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Angelina Jolie Solo na capa da revista Vanity Fair

26 de julho de 2017

Por Evgenia Peretz para a Vanity Fair
Tradução por Guilherme L., colaborador do Angelina Jolie Brasil

Parte I

Existe uma Angelina Jolie que agora é mãe solteira – lidando com o dia-a-dia caótico de seis filhos e com o trauma de seu divórcio com Brad Pitt – e existe uma Angelina Jolie que agora está lançando seu projeto mais recente, uma produção revolucionária da Netflix sobre o genocídio no Camboja que também é um agradecimento à nação cambojana que a transformou. Em sua nova mansão em Los Angeles, Jolie revela a tensão entre as duas Angelinas e a razão pela qual sua vida nunca vai ser normal.

Como muitas coisas envolvendo Angelina Jolie, pisar em sua casa é uma experiência tão elevada que você se pergunta se é algo real ou produto de uma cuidadosa orquestração. Os grandes portões da sua recentemente adquirida casa em Los Feliz – uma mansão no estilo Beaux-Arts de 11 mil metros quadrados que já pertenceu ao épico cineasta Cecil B. DeMille – abrem lentamente, revelando gramados ondulados e árvores exuberantes no perímetro. Ninguém está ali, e tudo está quieto com exceção de um delicado som de água em direção à piscina. Várias portas da casa estão abertas, como se estivessem posando para algum enigma de um conto de fadas – em qual delas entrar? No interior, a vibe é arejada e calma: todas as janelas abertas e cruzadas, velas não acesas e móveis suaves e maleáveis, ambos em um tom de creme claro. Finalmente ela emerge do outro lado da casa e desliza pela sala usando uma clara túnica de cor creme. Seu cabelo está solto, seus pés descalços, uma maquiagem discreta e iluminada. Ela dá um largo sorriso – uma celestial ninfa da floresta.

Mas logo que ela começa falar, você percebe que as noções pré-concebidas que você tem sobre a Jolie não são tão corretas. Ela não é uma deusa celestial. Ela não é um deus todo poderoso. Ela não é uma controladora intensa – ou pelo menos não, aparentemente. Ela mais parece, em vez disso, com uma pessoa normal, amigável, prática, e até mesmo boa para jogar conversa fora. Ela explica o acordo feito sobre sua grande mansão vazia. Ela se mudou para esse espaço apenas quatro dias atrás com seus filhos. Não foi pela história prestigiosa da casa ou por sua arquitetura. Ela precisava de um lugar bom e rápido, que fosse isolado, com muitos quartos; essa mansão, que foi avaliada por volta de 25 milhões de dólares, tem seis quartos e dez banheiros. Após o seu pedido de divórcio de Brad Pitt em setembro de 2016, ela e seus filhos ficaram nove meses morando de aluguel, basicamente vivendo com suas malas.

Dessa forma, ela ainda não tinha desfeito as malas, quase não conhecia a região, nunca teve um visitante real e não tem certeza de onde é o melhor lugar para sentar e conversar. Com essa questão em mente, ela vaga de quarto em quarto – a cozinha fabulosa, digna de um filme de Nancy Meyers, uma biblioteca cinza charmosa com aquelas escadinhas de biblioteca (seu cômodo favorito na casa), um generoso patamar de uma extensa escada ancorada por uma mesa redonda com um buquê de flores brancas. Ela finalmente se acomoda na sala de estar, cuja decoração havia sido feita rapidamente por um amigo decorador, com dois sofás creme claro e algumas almofadas. Ela olha para elas, curiosa e diz: “Eu não tinha noção de que eu precisava de almofadas. Decoração, essas coisas de casa, sempre foram coisas que o Brad fazia”. Exatamente naquele momento, seu cachorro rottweiler, Dusty, parecendo querer zombar dela, pula no sofá, encharcada de um pulo na piscina, sujando tudo. Ela suspira, entretida, enquanto tenta limpar com sua mão, mas desistindo e sentando em outro lugar.

