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Angelina Jolie: Uma Carta de Mossul

19 de junho de 2018

A maior e mais longa batalha urbana em qualquer parte do mundo desde a Segunda Guerra Mundial foi travada para retomar Mossul do Estado Islâmico do Iraque e do Levante (ISIS). A liberdade chegou através de um preço horrível: milhares de civis foram mortos e grandes áreas da cidade iraquiana foram reduzidas a escombros.

Grande parte do lado leste de Mossul foi poupado, mas o lado oeste ainda está em ruínas um ano após o fim dos combates. Enquanto estive lá, senti como se as armas tivessem parado somente no dia anterior.

Se aprendemos algo na última década com relação ao Oriente Médio e ao Afeganistão, é que se uma “vitória” militar não é seguida de uma ajuda efetiva que garanta a estabilidade, então o ciclo de violência só continua.

Você pensaria, portanto, que nada poderia ser mais importante nessa situação do que tentar garantir que o extremismo violento nunca retorne a Mossul. Você esperaria que reconstruir uma cidade que era um ícone da diversidade, da coexistência pacífica e do patrimônio cultural seria prioridade máxima. Você imaginaria que as ruas de Mossul estariam repletas de equipamentos de reconstrução, desminadores, arquitetos, planejadores, agências governamentais e organizações não-governamentais e especialistas em patrimônio mundial que prestam assistência técnica ao Iraque em um plano mestre para a reconstrução da cidade.

Mas, um ano depois, o leste de Mossul está abandonado, arruinado e apocalíptico. Paredes que permanecem em pé estão cheias de buracos causados por morteiros e balas. As ruas estão estranhamente silenciosas: centenas de milhares dos antigos moradores da cidade estão vivendo em acampamentos ou em comunidades próximas porque não existe nada para o que retornarem. Cadáveres ainda se encontram contaminando as ruínas, aguardando para serem coletados.

Nas ruas que parecem inteiramente inabitáveis, um pequeno número de famílias em estado de choque está limpando os escombros de suas casas com as próprias mãos, desafiando os explosivos escondidos deixados para trás. Na última semana, houve uma explosão em uma casa que matou e feriu 27 pessoas.

Ainda pior do que a ruína visual da cidade é o dano invisível no cenário emocional do povo. Residentes que retornaram perderam as casas em que suas famílias viveram por gerações, suas posses, suas economias, até mesmo os documentos que provam sua identidade. Comunidades de diferentes crenças que viviam lado a lado foram separadas e agora estão divididas.

Um homem que se aproximou de mim descreveu com lágrimas nos olhos como ele foi atacado por militantes. Uma criança me contou sobre como foi ver um homem morto em sua frente na rua. Uma mãe e um pai descreveram a manhã em que um morteiro atingiu sua filha adolescente, arrancando as pernas dela, deixando os ossos quebrados expostos. Eles a levaram para um hospital e pediram tratamento médico. Eles foram rejeitados e ela sangrou até a morte em seus braços.

Injustiça e sofrimento dessa magnitude são impossíveis de quantificar. Pois as pessoas que sobreviveram a essas experiências, foram deixadas sozinhas e, em grande parte das vezes, esquecidas, sentindo-se completamente erradas e profundamente inquietas. A lacuna de tempo entre o que eles merecem e a rapidez com que o mundo os esqueceu é chocante.

Eu me perguntei se, em outro momento da história, teríamos reagido de maneira diferente ao que aconteceu em Mossul. Teríamos reagido como fizemos quando a Europa se libertou depois da Segunda Guerra Mundial, inundando-a com ajuda para se reconstruir se recuperar?

Pensei também nos sobreviventes dos ataques com armas químicas, nos atentados aos hospitais, nos estupros organizados e na fome deliberada de civis que são características dos conflitos contemporâneos e perguntei a mim mesma: ficamos insensíveis ao sofrimento humano? Temos tantas dúvidas da nossa capacidade de agir efetivamente no exterior, à luz da história recente, que começamos a tolerar o intolerável? Somos culpados de realizar uma forma de triagem moral coletiva, escolhendo seletivamente quando e onde defenderemos os direitos humanos, por quanto tempo e em que nível?

Em Mossul, senti que estava na limiar das falhas da política externa na última década. Mas também em um lugar que representa a capacidade humana de sobrevivência, renovação e a resistência insistente dos valores universais nos corações individuais.

Penso em um pai que conheci e em sua alegria por suas duas filhas poderem ir à escola novamente. Sem dinheiro e sem um teto sobre a cabeça de sua família, ele falou como se não tivesse mais a posse de nenhum bem além de seus boletins. Não haveria um símbolo mais profundo de vitória do que qualquer moça de Mossul que pudesse voltar à escola e se destacar.

Nenhuma família que conheci no leste de Mossul me pediu algo. Elas não estão contando com a nossa ajuda. Mossul pode traçar sua história há 3.000 anos – tenho certeza de que seu povo superará esses três anos de terror. Mas quão melhor seria se víssemos sua recuperação como nosso esforço conjunto, da mesma forma que consideramos a derrota do ISIS como uma responsabilidade coletiva.

Escrito por Angelina Jolie | Tradução de Guilherme Leite

Fonte: Huffington Post

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