The New York Times entrevista Angelina Jolie
21 de setembro de 2017
Por Cara Buckley, para o The New York Times
Angelina Jolie estava sentada descalça na varanda de sua maravilhosa nova casa, explicando o porquê de querer salvar o mundo, quando o dever chamou. Seu filho mais novo, Knox, 9, colocou sua pequena cabeça loira pela porta de vidro. “Shiloh precisa de você”, disse o menino silenciosamente, referindo-se à irmã do meio, de 11 anos.,
“Shi?”, chamou Jolie, antes de desaparecer voando com sua túnica preta. Dez minutos depois, ela voltou. O lagarto pogona de Shiloh, Vlad, estava doente e, para a angústia de Shiloh, se recuperava no veterinário. “Este vai ser o resto do meu dia”, disse Jolie, se instalando numa cadeira de pátio almofadada, “Aprender tudo sobre os problemas de saúde de um lagarto pogona”.
Jolie passou a lamentar o desequilíbrio de um mundo onde os animais californianos recebem cuidados extremos enquanto milhões de pessoas do mundo não têm acesso a um tratamento médico adequado. Sem mencionar que ela estava dizendo isso em sua mansão de 25 milhões de dólares localizada em uma colina, em um condomínio fechado no bairro de Los Feliz, uma casa que ela comprou na primavera para ela e seus seis filhos, após se divorciar de Brad Pitt.
Talvez mais que qualquer outra celebridade, Jolie, 42, manteve-se firmemente plantada em dois mundos muito diferentes. Ela é ao mesmo tempo a glamurosa super celebridade que tem todo movimento rastreado pelas manchetes (“Angie e as crianças saíram da Target porque não serviam cachorro-quente”, diz uma delas), e a humanitária bem feitora que já fez mais de 60 viagens de campo, como parte do seu trabalho com as Nações Unidas. As contradições aparentes são responsáveis por seu fascínio indescritível. Jolie tem sido extremamente difícil de se enquadrar, uma mulher que não pode ser facilmente agrupada em apenas uma categoria, pois ocupa muitas ao mesmo tempo.
Ela é uma “glamazona” e também a defensora da saúde das mulheres, que contou ao mundo sobre sua dupla mastectomia preventiva. Ela tem uma imagem pública meticulosamente manejada a não se importar com o que os outros pensam. Ela continua perto do topo da pirâmide cruel das celebridades, mesmo que em seus últimos filmes, ela apenas apareça camuflada – “Malévola”, “Kung Fu Panda”. Ela é motivo de obsessão – mesmo que, nos Estados Unidos, não seja tão amada – e estabelecida na base da cultura como a “Vixen” [sem tradução exata, literalmente se trata de “raposa fêmea”, mas seria algo como ‘mulher briguenta’ ou ‘megera’] da América apesar de ter uma ninhada de seis crias saudáveis.
Apesar do apetite público por detalhes a respeito da sua vida pessoal, ter sobreposto o interesse nos filmes que ela dirigiu, Jolie leva histórias pesadas e obscuras para as telas. Três dos quatro filmes que ela dirigiu se passam em períodos de guerra, incluindo seu mais recente, “First They Killed My Father”, baseado na história real de Loung Ung, que presenciou, quando menina, o genocídio no Camboja, e que agora é uma das amigas mais próximas de Jolie.
Enquanto os primeiros filmes de Jolie receberam críticas mornas, vários críticos consagraram “First They Killed My Father” como o seu melhor até agora. O filme todo é contado em Khmer a partir do ponto de vista da garotinha, e recebeu aplausos em pé durante o Festival de Cinema de Telluride, onde aconteceu sua Premiere. A Netflix começou a transmiti-lo no dia 15 de Setembro, juntamente com alguns poucos e selecionados cinemas.
Jolie diz que não poderia ter feito o filme se não tivesse dirigido primeiramente “Na Terra de Amor e Ódio” (2011) sobre a guerra na Bósnia, e “Invencível” (2014), baseado na história real de um militar americano feito prisioneiro durante a Segunda Guerra Mundial. (Ela e Pitt estrelaram juntos como um casal em um tipo diferente de conflito no drama “À Beira Mar”, de 2015).