A vida em sua casa é aparentemente assim: bagunçada, relaxada e normal. As crianças são educadas mas não de uma forma falsa. Zahara, 12, a quem Jolie descreve como a “rocha” da família, desce as escadas. “Zaz!”, Jolie chama. Elas discutem o paradeiro de todos os outros. Zahara abraça o cachorro molhado. Jolie ri e conta sobre o mergulho que Dusty havia dado. Nós nos direcionamos para a cozinha, onde Jolie se serve de uma xícara de chá. Vivienne, 9, entra com uma amiga, a qual havia dormido na casa, usando uma mochila jeans coberta de broches. Jolie a envolve em seus abraços. Eu a pergunto se ela prefere ser chamada de “Viv” ou “Vivienne”. “Qualquer um!” ela diz com um sorriso. Ela larga suas coisas no balcão e vai brincar com a amiga. Jolie pega um pedaço de cobertor, caindo aos pedaços, e explica, rindo, “Ela tem 32 cobertores. Ela é muito chegada neles e fica muito brava se você não os lava. Ela, na verdade, me disse outro dia, “Mãe, eu sinto o gosto do meu cobertor”. E eu disse, “isso, querida, é um sinal de que ele precisa muito, muito ser lavado”.

Jolie arruma as coisas de Vivienne e prontamente derruba toda a sua xícara de chá no balcão. Vamos lá fora e lá está Shiloh, 11, e Knox, 9, juntos. Shiloh, que gosta de se vestir como um menino, está usando uma jaqueta camuflada, shorts largos e tênis pretos, mesmo com o calor intenso. Knox imediatamente quer saber quando Jolie vai colocar o toboágua. “Que tal um ‘oi, mãe?'”, diz ela, com um abraço, soando como qualquer outra mãe carinhosa, porém zangada. Até agora, só há uma obra de arte pessoal – uma fotografia em preto e branco, na lareira, dos seis filhos, sorrindo e segurando seus vários animais de estimação – cachorros, répteis e roedores.

Jolie e Pitt, que estiveram juntos por 12 anos e pareciam ser o casal mais gloriosamente desenvolvido em Hollywood, se separou em setembro do ano passado. Ela pediu o divórcio de repente “pelo bem estar da família”, de acordo com seus advogados e anunciou que estaria pedindo a custódia dos seus filhos, sendo três deles adotados (Maddox, 15, pax, 13 e Zahara), e três biológicos (Shiloh, Vivienne e Knox).

As coisas estavam um pouco difíceis há um bom tempo, mas a última gota aconteceu durante uma viagem dramática em um voo privado, no qual foi reportado a ocorrência de um desentendimento físico e verbal entre Pitt e Maddox. Quando eles aterrizaram, Jolie foi para casa com seus filhos, efetivamente colocando Pitt pra fora. Não houve uma “separação consciente” – um processo comprovado para finalizar, amorosamente, um relacionamento que ficará curado e em paz. Uma ligação anônima foi feita para as autoridades. O FBI e o Serviço de Família e Crianças do Condado de Los Angeles começaram investigar Pitt por agressão contra à criança. Ele logo ficou livre disso e, posteriormente, revelou em uma entrevista à GQ Style que ele estava vivenciando a dor da quebra de sua família e admitiu ter sérios problemas com o álcool.

Existiram rumores de que ele estava tendo um caso com Marion Cotillard (negado tanto por Pitt quanto por Cotillard). Jolie antecipou-se no quesito relações públicas. Mas Pitt ganhou o coração e a cabeça das pessoas por assumir a culpa na entrevista para a GQ Style. Os dois ainda estão negociando os termos do divórcio.

Com relação à Jolie, a vida já estava transbordando – com a atuação, direção, trabalho humanitário, cuidado dos seis filhos, e com um convite para ministrar aula de direitos das mulheres na London School of Economics – tudo ficou maior e mais complicado, porque agora ela estava fazendo tudo sozinha. Além disso, existe o caos da praticidade do dia-a-dia – compromissos, consultas médicas, fazer e desfazer malas, organizar refeições. E existe o mais profundo, o caos emocional. “Tem sido um momento muito difícil e parece que só estamos subindo para pegar um pouco de ar. Essa casa foi um grande salto para nós, mas ainda estamos tentando fazer o nosso melhor para restaurar o melhor da nossa família”.

