Entrevistas

Deadline entrevista Angelina Jolie e Nora Twomey

25 de fevereiro de 2018

Ao ver seu mais recente projeto na direção, “First They Killed My Father”, ser enviado pelo Camboja para concorrer ao Oscar de Melhor Filme em Língua Estrangeira, a humanitária e atriz ganhadora do Oscar, Angelina Jolie, também vem divulgando um filme que é produzido por ela: “The Breadwinner”, uma animação que é dirigida por Nora Twomey e recentemente indicada ao Oscar.

Baseado no livro best-seller escrito por Debora Ellis, “The Breadwinner” conta a história de Parvana, uma jovem garota afegã, cujo pai é enviado para a prisão, e que passa a se vestir de menino para sustentar sua família. Um lembrete da profunda preocupação de Jolie pelas mulheres e crianças de todo o mundo – particularmente em países devastados pela guerra. O filme de Twomey é consistente com a missão que Jolie embarcou décadas atrás, quando se propôs a ajudar mulheres, crianças, imigrantes e refugiados através de canais tanto legislativos quando narrativos.

O desafio de “The Breadwinner” era lidar com o material de forma hábil e mais a responsável possível, retratando a gravidade da situação de Parvana enquanto transmitia, ao mesmo tempo, uma sensação de esperança. “Eles caminharam por uma linha muito tênue e eu acho que as pessoas não percebem isso quando assistem o filme,” disse Jolie. “Naquele momento final, em que sentimos esperança, ela também mostra que nenhuma frota de aviões chega de repente, como se fossem os salvadores, e era isso que o país estava esperando. Eles foram realistas com relação aos anos vindouros do país e ao mostrar como o país se encontra atualmente… eu acho que ela caminhou nesta linha de uma forma magnífica”.

Angelina, por que você se sentiu obrigada a trabalhar como produtora do filme “The Breadwinner”?

Jolie: Eu queria trabalhar com Nora e o livro é muito especial para os meus filhos, então eu já conhecia a história. Eu passei muito tempo no Paquistão, no Afeganistão, ao lado do povo afegão. Eu tenho carinho e respeito pelo povo afegão e eu pensei, “como seria maravilhoso ter algo relacionado, como uma animação, que pudesse contar algo tão pesado, como esta história, através dos olhos de uma criança, nesta forma de arte tão única”.

Nora, como você descreve sua colaboração com Angelina neste filme? Que tipo de conselho ela ofereceu ao longo do processo?

Twomey: A primeira vez que eu conheci Angie, parecia como se fosse a continuação de uma conversa, ao invés do início de uma, porque suas sensibilidades estavam muito alinhadas com o tipo de filme que estávamos tentando fazer. Anita Doron fez um trabalho incrível com o roteiro, mas acho que foi quando começamos a entrar na animação que a colaboração foi mais útil para mim. Angie iria assistir as animações e então, ela me ligaria ou nós nos encontraríamos em Londres para conversar. Esta é uma história muito emocionante e ela deu algumas dicas para conseguirmos este ritmo emocional que atravessa o filme, para garantirmos que a sensibilidade dele estivesse correta…

Jolie: Eu não conseguia acreditar na forma que você contava a história do Afeganistão. Para a maioria das pessoas, é muito complicada, é muito longa – e para contá-la de uma forma que fosse realmente atraente, você tinha muita coisa para abordar.

Do ponto de vista produtivo, parece que existiram certas questões morais e filosóficas que você abordou na forma em que você fez o filme – visível, por exemplo, na decisão de selecionar atores, em sua maioria, do Afeganistão.

Twomey: Sim, Angie foi a primeira pessoa a dizer isso – “Onde podemos selecionar atores afegãos?”. Eu lembro de dizer, “Bem, esta é uma co-produção entre o Canadá, Irlanda e Luxemburgo, onde nós conseguimos o dinheiro” [risos].

