Como atual presidente do Conselho de Segurança, a Alemanha está propondo uma resolução que aborda essas três preocupações, pedindo sanções direcionadas a quem perpetrar e dirigir a violência, ancorando o tópico em um grupo de trabalho informal e estabelecendo uma abordagem inclusiva e centrada na sobrevivência. Adotar seria um passo muito necessário para acabar com a impunidade por violência sexual em conflitos. Ele também enviaria uma mensagem importante àqueles que tentam reverter os direitos humanos: não aceitamos o progresso como garantido. E vamos lutar para mantê-lo vivo.

Tradução por Guilherme L.

Fonte: The Washington Post