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[Entrevista] Angelina Jolie: A Mulher do Ano

12 de novembro de 2014

Ela é uma mãe de seis filhos recém casada, uma superstar com leves traços de diva; uma mulher que testemunha as terríveis coisas que as pessoas fazem enquanto continua a celebrar o espírito humano. Defendendo os refugiados ou dirigindo seu novo filme épico de sobrevivência que se passa durante a Segunda Guerra Mundial, “Invencível” (Unbroken), Angelina Jolie deixou que Janine Di Giovanni lhe acompanhasse ao redor do mundo, enquanto conversavam sobre filhos, casamento, guerra e sobre o herói que ela perdeu.

Sydney, Austrália
Dezembro de 2013

Em um cedo e ensolarado dia na Ilha Cockatoo, uma mulher magra usando um chapéu está parada no meio de um empoeirado set de filmagens. Com uma mão protegendo seus olhos, ela encara um céu nublado. Ela espera que uma formação de nuvens passe. “O pára quedas continua aterrizando no local errado”, murmura ela, meio que para si mesma, meio que para um grupo de pessoas que se encontra próximo. “Nós iremos fazer mais algumas tomadas, esperando que o pára quedas aterrize.”

Na verdade, a mulher que está vestindo jeans preto e usando botas sujas de lama é Angelina Jolie. No momento, ela está cercada por uma legião de homens com barbas de aparência rude que também usam botas pesadas e que estão vestindo shorts – australianos contratados para trabalhar nos sets. Ao lado, os câmeras e uma duzia de atores que, em um primeiro momento, parecem penosamente magros. “Nós contratamos vários caras magros”, explicou Jolie, com ar de brincadeira. Esses figurantes foram contratados para interpretar o papel dos prisioneiros de guerra que ficaram reclusos em um acampamento japonês próximo a Tóquio durante a Segunda Guerra Mundial. Na cena, eles estão esperando por comida, enquanto leem jornais sobre a guerra. Eles parecem estar famintos, com raiva e ansiosos.

Jolie, abrigada nesta ilha do porto de Sydney, está dirigindo “Unbroken”, filme baseado no livro escrito por Laura Hillenbrand que se tornou best seller e que é uma biografia de Louis Zamperini, um garoto americano briguento filho de italianos que se tornou atleta olímpico, que se tornou bombardeiro durante a Segunda Guerra Mundial e que se tornou herói. Zamperini, que é interpretado pelo ator britânico Jack O’Connel, sofreu um acidente aéreo e caiu no Oceano Pacífico no ano de 1943. Ele passou 47 dias perdido no mar, à deriva em um bote salva vidas – e foi presumidamente dado como morto pelas autoridades dos Estados Unidos – antes de ser pego pelos japoneses. Ele sofreu castigos praticamente insuportáveis durante os dois anos seguintes, até que, no final da guerra, foi finalmente solto.

Durante a produção de “Unbroken” Jolie e Zamperini, que morreu com 97 anos no mês de Julho deste ano, se tornaram incrivelmente próximos. “Ele era meio como uma figura paterna”, disse a diretora de 39 anos. “O que eu adorava em Louis era o fato de que ele era uma pessoa muito comum. Ele não era o mais alto, nem o mais bonito, ou o mais confiante. Ele foi muito bagunceiro quando era mais novo”. Ela faz uma pausa. “Mas a mensagem principal [do filme] é sobre como você escolhe viver sua vida e que existe grandeza em todas as pessoas”.

Agora, Jolie esta filmando as cenas que retratam os dias mais brutais. Devido às duras realidades que o filme explora, a atmosfera nos sets é subjugada e até mesmo sombria. Os caras magros parecem assombrados. Nos trailers, é possível ver que os atores principais também entraram de cabeça nos personagens.