Jolie: É realmente difícil porque ela não podia simplesmente ir até o Afeganistão e encontrar atores afegãos que também sabiam falar inglês. Foi uma combinação real de pessoas do Afeganistão e de diferentes pessoas que estavam deslocadas. Não existem muitas pessoas nessas situações que sabem atuar, que estivesses deslocadas, que tinham essa herança e que entendessem essa herança. Mas eu não tive que forçar nada. Essa já era uma coisa que eles queriam fazer. Para encontrarmos pessoas suficientes e encontrarmos o equilíbrio, não foi fácil. Mas o esforço é algo certo – e não apenas porque era algo moralmente certo, mas também porque, é claro, toda cultura possui pessoas extremamente talentosas, então não há motivo para escolher atores de outra cultura. A não ser, como era o caso de Nora. Foi realmente complicado para ela, encontrar pessoas suficientes que possuíam essa combinação.

Em sua experiência, você acha que filmes como “The Breadwinner” são difíceis de produzir? Parece que Hollywood tem certos preconceitos com relação às histórias americanas e aos atores que já são bem conhecidos.

Jolie: Eu acho que sim. Nós duas fizemos filmes este ano sobre mulheres na guerra – os dois filmes com pequenas garotas e os dois filmes sem nenhum ator conhecido. Os dois filmes dirigidos por mulheres. Eu acho que pode ser difícil, mas de alguma forma, felizmente para nós, não dava para colocar atores conhecidos em nenhum desses dois filmes. Não dava para colocar uma voz em “The Breadwinner” que apenas desse sentido para o filme. Essa é uma das razões pelas quais fiquei muito feliz em poder participar, para tentar dar uma pequena atenção à história, porque era melhor que isso estivesse acontecendo por trás das câmeras, do que estivesse acontecendo em frente às câmeras e na tela. O estava acontecendo na tela tinha que ser o mais autêntico possível.

Como você percebeu, tanto “The Breadwinner” quanto “First They Killed My Father” focam em mulheres jovens que passam por situações difíceis e são forçadas a crescer rapidamente. O que te inspirou para trazer esses assuntos para a superfície?

Jolie: Acho que na verdade essas jovens garotas que estão na guerra são as pessoas mais vulneráveis do planeta.

Twomey: Sim, com certeza. Você não vê tantas histórias sobre isso, acho que é da época, o que faz interessante ter sido você que dirigiu “First They Killed My Father”. Eu acho que o fato de “The Breadwinner” ter sido feito ao mesmo tempo, mostrando mulheres em posições nas quais elas podem contar histórias, é algo que 20 anos atrás jamais seria possível, na verdade – ou seria algo muito muito difícil de acontecer. Poder ver mulheres contando suas histórias como mães, também, faz uma enorme diferença – ao contarem histórias que são empáticas e que mostram o ponto de vista da criança. Dessa perspectiva, é uma forma diferente de contar histórias e acho incrível ver que isso está indo para as telas de cinema, e chegando nas casas das pessoas.

Esses filmes assumem ressonância ou urgência adicionais com os acontecimentos atuais do mundo, na política americana, no movimento #MeToo ou em outro lugar?

Jolie: Acho que os dois filmes podem destacar várias coisas, não só a vulnerabilidade da mulher, até porque isso não é um ‘problema atual’. Isso tem sido um problema há muito, muito tempo. E existem pessoas lutando por isso há muito tempo, e existem garotinhas como Parvana, na fronteira de Myanmar, que estão sendo violentadas, atualmente, e o que vem sido feito com relação a isso não é o bastante. O que é falado sobre esse comportamento não é o bastante.
Essa garotinha, Parvana, e pelo o que ela passou, e o fato de mais da metade das meninas no Afeganistão ainda não terem educação, e como suas vidas são perigosas, e tamanha pobreza em que elas vivem, também ilustra como são grandes os problemas globais que as mulheres estão encarando.

Ao ter trabalhado através de vários canais legislativos a favor dos direitos das crianças, qual valor você vê ao contar histórias que abordam esses problemas globais, ao invés de combater com uma boa luta no âmbito político?

