Aos 40 anos, Jolie conta como foi escrever “À Beira Mar”
8 de novembro de 2015
“Escrevi o roteiro logo após a morte dela, foi uma libertação para mim”, diz Angelina Jolie, referindo-se a seu filme mais íntimo e à perda da mãe, Marcheline Bertrand, aos 56 anos, por conta de um câncer no ovário, em 2007. Além de ter escrito a história, a atriz de 40 anos também dirige e protagoniza “À beira-mar”, seu terceiro longa-metragem, que estreia no próximo dia 13 nos Estados Unidos e chega aos cinemas brasileiros em 3 de dezembro.
— Assim como Vanessa (a protagonista), mamãe foi uma mulher que não realizou seus sonhos. Ela estudou para ser atriz, mas se casou com meu pai (o ator Jon Voight, hoje com 76 anos) antes de fazer 20 anos e, aos 25, se viu criando, sozinha, dois filhos — conta. — Fiquei pensando na mulher que ela seria se não tivesse tido filhos. E também na traição do corpo, no câncer que a levou. Essas duas informações se manifestaram enquanto eu escrevia, com os personagens centrais aprendendo a se tornar pessoas mais gentis com as inevitáveis perdas da vida.
Em algumas das cenas mais bonitas do filme, a atriz aparece com os seios de fora, pouco depois de ter se submetido a uma mastectomia, cujo objetivo era prevenir-se contra o câncer:
— Quando fiz a cirurgia, pensei, é claro, que, se de fato conseguíssemos tirar “À Beira Mar” do papel, eu teria de mostrar meu corpo para as câmeras. Mas me recusei a fazer ajustes por conta disso. Espero que seja bom para as espectadoras serem informadas de que mostro meus seios no filme após ter feito a mastectomia. E que me sinto muito mulher, que o resultado final pode ser bom. Este acabou se tornando um aspecto muito importante do filme para mim.
Equiparação de salários em Hollywood
Celebrada por seu trabalho ao lado da ONU em defesa de refugiados — na última década, ela visitou mais de 40 campos nos quatro cantos do planeta —, a diretora se debruçou anteriormente sobre a guerra civil na antiga Iugoslávia, com o documentário “A place in time” e o longa de ficção “Na terra de amor e ódio”, e sobre a trajetória do atleta olímpico, herói de guerra e líder pacifista americano Louis Zamperini (1917-2014) com “Invencível”. O próximo filme que dirige, com previsão de estreia para o ano que vem, é um drama histórico passado no Camboja durante o regime de terror do Khmer Vermelho. “À beira- mar” é, portanto, seu filme mais feminino.
— Penso muito sobre as questões das mulheres, mas de uma forma mais ampla, mais global, o que acaba se refletindo na temática dos meus filmes — ele diz. — Hoje se fala em Hollywood sobre a equiparação do salário das mulheres aos dos homens e gostaria muito de ver as coisas mudando mais no mundo do cinema, mas não podemos esquecer que há países em que mulheres não podem sequer dirigir carros. Meu foco, naturalmente, acaba voltado para esse tipo de discriminação, para a realidade que, inevitavelmente, ultrapassa os limites da indústria cultural.
Quando escreveu o roteiro, ela ainda não era, tecnicamente, casada com Brad Pitt. E sua vida mudou radicalmente nos quase sete anos em que o projeto ficou adormecido na gaveta de seu escritório. Desde então, teve três filhos e adotou outros três. Angelina lembra que estava sentada no carro, a caminho do hotel onde recebeu O GLOBO, no limite sudoeste do Central Park, quando ela e Pitt se disseram mais ou menos as mesmas palavras: “importa menos se nosso filme for um sucesso ou um fracasso do que o fato de termos conseguido levar esta história para o cinema”. O longa traz o casal mais famoso de Hollywood na pele de artistas nova-iorquinos que, em crise conjugal, viajam de férias para um bucólico balneário francês dos anos 1970.
Por um motivo que só é revelado no final do filme, Roland e Vanessa vivem o pior momento de sua década e meia de casamento, às voltas com a depressão, o uso do álcool como muleta emocional, bloqueios criativos e a impossibilidade de uma vida sexual saudável. Realidade diametralmente oposta à de um casal francês em lua de mel no mesmo hotel e decidido a celebrar a vida em alto e bom som. O filme começa a tomar corpo justamente quando Vanessa descobre um buraco que a permite espionar a vida dos jovens recém-casados do quarto ao lado.
— Quando leram o roteiro, amigos me disseram que havia ali um paralelo com o desejo dos paparazzi de quererem observar minha vida com o Brad por um buraco de fechadura. Isso nunca passou pela minha cabeça enquanto escrevia, mas faz sentido. E outro dia alguém me chamou a atenção para o fato de nos filmes que dirigi haver sempre uma mulher presa a um aposento claustrofóbico, hostil. Talvez isso revele um pouco da percepção que tenho de minha própria falta de liberdade de movimento, por motivos óbvios — especula.
O jogo de espelhos de “À beira-mar” não se esgota no voyeurismo de Vanessa, gatilho para a conclusão da história. As filmagens se deram logo após a atriz se tornar oficialmente Angelina Jolie-Pitt, durante a lua de mel do próprio casal, cujo endereço principal é a França, onde criam os seis filhos, presenças constantes no set.
— Eu jamais faria este filme com outro ator. Em determinados dias, nossos personagens precisavam se odiar e não podíamos melhorar o clima até encerrar as filmagens. Éramos nós atuando, claro, mas também éramos eu e meu marido. Não tenho dúvida de que, em alguns momentos, estar naquele quarto de hotel não foi o mais saudável para nosso casamento, mas a habilidade de superar os obstáculos, as tensões, e de apreciar o resultado final nos deixou ainda mais conectados.
O “projeto mais insano”, segundo Pitt
Doze anos mais velho do que a mulher, Pitt afirmou que este foi muito provavelmente o projeto mais insano do qual participou em sua longa carreira no cinema americano. Sua trajetória inclui o outro filme em que os dois viveram um casal, a comedia de ação “Sr. & Sra. Smith” de 2005, quando eles se conheceram e decidiram viver juntos. Na ocasião, Pitt era casado com a atriz Jennifer Aniston.
Em “À Beira Mar”, Jolie reafirma o apuro na escolha do elenco demonstrado em seus filmes anteriores ao escalar o veterano Niels Arestrup (de “O Profeta”) como o viúvo Michel, o dono do bar do balneário, além de Mélanie Laurent (de “Bastardos Inglórios”) e Melvil Popaud como o jovem casal do quarto ao lado.
As primeiras não foram positivas. Há momentos em que a fotografia, as tomadas e até a música intensificam a sensação de se estar diante de um pastiche do cinema de arte europeu, como apontado pela revista “Hollywood Reporter”. A “Variety” foi dura ao reduzir o filme a um “projeto de vaidade pessoal que não consegue transformar sua beleza inerte em virtude”. Menos ácido, o britânico “Guardian” apresenta o filme como um exercício mal-disfarçado de narcisismo de dois dos mais rentáveis nomes do cinema americano, mas também o classifica como uma “anomalia de fascínio mediano” na massificada produção de Hollywood.
Entrevista por Eduardo Graça
Fonte: O Globo
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