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Angelina Jolie escreve artigo para a revista Time

11 de abril de 2019

Nesta quarta-feira, dia 10 de Abril de 2019, a revista Time publicou em seu website oficial um artigo exclusivo escrito por Angelina Jolie. O texto aborda as recentes reuniões dos Estados Unidos com o talibã. Confira a tradução:

Quando o talibã tomou o poder em 1996, uma guerra foi travada com as mulheres afegãs. A educação das meninas foi banida. As mulheres passaram a ficar confinadas em suas casas sendo negado a elas o direito de trabalhar. Elas foram açoitadas, espancadas, mutiladas e apedrejadas até a morte por suposta imoralidade. Esta não é uma história antiga. Essas são memorias vivas de milhões de afegãos. Os afegãos se tornaram uma preocupação atual enquanto representantes dos Estados Unidos negociam com o talibã, um acordo que poderia levá-lo a uma posição de poder e influência no Afeganistão.

Depois que os Estados Unidos e seus aliados invadiram o Afeganistão no ano de 2001, acabar com a opressão das mulheres pelo talibã era algo frequentemente descrito como um objetivo de grande importância que perdia apenas para a meta de erradicar os paraísos terroristas. Hoje, quase um terço do parlamento afegão e do funcionalismo público é formado por mulheres. As mulheres afegãs são professoras, artistas, jornalistas, advogadas e juízas; elas ainda servem a força policial nacional e militar. Nos Estados Unidos, a Embaixadora do Afeganistão é uma mulher. Esse progresso é inspirador, mas frágil: mulheres e meninas ainda enfrentam rotineiramente discriminação e violência.

Enquanto ninguém duvida da necessidade de paz, as mulheres afegãs querem saber que não serão traídas e que seus direitos não serão prejudicados por essas negociações. Não haverá estabilidade se um acordo de paz inaugurar uma nova era de injustiça e opressão com relação às mulheres. Seria um resultado trágico depois de quase 40 anos de conflito no país.

As mulheres, que tem mais a perder se o talibã voltar ao poder, atualmente tem o menor poder de palavra no processo. À medida que as negociões continuam, e uma delegação do governo afegão se reúne com membros do talibã, certas medidas são urgentemente necessárias.

Primeiro, as mulheres afegãs devem ser capazes de falar por si mesmas. Isso significa incluir mulheres na negociação em números significativos como parte de qualquer delegação do governo afegão e garantir a participação formal de grupos de mulheres que representam a sociedade civil. O Qatar, como anfitrião do acordo intra-afegão, deve convidar esses grupos a participar como delegados plenos. Todo mundo sabe a diferença entre tokenismo e inclusão.

Segundo, os direitos e as preocupações das mulheres devem estar na agenda formal e não serem relegados a eventos paralelos ou assumidos individualmente por mulheres delegadas. As mulheres devem ter papeis de liderança durante o desenvolvimento e implementação de qualquer acordo e devem ser consultadas sobre todos os aspectos a respeito do futuro do país – e não apenas sobre “questões das mulheres”.

Terceiro, os Estados Unidos possuem uma posição de poder no processo de paz e as mulheres afegãs procuram por nós para que levemos nossa influência diplomática para defender seus direitos, ao lado de seu próprio governo. Se nós não fizermos isso é quase uma conclusão inevitável de que elas serão marginalizadas. Os Estados Unidos – e as outras nações que lutaram ao seu lado no Afeganistão – devem ser inflexíveis ao afirmar que não apoiarão qualquer acordo de paz que corroa os direitos das mulheres e que manterá todas as partes envolvidas nos compromissos assumidos. As mulheres afegãs não devem ser deixadas sozinhas para defender seus direitos perante uma organização que, tradicionalmente, as trata como seres inferiores.

Aqueles que se opõem à igualdade de direitos para as mulheres no Afeganistão podem alegar que isso é uma imposição ocidental. Mas as mulheres ganharam direito de voto no Afeganistão no ano de 1919, um ano antes das mulheres conseguirem o mesmo nos Estados Unidos e antes da constituição afegã de 1960 garantir a igualdade. Eu também conheci muitos refugiados afegãos que eram pais e que enfrentaram intimidação e violência por apoiar os direitos de suas filhas à educação.

Essas negociações de paz baseiam-se na esperança de que o talibã tenha mudado e se comprometido. Sua posição sobre os direito das mulheres e sobre a participação delas nessa negociação é um teste fundamental de suas intenções. Aceitar como irreversível o progresso feito pelas mulheres afegãs é o padrão a que devem se submeter. A guerra no Afeganistão tem sido a questão definidora da política externa de nossa geração. Depois de todos os sacrifícios feitos, devemos procurar acabar com o conflito nos termos corretos. Precisamos de uma paz que seja construída em cima dos direitos humanos para que assim ela possa durar.

Angelina Jolie é uma atriz ganhadora do Oscar, Enviada Especial do Alto Comissariado da ONU para os Refugiados (UNHCR/ACNUR) e co-fundadora da Iniciativa de Prevenção à Violência Sexual em Conflitos.

Fonte: Time