Na vida real, o vilão de Louis Zamperini foi um sargento japonês chamado Mutsuhiro Watanabe. Para interpretar o papel dele, Jolie escolheu Miyavi, um impressionante pop star japonês (cujo nome real é Takamasa Ishihara). Miyavi, de 33 anos, lembra que foi Jolie que o encorajou a entrar na mente do sargento. E ele conseguiu isso de tamanha forma que depois de filmar uma cena particularmente intensa para o filme – na qual ele tinha que bater em Zamperini – ele conta que sentiu tanta repulsa física que acabou vomitando. “Foi uma terrível tortura para mim, odiar os outros atores – eu tinha que sentir raiva deles. Quando eu tinha que bater neles, eu tinha que pensar em algo como se eu estive protegendo minha família. Ao mesmo tempo, eu não queria ser apenas um vilão. Eu queria colocar humanidade neste papel. [Mutsuhiro] foi louco e sádico mas ao mesmo tempo fraco e traumatizado”. Quando Miyavi conheceu Jolie em Tóquio (“em uma balada!”, disse ele como se fosse uma piada), ele não estava convencido de que ele daria conta do papel. “É uma história que ainda é dolorosa para o meu país. Mas ela me disse que gostaria de fazer uma “ligação” entre todos os países que estiveram em conflito. Ela foi muito persuasiva”. Ainda assim, ele confessa, depois de filmar uma das cenas de tortura mais violentas do filme, “Eu não conseguia parar de chorar”.

“Unbroken”, como se pode ver, é um filme de 65 milhões de dólares com ambições ao Oscar (Joel e Ethan Coen trabalharam exaustivamente no roteiro). É um filme completamente diferente do primeiro filme dirigido por Jolie, “Na Terra de Amor e Ódio”. O filme de 2011 – mesmo surpreendente e poderoso – foi muito mais discreto e estava muito mais longe de Hollywood. “Unbroken, na verdade, parece algo que Clint Eastwood poderia ter concebido entre seus dois filmes sobre a Segunda Guerra Mundial, “A Conquista da Honra” e “Cartas de Iwo Jima”. (Eastwood dirigiu Jolie em uma de suas melhores performances em “A Troca”). Jolie, entretanto, diz que não se inspirou tanto em Eastwood, mas sim no filme de 1965, “The Hill” – um drama de guerra, estrelado por Sean Connery e dirigido por Sidney Lumet, que se passa em uma prisão militar britânica no norte da África.

Não foi muito difícil para Jolie, assumir a história complexa e politicamente diferenciada de “Unbroken”. Conflitos, batalhas, traumas provocados pela guerra são temas familiares para ela, que é também Enviada Especial do Alto Comissariado da ONU para os Refugiados (UNHCR). Ela percorre os mesmos empoeirados e perigosos caminhos que os trabalhadores humanitários, médicos e correspondentes estrangeiros percorrem. Nesses locais, não existe tapete vermelho nem vestidos de Donatella Versace. Seu trabalho, ao contrário, é o de divulgar a campanha de defesa aos refugiados proposta pela UNHCR e envolver-se em um alto nível de mediações em complexas situações de emergência. É uma grande função. Nos passados 14 anos, começando como Embaixadora da Boa Vontade, ela esteve em mais de 50 missões, que se tornam grande parte de sua vida. Ela fica sentada no chão por horas em campos de refugiados com o notebook em mãos. Estudando mapas e documentos, ela pode marcar precisamente onde os refugiados sírios estão procurando abrigo. Ela pode conversar sobre assuntos que vão desde o Estado Islâmico do Iraque, da fome no Sudão, à epidemia de ebola na África Ocidental. Estas regiões, ao longo do tempo, tornaram-se seu território.

“Você e eu conhecemos os horrores da guerra”, disse Jolie, posteriormente, enquanto estava sentada dentro de sua tenda preta no meio dos sets de filmagens, olhando para um monitor. Ela tomava uma sopa de vegetais enquanto bebericava um suco natural (não havia tempo para um almoço demorado já que ela esperava terminar de filmar antes do anoitecer). Ela estava completamente sem maquiagem, a não ser um pesado protetor solar. Seus cabelos compridos – que ficaram levemente loiros por conta da exposição ao sol australiano – estavam escondidos embaixo de um chapéu. “Eu quero que crianças possam assistir esse filme. É algo que eu quero mostrar para os meus filhos – uma mensagem de vida”.