Enquanto isso acontece, o trauma pessoal coincidiu com seu filme mais pessoal até agora. Jolie dirigiu uma tocante adaptação do livro “First They Killed My Father: A Daughter of Cambodia Remembers”, lançado no ano 2000, que traz a história de Loung Ung durante o genocídio praticado pelo Khmer Vermelho. Na época, os pais de Ung e dois de seus familiares foram mortos, juntamente com uma estimativa de 2 milhões de outros cambojanos, um quarto da população do país. Gravado completamente no Camboja e na língua Khmer, o filme, original da Netflix, é a maior produção que o país já presenciou desde a guerra e de acordo com relatos de diversos cambojanos que assistiram, é uma das mais peças de arte mais reveladoras sobre esse capítulo da história do país; uma história que ainda é difícil para os cambojanos discutirem. Mas se os cambojanos consideram o filme como uma espécie de presente, então certamente é um presente de agradecimento. Para Jolie, o Camboja é onde ela começou sua família e onde ela fez uma catártica transformação pessoal, se tornando a mulher que ela é hoje.

Tente se lembrar da Angelina do final dos anos 90 – a Era da Angie Louquíssima. Especialista em personagens obscuros e voláteis, que mais pareciam extensões do seu self selvagem e infantil, Jolie ganhou três Globos de Ouro por seus papéis em filmes para televisão e um Oscar de Melhor Atriz Coadjuvante por sua interpretação de uma jovem mulher com um aparente quadro de sociopatia em “Garota, Interrompida”. Ela falou livremente sobre ter se envolvido com heroína e automutilação, e seu amor por facas. Ela e seu novo marido Billy Bob Thornton usaram frascos com o sangue um do outro como pingentes de colares e publicamente se gabaram de seu sexo selvagem. Na cerimônia do Oscar de 2000, ela provocativamente falou sobre estar “tão apaixonada” por seu irmão, James, e o beijou com uma intimidade perturbadora. Para ter certeza, Jolie tinha uma dor legítima em seus anos de juventude – seu pai, o ator Jon Voight, tinha sido infiel com sua mãe, Marcheline Bertrand, e os dois se separaram cedo. Mas foi uma ‘Dor de Primeiro Mundo’.

Ser a nova “It girl” de Hollywood ajudou Jolie a conseguir o papel principal em “Lara Croft: Tomb Raider”, baseado no popular jogo de videogame homônimo. Conforme isso acontecia, o filme – um exemplo de filmes de Hollywood vazios, comerciais e gravados por instinto – foi gravado no Camboja. Lá, Jolie, que cresceu em uma bolha privilegiada em Los Angeles e Nova Iorque, presenciou o que era o real sofrimento: pobreza, a perda de membros por minas terrestres, uma geração de parentes desaparecidos. Neste mundo não havia espaço para mal estares instáveis ou indagações alto indulgentes. E, apesar de provas profundas, “Eu encontrei um povo tão amável, caloroso, aberto, e, sim, muito complexo”, se lembra Jolie. “Você dirige por lá e vê pessoas com muitas coisas, mas nem sempre expressando felicidade. Você vai lá e vê famílias saírem com seus cobertores e suas cestas de piquenique para assistir ao pôr-do-sol”.

Ela, repentinamente, se tornou curiosa sobre o mundo – começando com o país em que ela se encontrava. Um dia, na cidade de Siem Reap, no Camboja, ela comprou um livro que estava sendo vendido na estrada por 2 dólares: o memorial escrito por Loung Ung. Esse foi um dos fatores que inspirou Jolie a achar um propósito maior. Em 2001, equipando-se com todo o conhecimento que ela podia, ela contatou as Nações Unidas e eventualmente se tornou Embaixadora da Boa Vontade do Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados. Em uma de suas primeiras missões pela ONU, em 2002, ela voltou ao Camboja para se encontrar com trabalhadores não governamentais que estavam lidando com problemas de minas terrestres. Junto deles estava Ung, a autora do livro que a transformou, que havia se mudado para a América desde a guerra mas havia passado sua vida adulta trabalhando com problemas no Camboja. Ela nunca havia assistido um filme de Angelina Jolie, mas Jolie certamente não estava parecendo uma estrela de cinema. “Ela era apenas um ser humano muito legal”, se lembra Ung, “e ela não se importava em se sujar”.