“Não foi um plano consciente de que eu faria filmes sobre guerra, mas foi o que eu me atraí para fazer”, disse.
Jolie tem uma conexão incrível com o Camboja, não seria para menos, uma vez que o país mudou sua vida completamente. Antes de visitar o país, no ano 2000, para filmar “Lara Croft: Tomb Raider”, ela foi uma criança crescida em Hollywood, rebelde e gótica, que apareceu no Oscar de certo ano, vestida como Elvira, a Rainha das Trevas, e beijou seu irmão na boca. Ela também pegou pesado com seu segundo marido, Billy Bob Thornton, ao usarem pingentes que continham sangue um do outro em seus pescoços.
A graça e a humildade que ela viu nas pessoas do Camboja, juntamente com os efeitos pós-genocídio, jogou fora a vida Hollywoodiana com um alívio sem arrependimentos.
“Uma vez que você é exposta para aquilo que realmente está acontecendo no mundo, e para a realidade de outras pessoas, não tem como você não saber. Você não consegue acordar e fingir que nada está acontecendo. Sua vida inteira muda,” diz ela.
Ela adotou Maddox, agora com 16 anos, em um orfanato, divorciou-se de Thornton e caiu de cabeça no trabalho humanitário e ambiental, encontrando inspiração duradoura nos sobreviventes de guerra e nos trabalhadores humanitários.
“A real vontade de sobreviver, a força do espírito humano e o amor da família humana se tornam tão presentes, e é assim que nós deveríamos viver”, diz Jolie. “Quando você tem tudo isso ao redor, é meio contagioso e você aprende com isso”.
O ar esquentava e abafava conforme ela falava e o sol já estava subindo para o meio do céu indicando um meio-dia quente. Eu estava quase derretendo, mas Jolie, que adora o calor, estava intacta como uma esfinge. (Nós logo nos encaminhamos para o clima refrigerado do ar condicionado da cozinha.)
Jolie tem uma presença contida e equilibrada, ainda assim leve, relaxando de vez em quando com algumas risadas. Ela é tão atraente como aparece nas telonas; as linhas esculpidas em seu rosto, juntamente com o desenho circulares dos seus olhos e boca fazem dela uma beleza de outro mundo. Embora leve com uma elfa, ela diz que não se exercita, além de mergulhar e nadar com seus filhos na piscina e vagamente pretendendo, algum dia, andar na esteira.
Embora ainda fosse Agosto, as crianças – Maddox; Pax (13); Zahara (12); Shiloh; Knox e sua gêmea, Vivienne – já tinham começado os estudos em casa (ensino doméstico). Eles a acompanhariam aos festivais de Telluride e Toronto – Maddox foi um dos produtores executivos no filme – e estavam compensando uma aula perdida, trabalhando com tutores por vários cantos da casa, aprendendo, entre muitas outras coisas, árabe, língua de sinais e física.
Eu perguntei a Jolie se ela já havia se sentido como a treinadora de um pequeno time e ela respondeu que quase sempre se sente parte de uma fraternidade.
“Eles me ajudam muito. Nós somos uma unidade”, ela diz. “Eles são os melhores amigos que eu já tive. Ninguém em toda a minha vida esteve comigo mais do que eles.”
A última frase jogada no ar, talvez uma possível alusão ou indicação, a Pitt, que adotou Maddox, Pax e Zahara e é o pai biológico de Shiloh, Knox e Vivienne. A dissolução da parceira romântica de 12 anos do casal aconteceu em Setembro de 2016, depois de um incidente abordo de um jato particular – supostamente envolvendo Pitt e Maddox – fazer com ela desse entrada no pedido.
Um pouco depois, Jolie e as crianças saíram da casa de Pitt e passaram a viver de aluguel durante nove meses enquanto ela lidava com a decisão de comprar, ou não, uma nova casa.
“Eu demorei meses para perceber que eu realmente teria que fazer isso. Que teria que haver outra base, independente de qualquer coisa”, disse ela, sua voz ficando mais baixa, como aconteceu todas as vezes que o assunto do divórcio surgia. “Que teríamos que ter uma casa. Outra casa”.