Jolie: Acho que se você não pode viajar para os lugares, então você pode trazer esses lugares e essas pessoas para perto, através de um filme. Se você não conheceu uma Parvana e não teve a oportunidade que nós tivemos – a honra de conhecermos uma Pavana, ou uma Loung Ung – com os filmes, você pode conhecê-las, você pode se emocionar com elas, e você pode passar o tempo do filme todo com elas. Ter uma conexão humana, uma conexão emocional, é sempre a coisa mais importante. Não é só o ato de mudar as leis, é o que as pessoas sabem, como elas se sentem ao fazer isso, e como elas se sentem conectadas com outros humanos ao redor do mundo, com seus emocionais e necessidades. Dessa forma, os políticos se vêem obrigados a mudar as leis. Então é uma forma de auxílio para cativar as pessoas emocionalmente.

Twomey: Só de contarem as histórias, de querer contar histórias e querer comunicar algo com as pessoas – especialmente uma história desse tipo – é algo extremamente importante. Então por quê não, sabe? O que realmente me deu esperanças com relação a esse filme foi o desenho das pessoas – pessoas desenhando na Irlanda, em Luxemburgo, no Canadá. Como um grupo de artistas, produtores e produtores executivos, todos nós pudemos nos juntar para contar uma só história. É de dar esperança.

Jolie: Eu não percebi, porque eu não tinha trabalhado com animação desse jeito – já que eu só fiz dulagem em animações – e realmente, é uma colaboração muito diferente, e de uma forma mais íntima. Com relação a essa animação em particular, foi bonito porque todos trabalharam nisso, já que Nora queria que posse real e autêntico ao Afeganistão, com a pesquisa feita, música, e a luz. E quando você tem tantas pessoas passando tanto tempo pensando nessa menininha, em seu pai, em seu país que tem passado por muita coisa, só de ter essa longa meditação e dedicação para criar, como artista, é uma coisa enorme.

Qual foi sua reação com relação as mudanças que ocorreram na indústria esse ano, tanto sobre as representações de mulheres nas telas e em todas as áreas da cinematografia? O que te animou e onde há ainda muito trabalho a ser feito?

Twomey: É ótimo ver toda atenção esse ano para as mulheres cineastas, ver tanto apoio para isso, mas eu odiaria pensar que é algo as pessoas vão deixar passar, porque foi algo que precisou de um esforço especial por um longo período. O que eu achei muito interessante foram as mulheres cineastas se apoiando, falando umas com as outras, e se juntando para tentar e ter certeza de que isso tem que permanecer – isso é algo que, através das décadas, vai continuar acontecendo. Metade das histórias desse mundo precisam ser contadas por mulheres, porque somos metade desse mundo.

Para cada uma de vocês, qual é a próxima missão? Angelina, você estará em “Malévola 2” em breve, como você vai equilibrar seu senso de responsabilidade social com os simples prazeres de contar histórias?

Jolie: Acho que a vida é assim, não é? Tenho certeza que acontece o mesmo com você, como pessoa. Você tem sua criatividade, seu trabalho, e todo dia da sua vida está relacionado com o fato de, alguma forma, você crescer como pessoa. De alguma forma sentindo que você pode contribuir na medida em que você pode receber homenagens. Nora e eu, quando passamos um tempo sozinhas, nós ficamos a maior parte do tempo falando sobre ser mãe e eu acho que esse é o equilíbrio. Todos nós estamos tentando encontrar equilíbrio, como pessoa. Acho que para ser uma pessoa equilibrada, você tem que encontrar aquelas coisas que você simplesmente gosta. Mas, é claro, se você não está participando da vida num geral e não está sendo, de alguma forma, útil – não está fazendo algo que possa evoluir – então você vai descobrir que você não está sendo feliz. Sério, dessa forma você terá uma vida bem vazia.

Twomey: Todos os dias, você escorrega e tropeça entre uma coisa e outra. Às vezes, entre muitas coisas. Mas a vida é assim, como a Angie disse. Você só segue o fluxo, sabe?

Foto por Michael Buckner.
Entrevista por Matt Grobar.
Traduzido com a colaboração de Guilherme Leite.

Fonte: Deadline