Ela e Jolie rapidamente viraram amigas e fizeram um plano de viajar juntas para uma parte do Camboja repleta de minas terrestres, na qual Ung não havia estado desde a guerra. Assim, começaram uma sequência do que soaria como se fosse algo escrito para um filme – mas não era. Elas se encontraram com vários desarmadores de minas, viajaram em motocicletas, só com uma lanterna, papel higiênico extra e como suprimentos, quando as chuvas de monções começaram. Encharcadas, elas descansavam em redes. Antes de dormir, Jolie percebeu que ela já tinha confiança em Ung o bastante para perguntar algo pessoal, algo grande e que ela estava pensando – sobre adotar um órfão cambojano. “Eu a perguntei se, para ela, como uma órfã cambojana, seria uma ofensa alguém de fora, como eu, [fazer isso], ou se seria algo legal”, se lembra Jolie. Ung apoiou de todo o coração. “Angie era maternal com todos ao seu redor, não só crianças, mas adultos também. Eu queria ela ME adotasse”, disse Ung. “Eu virei órfã aos oito anos de idade, então eu acho que, quando você passa por experiências como essa, há sempre uma parte de você que anseia por ter figuras paternais em sua vida”. Jolie disse que o entusiasmo de Ung pela ideia de ela adotar foi um fator decisivo. Se ela tivesse respondido diferentemente, explica Jolie, “poderia ter mudado minha decisão. Poderia ter sido muito difícil para mim.” Ung tem estado na vida de Jolie desde então e agora ela é uma de suas amigas mais próximas.

Jolie imediatamente iniciou o processo de adoção. Alguns meses depois, ela visitou um orfanato na cidade provincial de Battambang, prometendo que ela só queria um e que não passearia pelo local. Mas Jolie teve dificuldade conforme visitava os quartos, conhecendo as crianças. “Eu não sentia uma conexão com nenhuma delas”, ela se lembra. “Então eles disseram, ‘só tem mais um bebê'”. O bebê Maddox estava dormindo em uma caixinha que se pendurava pelo teto. Ela olhou pra ele. Ele olhou pra ela. “Eu só chorava e chorava”, ela se lembra.

Parte II

E assim, começou um projeto de 15 anos, através do qual Jolie se transformou, expandiu seu mundo, sua família, sua carreira e sua imagem. Ela comprou uma casa no Camboja e se tornou cidadã do país. Em 2003, ela iniciou um projeto que se tornou a atual Fundação Maddox Jolie-Pitt, que tem como objetivo principal a conservação ambiental do Camboja, a saúde, a educação e a infraestrutura do país. Ela intensificou seu trabalho com a ONU, participou de uma duzia de missões de campo, visitando lugares arriscados como a Serra Leoa, Afeganistão, Iraque, Bosnia e Haiti (até o momento, ela já esteve em mais de 60 missões). Na época, ela se divorciou de Billy Bob Thornton, pois ele não compreendia sua nova paixão. Ela adotou sua segunda criança, Zahara, na Etiópia.

Em 2004, ela conheceu Pitt nos sets de gravações do filme “Sr. & Sra. Smith”, quando ele ainda era casado com a atriz Jennifer Aniston. Para Jolie, o fato de, posteriormente, começar a namorar Pitt – até então, menino de ouro de Hollywood – fez com que ela fosse lançada para um outro nível de fama. Apesar de Jolie afirmar que os dois não se envolveram romanticamente até que Pitt efetivamente se separasse de Aniston, o casal não desperdiçou tempo ao exibir o romance nas páginas da revista W, que publicou uma matéria de 32 páginas, dos dois juntos em uma casa, fingindo ser um casal com cinco filhos. Aniston ficou devastada. Para Pitt, namorar Jolie significou fazer as coisas do jeito dela, pelo menos no começo. Ele marcou o início de sua própria vida filantrópica – na África, no Haiti e em Nova Orleans – ele adotou formalmente, Maddox e Zahara, e convenceu Jolie a ter filhos biológicos. Ela deu à luz a Shiloh em 2006, na Namíbia, e em seguida, vieram os gêmeos, Vivienne e Knox, em 2008. No meio disso, eles adotaram Pax, na época com 3 anos de idade, no Vietnã. Eles compraram mais casas – na França, Espanha, Nova Iorque e Nova Orleans. Enquanto Pitt, como produtor, lançava filmes de prestígio um após o outro (“Moonlight: Sob a Luz do Luar”, “Árvore da Vida”, “O Homem que Mudou o Jogo”, “Doze Anos de Escravidão), Jolie se arriscou na direção – com o longa “Na Terra de Amor e Ódio”, que aborda a guerra da Bósnia e que foi inspirado no trabalho com a ONU que ela fez por lá.

