Entrevistas / First They Killed My Father

LA Times entrevista Angelina Jolie e Loung Ung

17 de novembro de 2017

Angelina Jolie e Loung Ung estão sentadas em uma sala de conferências nos confins dos novos e brilhantes escritórios da Netflix em Hollywood. Parece como qualquer outro dia e, de vários modos, para essas duas amigas de longa data, essa entrevista é exatamente isso, mais uma oportunidade de garantir que o mundo não se esqueça dos horrores que aconteceram no Camboja durante o regime do Khmer Vermelho. Esta é uma missão que não terminará para nenhuma das duas tão cedo.

Essas duas mulheres não apenas se conhecem há mais de uma década, mas as duas estão unidas por esta colaboração, este épico filme chamado “First They Killed My Father”. O longa, lançado pela Netflix em Setembro deste ano, foi adaptado do livro escrito por Ung , lançado no ano 2000, que conta as experiências de sua família. O célebre trabalho narra a infância de Ung sob o regime do Khmer Vermelho durante a década de 70. Jolie dirigiu o projeto, que foi enviado oficialmente pelo Camboja para concorrer ao Oscar de Melhor Filme em Língua Estrangeria, e co-escreveu o roteiro ao lado de Ung.


Angelina Jolie e a pequena atriz cambojana Sareum Srey Moch.

Até dirigir o filme dramático que se passa durante a Guerra da Bósnia lançado em 2011, “Na Terra de Amor e Ódio”, Jolie admite sem rodeios que nunca se viu como uma diretora. Depois deste filme, entretanto, ela começou a se perguntar que tipo de histórias deveria contar em seguida. Foi quando ela se lembrou da história de sua amiga Ung e percebeu que esta era uma história que seu filho Maddox, adotado por ela no Camboja, precisava vivenciar.

“Não pensei algo como ‘será que seria um filme legal?’. Foi mais para ‘no eu deveria passar anos da minha vida fazendo? O que importa? O que conseguiu me afetar?’ E então, ficou muito claro para mim que tinha sido esse livro,” disse Jolie. “E enquanto Maddox crescia, eu realmente precisava que ele compreendesse o que tinha acontecido e eu sentia que o país nunca tinha realmente lidado com isso. Este não era um tema aberto e discutido como deveria ser”.

Quando mais Jolie e Ung conversam, mais fácil fica de entender a amizade entre as duas. O par primeiramente se conheceu quando Jolie se encontrava em uma missão humanitária na região rural do Camboja. Anos depois, Jolie pergundou a Ung se ela tinha interesse em fazer uma versão cinematográfica de seu livro e se ela queria escrever o roteiro ao seu lado. De acordo com Ung, o roteiro foi escrito em um período de três dias na casa de Jolie.

Um momento do livro que Jolie se lembra e que insistiu incluir no filme foi a cena em que a mãe de Ung esconde uma camisa azul, para que seus filhos nunca se esquecessem dela ou da vida que família tinha antes que o Khmer Vermelho comandasse o país. E, de fato, esta camisa ainda existe até os dias de hoje em um cofre à prova de fogo que se encontra na casa do irmão de Ung em Vermont.


Uma cena do filme “First They Killed My Father: A Daughter of Cambodia Remembers”.

“As crianças ouviram essa história e um dia a surpreenderam dando a ela, como presente, uma camisa de seda azul”, lembra de Jolie enquanto fala sobre seus próprios filhos. “Eles dão presentes de aniversário aleatórios para ela, porque ela não sabe a data do seu aniversário”.

Ung explicou aos filhos de Jolie que ela não sabe a data de seu nascimento porque os registros foram destruídos, mas que seu irmão registrou como dia 17 de Abril.

“Neste dia, o Khmer Vermelho tomou o poder no país,” esclarece Ung. “Eu nunca achei que estava correto. Quando você tem 16 anos, você quer fazer uma festa de aniversário para comemorar, mas você sabe que neste mesmo dia, pessoas ao redor do mundo estão ascendendo velas para lembrar de 2 milhões de vidas perdidas. Como eu, realmente, poderia querer um bolo de aniversário nesta data?”

Jolie acrescenta, “Todo ano, nós criamos datas de aniversário diferentes para ela. Nós estavámos falando sobre isso ontem, tentando decidir quando seria sue próximo aniversário”.

Um dos aspectos mais marcantes do roteiro escrito por Jolie e Ung é sobre a pouca exposição que existe nele. Quase toda a história é mostrada através dos olhos da pequena Loung, interpretada pela pequena atriz Sareum Srey Moch.

“A coisa mais complicada a respeito disso é que você não pode saber muito mais do que ela sabe, já que ela é uma criança,” diz Jolie. “Você apenas pode saber a respeito dos seus pensamentos internos. O livro possibilita que as coisas sejam explicadas, já que nele você pode escrever o que estava acontecendo ou quais eram os pensamentos naquele momento. Mas no filme, não podíamos mostrar isso. Nós decidimos não colocarmos vozes para explicar os pensamentos dela. No filme, temos apenas que nos identificar com ela, mesmo que exista uma cena inteira em que ela não entende o que está acontecendo, a audiência acaba ficando confusa, assim como ela está”.

A jornada encontra a representação no filme de Loung atravessando florestas e plantações de arroz onde milhões de cambojanos urbanos foram enviados para trabalhar, enquanto o regime autoritário tentava voltar no tempo e remover toda a influência ocidental da nação.

“Em outras guerras, existiram campos de prisioneiros e muros. No Camboja, o país todo se transformou em uma prisão”, disse Jolie. “Não existiam muros. Não havia nenhum lugar para ir e se sentir seguro. O país todo se tornou prisioneiro”.

O sofrimento causado durante a era do Khmer Vermelho ainda traz lembranças dolorosas para muitas pessoas, mas quando Jolie teve que filmar as cenas em que as famílias foram ordenadas a deixar a capital Phnom Penh, ela ficou surpresa com o que os sobreviventes queriam ensinar aos filhos.

“Mesmo com as cenas do êxodo, os figurantes, que levaram suas famílias tambem, levaram seus próprios filhos. Eu conversei com alguns figurantes que lembravam da primeira vez que deixaram a cidade. Agora, eles estavam trazendo os filhos e os netos para mostrar a eles como tinha sido. Foi uma coisa realmente emocionante”.


Sareum Srey Moch durante uma cena do filme “”First They Killed My Father”.

Fonte: Los Angeles Times

Na Galeria de fotos, adicionamos 15 imagens feitas e compartilhadas pelo renomado fotógrafo, Roland Neveu, durante as gravações do filme no Camboja em 2015.

Fotos:

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