Da Namíbia, Angelina Jolie escreve uma carta para você
12 de outubro de 2017
Conforme a Harper’s Bazaar comemora seu 150º aniversário, Jolie compartilha seus pensamentos sobre os direitos das mulheres e sobre as nossas responsabilidades em relação ao meio ambiente.
A atriz e cineasta Angelina Jolie é conhecida por usar sua voz para defender as causas dos direitos humanos ao redor do mundo. Seu projeto mais recente, “The Breadwinner”, conta a história de uma garota afegã de 11 anos chamada Parvana que passa a se vestir de menino para conseguir sustentar sua família, que é controlada pelo Talibã no Afeganistão, onde as mulheres não podiam trabalhar ou frequentar a escola. Ao celebrar o 150º aniversário da Harper’s Bazaar, Jolie compartilha seus pensamentos sobre os direitos das mulheres e sobre a nossa responsabilidade uns com os outros e com o nosso meio ambiente.
Por Angelina Jolie
Quando fui convidada a escrever para esta edição especial de aniversário da Bazaar, eu imaginei uma leitora da revista, 150 anos atrás, em 1867. Se ela pudesse nos ver hoje – nós, mulheres atuais – o que ela pensaria?
A Bazaar foi primeiramente publicada na América dois anos após o fim da Guerra Civil e a abolição da escravatura. Era um mundo sem carros, sem antibióticos modernos ou energia elétrica. A maioria das pessoas não passavam dos 50 anos e ainda era comum as mulheres falecerem ao darem a luz.
Para uma mulher, muito comumente em países ocidentais no século 19, você não poderia ir para a universidade e ter profissões especializadas como medicina, ciência e direito, já que não eram abertas. Você não podia votar e ainda ficaria sem ganhar esse direito, em muitos países, por quase metade de um século.
Então eu imagino que se uma leitora da Bazaar pudesse nos ver agora, ela ficaria perplexa. E já que ela provavelmente defendeu os direitos das mulheres em toda sua vida, imagino que ela ficaria grata.
Mas também me pergunto o que essa mulher do século 19 pensaria sobre a desigualdade que ainda existe para milhares de mulheres e meninas ao redor do globo – como as que têm que ir trabalhar ao invés de estudar para ajudar suas famílias, como Parvana em “The Breadwinner”. Ou as mulheres que ainda morrem jovens por possuírem tão pouco ou nenhum acesso aos sistemas de saúde. Pensaria ela que fez tudo que pode por elas?
A mulher mais bonita e mais resiliente que eu já conheci foi uma refugiada afegã em um campo abandonado na fronteira com o Paquistão. Ela estava grávida e seu marido havia viajado para procurar um trabalho para ajudá-la. Haviam tratores espalhando lama o redor dela e ela esperava por ele, pois não havia outra maneira de se encontrarem. Ela não tinha nem um teto e não havia nenhum hospital por perto. Ela me convidou para entrar e me ofereceu um chá.
Ela perguntou sobre a minha família e sobre meu país. Quando eu ofereci ajuda, de qualquer forma que fosse, ela disse que não podia pedir por mais do que uma visita e uma conversa. Ela era generosa e digna, com os olhos brilhantes. Às vezes quando eu tenho um dia difícil, eu lembro de seu sorriso e do jeito que ela segurava seu próprio corpo, como se ela fosse dar toda a sua restante força para seu bebê. Duas semanas depois que nós nos conhecemos, aconteceu o 11 de Setembro. Com tudo que aconteceu no Afeganistão, eu não imagino se ela conseguiu sobreviver. Seu marido conseguiu voltar antes que destruíssem seu acampamento? Ela deu o parto lá, ou foi forçada a sair? Estará ela, agora, em uma tenda em alguma fronteira com sua criança, que agora deve ser adolescente?
Eu recentemente li que o Fórum Econômico Mundial previu que levará 83 anos para que as lacunas nos direitos e oportunidades entre homens e mulheres, possam acabar. Isso não se trata de progresso para mulheres à custa dos homens, mas sim de encontrar um equilíbrio igual que beneficie todos. Oitenta e três anos parece mais tempo do que qualquer pessoa, homem ou mulher, esperaria ou imaginaria.
Minha mãe, que era mestiça de índios iroqueses pelo lado de seu pai, me ensinou que os iroqueses diziam que devemos considerar o impacto de nossas decisões para até as sete gerações posteriores. É difícil para nós sermos pensativos assim, com toda a pressão em nossas vidas, mas parece, para mim, ser uma bela aspiração.
Então seja lá quem você for e que estiver lendo isso – uma médica, advogada, cientista, ativista dos direitos humanos, estudante, professora, mãe, esposa, ou um menino ou uma menina folheando a revista da sua mãe – eu espero que você se junte à mim ao dedicarmos um momento, hoje, para pensar em como podemos contribuir para um futuro melhor. Existem muitas coisas que não podemos prever sobre o mundo daqui 150 anos. Mas o que nós sabemos é que nossos bisnetos estarão vivendo com as consequências das decisões que fazemos agora, assim como podemos traçar a origem dos problemas que estamos enfrentando hoje, nas raízes dos séculos anteriores.
Foi no início do século 19, por exemplo, que a onda de marfim e a venda outros produtos feitos de animais selvagens alavancavam em alguns países, juntamente com a destruição do meio ambiente. Onde milhões de elefantes, leões e outras espécies viviam no continente africano, hoje, pequenas e dispersas populações se apegam à caça e à expansão das terras agrícolas, reduzindo seu habitat natural.