Juntos, eles pareciam imparáveis, os cidadãos vivos mais criativos do planeta. Nada parecia fora de alcance para eles. Eles viajaram ao redor do mundo como um clã nômade de 8 pessoas, fazendo arte, fazendo o bem e criando lares onde quer que estivessem. Eles se casaram em 2014, principalmente, porque as crianças queriam. Eles tinham condições de levar tutores para as crianças onde quer que eles fossem. Mas o conceito de educação de Jolie significava imersão no mundo real, para trazer uma compreensão de que “algo pequeno faz parte de algo muito maior”. Por um tempo, tudo funcionou lindamente.

Em 2012, Jolie tinha, recentemente, terminado de dirigir “Na Terra de Amor e Ódio”. Ela queria que seu próximo projeto fosse algo muito significativo e naquela momento, ela já tinha conhecido a história de Ung há uma década. Na época, elas tinham um rascunho completo do roteiro, mas a chance de Jolie dirigir “Invencível”- uma história baseada no livro best-seller escrito por Laura Hillenbrand – apareceu e elas deixaram o projeto de “First They Killed My Father” de lado. Depois de um tempo, Maddox, que já conhecia a história da “Tia Loung”, resolveu desengavetar o projeto. “Ele foi a pessoa que disse, ‘está na hora de lançá-lo”‘, disse Jolie. Ela sabia que Maddox ficaria profundamente envolvido com a produção e que ele estaria lá “observando os horrores que seus compatriotas fizeram uns aos outros. E [para isso] ele tinha que estar pronto”.

Então, Jolie e Ung mergulharam novamente no projeto. Colocaram Maddox como produtor executivo do filme, depois dele ler rascunho atrás de rascunho e fazer comentários. Jolie levou a ideia para a Netflix, onde o diretor criativo, Ted Sarandos, assinou sem hesitação. “Na sala, ela mostrou uma experiência visual do que este filme poderia ser”, lembra Sarandos. “O filme fala, de muitas maneiras, sobre a morte de algo belo, sobre o modo como o Khmer Vermelho matou todas as coisas lindas e coloridas que faziam parte da alegria de vida dos cambojanos… foi o que me convenceu mais do que qualquer outra coisa”.

Apesar dos laços cambojanos de Jolie, ela sentiu que precisava da ajuda de um cineasta cambojano para auxiliar na condução do projeto. Então, ela foi até Rithy Panh, um dos cineastas mais famosos do Camboja, que havia perdido membros de sua família no genocídio e que já havia abordado o Khmer Vermelho em vários documentários, incluindo “A Imagem que Falta”, nomeado ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro em 2014. Jolie e Panh chegaram à conclusão de que o filme só poderia ser feito se o Camboja concordasse – e esta não era uma conclusão inevitável já que os cambojanos ainda não lidam muito bem com esta dolorosa história (o filme “Gritos do Silêncio”, dirigido por Roland Joffé sobre o Khmer Vermelho lançado em 1984, teve que ser gravado na Tailândia e em outros países). Os tribunais de guerra, iniciados em 2009 e que ainda estão em funcionamento, ajudaram a resgatar o assunto. Ainda assim, Jolie foi trepidando e se aproximou cautelosamente dos ministros da cultura do Camboja, para explicar que o filme não contaria apenas a história de Ung, mas também a história do povo cambojano. No entanto, foi o histórico cambojano de Jolie que fez diferença, disse Ung. “Em um país como o Camboja, o respeito é algo muito presado – o respeito pelo outro, o respeito pela cultura, o respeito pela história e o respeito pelos mais velhos. Angie caminha pelo Camboja com esse respeito.”

O Camboja parou. A cidade de Battambang ficou fechada por dias. Os cineastas receberam permissões para visitar zonas remotas do país e governo disponibilizou 500 funcionários do exercito nacional atual para interpretar o papel do Khmer Vermelho. “Não é algo muito poético de se dizer, mas este filme foi feito para o Camboja,” disse Jolie. Cerca de 3.500 cambojanos participaram no elenco e na equipe do longa.

