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Jolie escreve artigo sobre refugiados para a CNN

29 de agosto de 2018

Famílias refugiadas sofrem inumeráveis formas de angústia física e mental, incluindo a dor de serem incapazes de prover ao seus filhos comida quando estão com fome ou remédios quando estão doentes ou feridos. Mas eu também vi o quanto isso pesa sobre os pais refugiados quando eles são incapazes de mandar seus filhos para a escola, sabendo que a cada ano que passa, suas perspectivas de vida estão diminuindo e sua vulnerabilidade aumentando.

Em um novo relatório, a ACNUR (UNHCR), a Agência de Refugiados da ONU, adverte que um número crescente de crianças refugiadas não está recebendo educação. Embora as implicações sejam graves, nossa resposta não deve ser o desespero, mas sim a oportunidade.

A crise global de refugiados é um grande desafio para a nossa geração. Mas a tarefa não é impossível. Os próprios refugiados não estão esperando passivamente por ajuda, mas estão ativamente procurando maneiras de fazer parte da recuperação de seus países. A educação é a chave para ajudá-los a fazer isso.

As vidas contrastantes de duas garotas sírias que conheci me fizeram vivenciar isso vividamente.

A primeira foi uma jovem que chegou ao Líbano com seus cinco irmãos quando tinha 11 anos. Sua mãe foi morta em um ataque aéreo e as crianças foram separadas de seu pai. Não havia pais para colocar comida na mesa, então ela passava seus dias coletando lixo para vender por quantias minúsculas de dinheiro e fazendo o trabalho de buscar água e cozinhar e limpar para que seus irmãos pudessem ir para a escola. Ela teve que deixar de lado o sonho de se tornar médica e aos 14 anos se casou e se tornou mãe. Hoje ainda não sabe ler nem escrever. Mesmo que a guerra termine amanhã, ela teve sua infância roubada e o que poderia ter sido do seu futuro.

A segunda menina síria que eu penso enquanto escrevo esta matéria tinha 16 anos quando fugiu com a família da Síria para o Iraque. Sua vida no árido acampamento foi extremamente difícil, mas ela conseguiu se matricular em uma escola local. As autoridades de educação do Iraque não reconheceram seu certificado de bacharelado sírio, então ela repetiu seu último ano do ensino médio.

Ela agora estuda odontologia em uma universidade iraquiana, enquanto ainda vive com sua família em um campo de refugiados. Quando a conheci, junto com sua família, ela me disse que, assim que pudesse, voltaria para sua terra natal e ajudaria em sua recuperação. “A Síria precisa do seu povo jovem”, disse ela.

Frequentemente falamos sobre refugiados como uma única massa de pessoas, um fardo. Nós não vemos o intrincado mosaico de homens, mulheres e crianças com suas diversas origens e um imenso potencial humano.

Há milhões de jovens refugiados com energia, desejo e compromisso de estudar e trabalhar, que querem contribuir para as sociedades que os acolhem e a ajudar a reconstruir seus países de origem. Há milhões de pais deslocados que fariam sacrifícios imagináveis para ajudar seus filhos a irem para a escola.

Lembro-me de um pai que conheci no leste de Mossul, que de alguma forma fez com que sua família passasse anos vivendo sob o governo brutal do Estado Islâmico e passasse pela violenta libertação da cidade. Embora eles não tivessem saído do Iraque e fossem classificados como deslocados internos em vez de refugiados, só recentemente puderam retornar à cidade. De pé ao lado de sua antiga casa destruída por balas, ele lutou contra as lágrimas de orgulho enquanto me mostrava os boletins escolares de suas duas filhas pequenas que haviam voltado para a escola.

Desta forma, afinal, pensei, é como você reconstrói um país: não com acordos e resoluções de paz, tão necessários como esses, mas com milhões de boletins escolares, exames aprovados, qualificações obtidas, empregos adquiridos e jovens vidas com um bom propósito, em vez de passar definhando nos campos.

Ninguém sonha em ser um refugiado; eles sonham em viver de acordo com seu potencial. Eles anseiam por melhorar a si mesmos e suas famílias. Isso é algo que todos nós instintivamente entendemos e podemos relacionar. Nós experimentamos o poder da educação em nossas próprias famílias.

A perda da educação de uma criança é uma tragédia. Com muitas guerras hoje perdurando mais do que a duração de uma infância, pode significar um país perdendo toda uma geração de educação e habilidades entre os jovens. Inversamente, investir na educação de refugiados é a maneira mais poderosa de ajudá-los a ser auto-suficientes e contribuir para a estabilidade futura dos países dilacerados pelo conflito.

O ACNUR está solicitando que as crianças refugiadas tenham acesso a um currículo adequado durante todo o ensino fundamental e médio, para que possam obter qualificações reconhecidas e ter uma chance de educação superior.

Estamos pedindo que mais apoio seja dado aos países das regiões em desenvolvimento, que hospedam 92% dos refugiados em idade escolar, para que mais crianças refugiadas possam ser incluídas nos sistemas nacionais de educação. E nós estamos pedindo às nações mais ricas que lidem com os déficits de financiamento humanitário para que os pais refugiados não tenham que escolher entre comida e escola para seus filhos.

Dificilmente passa-se um dia sem notícias sombrias sobre violência, sofrimento e deslocamento de pessoas, do Afeganistão ao Iêmen. É difícil encontrar um só exemplo de onde estamos tendo sucesso como comunidade internacional por acabar com conflitos e garantir a paz. O resultado pode às vezes ser uma sensação impressionante de um mundo desequilibrado, no qual mesmo nossos melhores esforços de alguma forma ficam aquém.

No entanto, a resposta não é perder as esperanças ou se afastar da causa, mas sim trabalhar de uma maneira paciente, a longo prazo, guiada por nossos valores, para eliminar problemas que parecem vastos e intratáveis. Se ajudarmos os refugiados a obter uma educação, eles mesmos assumirão a tarefa mais difícil de reconstruir os países cuja futura paz e segurança é tão importante para nós. É o caminho de ação sábio e moralmente correto.

Escrito por Angelina Jolie
Traduzido por Guilherme Leite,
para o Angelina Jolie Brasil.

Fonte: CNN