As fotos e este artigo foram feitos na reserva natural da Namíbia, no deserto Namib. A reserva é preservada pela Fundação N/a’an ku sê, comandada pelos meus amigos Marlice e Rudie van Vuuren. Nossa filha Shiloh nasceu na Namíbia, e nossa família tem trabalhado ao lado de Rudie e Marlice na área da conservação deste país ao longo da última década. Para mim, a Namíbia representa não apenas laços familiares e de amizade, mas também o esforço de se encontrar um equilíbrio entre os humanos e o meio ambiente, algo que é tão crucial para o nosso futuro.
A fundação N/a’an ku trabalha com a população da Namibia’s San, considerada a cultura mais antiga do mundo. Eles representam centenas de anos da vida humana e selvagem coexistindo em harmonia, mas eles sofreram, assim como outros povos indígenas, ao serem forçados a deixar suas terras em razão do cultivo, do desenvolvimento não controlado e do esgotamento da vida selvagem. A destruição do habitat natural e da vida selvagem deste local deixou o povo de San incapaz de caçar e de sustentar suas famílias.
A mesma coisa está acontecendo ao redor do mundo – na África, na América Latina, Asia e no Pacífico – e as mulheres normalmente são as mais afetadas. As mulheres constituem a maioria dos pobres no mundo. Frequentemente recai a elas a responsabilidade de encontrar comida, água e óleo para cozinhar para suas famílias. Quando o meio ambiente está danificado – por exemplo, quando os estoques de pesca estão destruídos, a vida selvagem é morta por caçadores furtivos ou quando as florestas tropicais são desmatadas – isso agrava ainda mais a situação de pobreza. A educação e a saúde das mulheres são as primeiras coisas atingidas. O ambiente também é um fator crucial na futura estabilidade global. A cada ano, 21.5 milhões de pessoas se deslocam em todo o mundo em virtude das mudanças climáticas, de um total de 65 milhões de pessoas que se encontram atualmente desabrigadas.
A Fundação N/a’an ku trabalha para preservar o habitat natural e para proteger as especies ameaçadas de extinção, como elefantes, rinocerontes e guepardos, como os retratados nas fotos deste artigo. Eu os conheci pela primeira vez em 2015, quando ainda eram pequenos filhotes e que foram “adotados” pela nossa família. Eles ficaram órfãos e quase morreram. Eles foram alimentados e recuperaram a saúde, porém, não podem ser devolvidos à vida selvagem pois perderam o medo de seres humanos e podem ser mortos por eles caso se afastem da reserva. Como só existem em torno de 7.100 guepardos em todo mundo, a missão é salvar todo animal possível.
Esses guepardos não são animais de estimação e nenhum animal selvagem deve ser mantido como um. Eles nos inspiram a querer preservar estas únicas e majestosas criaturas na natureza, como um dos vários passos que devemos dar para preservar o meio ambiente para as futuras gerações.
Cada um de nós tem o poder de fazer um impacto através das nossas escolhas diárias. Por exemplo, podemos nos comprometer em nunca comprar produtos ilegais da vida selvagem, como marfim ou chifres de rinoceronte.
A moda já foi um fator importante na hora de incentivar a compra de roupas, jóias e acessórios feitos com partes de animais selvagens. Mas as revistas, agora, podem enviar uma mensagem diferente: que os animais pertencem à natureza e que o marfim não é algo belo, a não ser que esteja na presa de um animal vivo.
O que fazemos, em nossas pequenas maneiras, é importante. O pensamento esperançoso é este que se encontra em nossas mãos. Ao longo dos próximos 150 anos, a tecnologia nos dará mais e cada vez melhores meios de se comunicar, de combater a pobreza, de defender os direitos humanos e de cuidar do meio ambiente. Mas é aquilo o que escolhemos fazer com a liberdade que possuímos, que faz toda a diferença. Se a minha experiencia de vida me ensinou uma coisa é que, o que você defende e o que você escolhe ir contra, é o que define você. Como as pessoas de San dizem: “Você nunca está perdido se você consegue ver seu caminho para o horizonte”.
DIREITOS DAS MULHERES
O Direito Internacional exige mulheres e meninas sejam iguais aos homens e aos meninos. Isso significa igualdade total em:
• O direito de participar na política internacional, nacional e local e na sociedade.
• O direito à educação, ao trabalho e ao acesso à economia.
• O direito à saúde, incluindo a saúde sexual e reprodutiva.
• O direito à vida e de não ser vítima de violência, especialmente de violência doméstica.
• O direito à igualdade em suas relações familiares, em suas comunidades e religiões
O dever legal de garantir igualdade de gênero é obrigatório para todos os países do mundo.
Fonte: London School Of Economics Center for Women Peace and Security
INFORMAÇÕES SOBRE OS GUEPARDOS
• A população atual de guepardos é inferior a 7.100
• Os guepardos estão desaparecendo das áreas, que diminuiu em 89% nos últimos 100 anos.
• Os guepardos são capturados e vendidos ilegalmente para o comércio de animais de estimação e também são caçados em virtude de suas peles.
• O destino principal dos guepardos vivos, no comércio ilegal de animais selvagens, é o Estado do Golfo.
• Estima-se que dois terços dos filhotes de guepardos traficados morrem em virtude do comércio ilegal.
Fonte: Harper’s Bazaar
Fotos:
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