Para selecionar as crianças que iriam participar do filme, Jolie visitou orfanatos, praças e escolas para escolher, especificamente, crianças que já tinham passado por dificuldades. A fim de encontrar a atriz que faria o papel principal da jovem Loung Ung, os diretores de elenco criaram um jogo um pouco perturbador de realidade: eles colocaram dinheiro em uma mesa e pediram para que as crianças pensassem em algo que precisavam comprar; em seguida, as crianças tinham que pegar o dinheiro. O diretor de elenco, então, que fingia não saber o que estava acontecendo e pegava a criança no flagra. “Srey Moch [a garota que, no final, foi selecionada para o papel] foi a única criança que ficou olhando para o dinheiro durante um longo tempo”, contou Jolie, “Quando ela foi forçada a devolver, ela ficou muito emocionada. Muitas emoções diferentes começaram a vir à tona,” contou Jolie com os olhos mareados. “Quando perguntaram a ela porque ela queria o dinheiro, ela disse que seu avô tinha morrido e que sua família não tinha dinheiro suficiente para um bom funeral”.

Essa conexão autentica com a dor foi despertada em todos os envolvidos, contou Jolie, fazendo com que a gravação do filme se tornasse algo que ela nunca tinha visto antes. “Não havia uma pessoa trabalhando no filme que não tinha uma conexão pessoal com a história. As pessoas não estavam indo lá apenas para trabalhar. Elas estavam caminhando em êxodo pelos familiares que tinham perdido e por respeito a eles; as pessoas iam até o set para recriar suas histórias… Isso completou todos de alguma forma.” Alguns tiveram flashbacks e pesadelos. Por esta razão, um terapeuta estava presente no set todos os dias. E também, tinha alguns espectadores que não tinham consciência de que um filme estava sendo feito e que ainda estavam traumatizados. Em uma cena, lembra Jolie, “quando o Khmer Vermelho caminhava sobre uma ponte, algumas pessoas de fora que estavam assistindo a cena, caíram de joelhos e choraram. Elas ficaram horrorizadas por ver eles novamente.”

Por conta do tamanho e da complexidade da produção, um diretor de Hollywood diferente poderia ter, conscientemente ou não, usado seu poder de uma maneira que poderia parecer grosseira. De acordo com Ung e Panh, Jolie conhecia o Camboja tão bem que ela internalizou os traços característicos do país. No almoço, ela esperava na fila, assim como todo mundo, lembra Panh, e ela nunca levantava a voz. “Aqui nós não gritamos. Nós conversamos,” disse ele. No Camboja, gritar não é apenas desrespeitoso – é também considerado um sinal de fraqueza.

Muitos olhos se voltaram para Maddox, que no Camboja é tão famoso quanto Jolie. “Foi uma forma dele refazer os passos que, provavelmente, seus pais biológicos, fizeram”, disse Jolie, que não tinha certeza de como ele iria reagir à experiência. Ele iria se conectar? Ele iria querer fugir? Jolie ficou emocionada durante um dia de filmagens quando ela ouviu Maddox dizer, “Posso dormir na minha casa com os meus amigos?”, referindo-se a uma casa na selva que ela comprou em 2002. Eu não tinha ouvido ele se referir a isso dessa maneira. Você não pode forçar. Você não pode dizer, ‘isso não é ótimo?’, você meio que tem que continuar trazendo-os, colocando-os de frente com a situação… e esperar que eles encontrem o orgulho e conforto.”. Jolie considera o esforço de conectar Maddox com sua terra natal – assim como ela faz com Zahara na Etiópia e Pax no Vietnã – um esforço familiar, não individual. Com isso em mente, enquanto Pitt estava no Oriente Médio trabalhando no filme “War Machine”, os outros cinco filhos do casal também foram para o Camboja e desempenharam algum papel, oficial ou não, no novo filme da mãe. Pax fez as fotografias oficiais do filme. Os outros quatro também estiveram presentes nos sets todos os dias e ficaram amigos das crianças que estavam atuando no longa.