A nova casa, uma mansão no estilo Beaux Arts que uma vez pertenceu ao lendário cineasta Cecil B. DeMille, é linda, tem uma biblioteca, gramados ondulados, fontes com cascatas que se banham na piscina e uma vista para o Observatório Griffith. Jolie ainda construiu uma elaborada case na árvore – “está mais para uma casa na árvore ao estilo Parkour”, disse ela – e as crianças ajudaram a decorar e a escolher os móveis de toda a propriedade. Todos na casa tem um acordo, contou Jolie. Todos podem concordar com tudo, porém devem tentar aceitar caso não concordem. Se alguém for totalmente contra, isso poderá ser anulado.
“Todos nós passamos por muitos momentos,” disse Jolie sobre a casa. “É uma casa feliz. Feliz e iluminada, e nós precisamos disso”.
Eu pergunto sobre como todos estão.
“Nada disso é fácil. Está sendo muito, muito difícil. Uma situação muito dolorosa e eu apenas quero que minha família fique bem”, diz ela calmamente.
Mas, eles estão bem?
“Eles estão melhorando”, diz ela, com sua voz se aproximando da inaudibilidade.
Ela dá a entender que “First They Killed My Father” talvez tenha influenciado sua decisão de deixar Pitt. O filme se concentra nos membros da família de Ung, alguns daqueles que sobreviveram, e Jolie diz que, durante a produção do filme, pensou muito sobre o que a família em si significava e como um deveria ajudar a cuidar do outro (o filme é uma adaptação do livro escrito por Ung, publicado no ano 2000 com o mesmo nome).
“Loung teve tanto horror em sua vida, mas também muito amor e é por isso que ela está bem atualmente”, disse Jolie. “Isso é algo que eu preciso lembrar”.
Determinada a fazer o filme o mais cambojano possível, Jolie uniu forças com o diretor cambojano Rithy Panh – que recebeu uma indicação ao Oscar em 2014 pelo documentário “A Imagem que Falta” – e contratou centenas de cambojanos como figurantes. Jolie conta que Maddox lhe ajudou muito, trabalhando no roteiro, tomando notas durante as reuniões e conversando com Panh em francês. Algumas cenas foram gravadas nos locais que realmente aconteceram os massacres. Por conta disso, a equipe acabou pedindo para que os monges orassem, passassem incensos e fizessem oferendas antes das filmagens.
“Ela é muito amada lá”, contou Panh, que atuou como produtor do filme. Ele acrescentou que ficou muito impressionado com a humildade de Jolie e de como ela se comunicava intuitivamente com as crianças nos sets, apesar de seu pequeno conhecimento da língua cambojana.
Ung contou que Jolie, que possui cidadania cambojana, compartilha da sensibilidade de seus compatriotas. “No Camboja, você não fala alto, você fala gentilmente com as pessoas, você cumprimenta as pessoas com as duas mãos juntas e se curva, numa espécie de reverência”, disse Ung. “Tudo isso veio de forma natural para ela”.
Conforme a entrevista foi se desenrolando, Jolie brincou que talvez concordasse em trabalhar em uma comédia. “Eu voltarei a ficar engraçada, depois de certo ponto,” disse ela, adicionando que está trabalhando na continuação de “Malévola”, uma sequência para o conto de fadas da Disney. “Fazer este filme foi só um pouquinho divertido”, diz ela em tom de ironia.
Jolie também parece consciente de como ela pode estar sendo vista pelo público. A rainha de gelo não está mais ao lado do afável garoto de Missouri, Brad pitt (a reveladora entrevista concedida por ele para a revista GQ Style ajudou a melhorar a imagem que ele tinha para algo mais relatável). Porém, Jolie cresceu sendo uma garota punk na escola e, por issso, diz ela, já está acostumada a não se encaixar, a ser alguém que as pessoas costumam ter fortes opiniões a respeito.
“Eu nunca esperei ser alguém que todo mundo entendesse ou gostasse”, disse Jolie enquanto caminhava pela entrada de sua casa. “E está tudo bem porque eu sei e meus filhos sabem quem eu sou”.
Ela rapidamente me abraçou despedindo-se e eu fui liberada para o sol e para o calor, enquanto o pesado portão de segurança se afastava lentamente.
Fonte: The New York Times
O ensaio fotográfico foi feito pelo fotógrafo Ryan Pfluger já está há alguns dias em nossa Galeria. Confira!
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