Em fevereiro, o filme foi exibido para um público de 1.000 pessoas em um cinema ao ar livre construído temporariamente no complexo do templo de Angkor Wat. De acordo com inúmeros relatos, a exibição estava repleta de lágrimas de reconhecimento, de lembranças e de catarses. O que emocionou Jolie, talvez mais do que qualquer outra coisa, foi que “o povo cambojano esteve em uma grande estreia do filme. Eles assistiram um filme do qual participaram. Eles assistiram os atores cambojanos fazendo um grande trabalho e viram seu país sendo mostrado de uma linda forma, mesmo com todos os horrores da história”.

Parte III

Infelizmente, enquanto ela gravava a história cinematográfica de um país, sua relação com Pitt estava padecendo. Quando “First They Killed My Father” estava em pós-produção, no verão de 2016, “as coisas pioraram”, disse Jolie. “Eu não queria usar essa palavra… As coisas ficaram ‘difíceis'”. Houve uma conversa em Hollywood de que o seu estilo de vida causou impacto em Pitt e que ele estava querendo uma vida mais estável e normal para toda a família. Quando eu trouxe essa questão para ela, foi o momento em que Jolie ficou um pouco na defensiva. “[O nosso estilo de vida] não era de forma alguma negativo”, diz ela, rápida e inflexivelmente. “Esse não era o problema. Isso é e vai continuar sendo uma das maravilhosas oportunidades que nós podemos dar para nossos filhos. Eles são seis indivíduos de mentalidades fortes, pensativos e do mundo. Eu tenho muito orgulho deles.” Jolie deu a entender que, pelo bem das crianças, ela não quer falar sobre o término. E ainda assim, parece que ela quer dar seu ponto de vista, o que exige uma escolha cuidadosa de palavras, sendo algo muito arriscado. “Eles têm sido muito corajosos. Eles foram muito corajosos.”

Corajosos quando?

“Nos momentos em que precisaram ser.” Mais uma de suas declarações enigmáticas. “Nós todos estamos nos recuperando de eventos que levaram ao divórcio… Eles não estão se curando do divórcio em si. Eles estão se curando de algumas… da vida, de coisas da vida.”

Eu então falo sobre o reconhecimento da culpa de Pitt na entrevista à GQ Style. Isso a surpreendeu? “Não,” ela responde, impassível. Eu menciono os tabloides que dizem que a comunicação ente os dois melhorou e pergunto se isso é verdade. Há uma longa pausa. Ela olha para baixo, formulando uma resposta. “Nós nos importamos um com o outro e nos importamos com nossa família, e ambos estamos trabalhando para atingirmos o mesmo objetivo.” Há raiva e dor embaixo dessa superfície. Mas ela está tentando manter as emoções sob controle. “Eu sempre ficava muito preocupada com minha mãe, enquanto eu crescia – muito. Eu não queria que meus filhos se preocupassem comigo. Eu acho que é muito importante chorar no chuveiro e não na frente deles. Eles precisam saber que tudo vai ficar bem, mesmo quando você não tem certeza que vai.”

Sua proteção pelas crianças se tornou mais forte devido aos recentes indícios de câncer de ovário; a doença levou a vida de sua mãe quando ela tinha apenas 56, assim como outras integrantes da família. Em 2013, em um artigo publicado no jornal “New York Times”, Jolie relatou sua decisão de realizar uma dupla mastectomia preventiva e reconstrução de mama, depois de descobrir que possuía uma mutação no gene BRCA1. Dois anos depois, enquanto trabalhava na edição do filme “À Beira Mar”, ela recebeu uma ligação do médico dizendo que ele estava preocupado com alguns dados de seu exame de sangue de rotina que podiam indicar um câncer. “Dez minutos depois, o quarto girava, e eu só pensava, como…?”. Ela escondeu a informação das crianças, fez mais exames e esperou por alguns agoniantes dias. Quando ela finalmente recebeu a informação de que não tinha câncer, “eu caí de joelhos”. Então ela decidiu retirar os ovários. “Eu entrei na sala de cirurgia muito feliz. Saltitante. Porque, naquele, momento era só por prevenção.” E, instantaneamente, ela entrou na menopausa.

Ano passado, juntamente com hipertensão, Jolie desenvolveu Paralisia de Bell, uma paralisia do nervo facial que resulta na inabilidade de controlar os músculos faciais no lado afetado, o que fez com que um lado do seu rosto caísse. “Às vezes, as mulheres das famílias se colocam em último lugar”, disse ela, “até que isso acaba se manifestando em sua própria saúde.” Jolie dá créditos à acupuntura pela recuperação total do quadro.

Mais tarde, sua pele se tornou mais seca, ela relata, e ela ganhou alguns cabelos brancos a mais. Ela diz: “Eu não sei se foi por conta da menopausa ou se foi graças ao ano que eu tive”. A ideia de que ela ainda poderia ser a representação de um “sex symbol” para alguém a faz rir. Mas ela diz, “Eu, na verdade, me sinto mais mulher agora porque eu sinto como se estivesse sendo sábia nas minhas escolhas e estou colocando minha família em primeiro lugar; estou no controle da minha vida e da minha saúde. Eu acho que é ISSO o que faz uma mulher completa.”

Além de divulgar “First They Killed My Father”, na Netflix este mês, Jolie não tem interesse em trabalhar em outro filme neste momento em particular – sua vida não tem espaço para isso. No momento, “eu só quero fazer um café da manhã decente e deixar a casa em ordem. É minha paixão. A pedido dos meus filhos, estou tendo aulas de culinária. À noite, quando vou dormir, eu penso, eu fiz um ótimo trabalho como mãe ou foi só um dia razoável?” (mas há rumores de que ela estaria negociando estrelar o remake de Bill Condon em “A Noiva de Frankenstein”, filme de 1935).

Ela se reconectou com seu pai, de quem ela havia se afastado. “Ele tem sido muito bom em compreender que eles precisam de um avô neste momento. Eu tive uma sessão de terapia na noite passada e ele ficou aqui. Ele meio que sabe a regra – não faça com que eles brinquem com você. Só seja um vovô legal e criativo, que passa tempo junto e conta histórias e lê livros na biblioteca.”

Sua principal fonte de conforto tem sido Ung. “Ela é aquela amiga que enrolou as mangas, entrou no avião e me ajudou na manhã de Natal”, conta Jolie. “Ela tem sido minha amiga mais próxima. Eu chorei nos ombros dela.”

Amanhã, Jolie e seus filhos viajam para a África. Eles visitarão a Namíbia, onde Shiloh nasceu, e o Quênia, onde Jolie vai conferir um projeto relacionado à Iniciativa de Prevenção à Violência Sexual, um órgão que ela co-fundou com o ex-secretário britânico William Hague. Especificamente, militares britânicos e pacificadores estarão recebendo treinamento de como proteger mulheres da violência sexual em zonas de conflito. Não é o itinerário dos sonhos de uma criança e Jolie admite que ela está começando a tentar impulsionar os mais velhos. “Eu tenho consciência de que os meninos são adolescentes e que, talvez, eles prefiram ficar assistindo TV com seus amigos; eles já estiveram na África e por isso, talvez não fiquem tão animados quanto os menores. Mas eles não me desafiam. Eles meio que só sentam na beira da minha cama e perguntam, ‘O que vamos fazer lá?'”. Ela garante que tinha planejado atividades divertidas para eles, como sandboarding. De qualquer forma, “eles sabem que é importante, e eles sabem que a mamãe pensa que vai ser importante para eles quando crescerem.”

Ela sabe que soa um pouco estranho, mas Jolie não consegue controlar quem ela é. “Eu nunca acordei e pensei, eu realmente quero uma vida completa. Eu não consigo! É igual eu não conseguir fazer uma caçarola. Eu não consigo ficar parada.” De toda a conversa anterior sobre estar interessada em manter a casa em ordem, agora, conforme a conversa muda para a África, ela está ansiosa e desesperada para partir. “Eu venho tentando, por nove meses, ser muito boa em ser uma dona de casa, em limpar cocô de cachorro, lavar a louça e ler historinhas na hora de dormir. E eu estou melhorando nessas três coisas. Mas agora eu preciso calçar minhas botas e ir, viajar.” Ela acredita que sua vontade pessoal é infectante. Outro dia ela fez uma piada para Knox sobre as normas do que é ‘”fingir ser normal”. “Ele me disse, ‘quem quer ser normal? Nós não somos normais. Nunca seremos normais.’ Obrigada-sim! Nós não somos normais. Vamos abraçar os seres não normais!”.

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