Um de seus filhos, Maddox (13), caminhava pelo set observando a atividade e conversando com os atores; ele vai trabalhar como produtor assistente em seu próximo filme, “By the Sea”, no qual ela irá dirigir seu novo marido, Brad Pitt. Mas, no momento, seus cinco filhos mais novos – Pax, que fará 11 anos neste mês de Novembro, Zahara, 9, Shiloh, 8, e os gêmeos Knox e Vivienne, 6 – estavam em uma espaçosa mansão alugada em Sydney, não muito longe dos sets, onde Jolie janta com a família quase todas as noites.

Jolie não é uma pessoa que se queixa das coisas. Eu estive perto dela em várias visitas realizadas às zonas de conflitos (parcialmente como consultora para a UNHCR), e se existe uma coisa que eu percebi é que ela não tem um “verdadeiro lado diva”. Ela normalmente chega antes às reuniões e senta-se discretamente enquanto espera com um livro ou anotações em mãos. Não existe um grupo de pessoas ao redor dela. Ela leva poucas coisas consigo e normalmente viaja com apenas uma mala – uma lição valiosa aprendida por trabalhar para organizações humanitárias e por ter de subir e descer de helicópteros em locais remotos. Ela é incessantemente educada e procura nunca se queixar por estar casada, passando mal ou doente.

Suas prioridades sempre foram muito claras. Ela confia em apenas uma assistente pessoal (que é realmente uma das suas melhores amigas), em alguns tutores e em uma equipe de pessoas confiáveis, as quais trabalham na educação de seus filhos. As crianças são educadas em casa e procuram cuidar umas das outras. Mas quase sempre é apenas ela – ou ela e Pitt – e a família, em uma suíte de hotel ou em uma casa, comendo juntos e assistindo filmes. Esta é, na verdade, a versão de sua vida real. Os dois são ótimos pais e quando Jolie está de folga do trabalho, eles levam as crianças para o Zoológico de Taronga em Sydney, para atividades noturnas.

Para o casamento surpresa que aconteceu no mês de Agosto passado na casa da família no Sul da França, todo mundo se preparou durante duas semanas para que acontecesse. “Todos nós íamos nos casar”, disse ela. “Não havia bolo, então Pax decidiu fazer um. As crianças fizeram pequenas almofadas para levar as alianças e Knox ficou praticando [para levá-las] com um pingente que vivia caindo. A mãe de Brad [Jane Pitt] foi até o jardim, colheu algumas flores e as amarrou. As crianças também ajudaram escrevendo os votos. “Nossos filhos não achavam que nós nunca fossemos brigar, mas nos fizeram prometer dizer ‘desculpe’, se isso acontecesse. Então eles disseram ‘Vocês aceitam’? E nós dissemos, “Sim, aceitamos!”.

Para as pessoas que já os conheciam, eles já pareciam casados: eles sempre foram próximos, respeitosos um com o outro, e apaixonados quando estavam juntos, sempre chamando-se de “querido ou querida” [honey, em inglês]. Mas ela sente que existe um novo tipo de relacionamento agora? “É diferente. É uma boa sensação sermos marido e mulher”.

Um ano atrás, quando Brad Pitt ainda era seu noivo, ele estava participando das gravações do filme “Corações de Ferro” (Fury), que estava sendo rodado na Inglaterra. Na época, ele e Jolie trocaram cartas escritas à mão – que eram enviadas através do correio – porque era assim que os casais se comunicavam durante a Guerra. Estes detalhes e autenticidade são importantes para Jolie.

Na Bósnia, enquanto filmava “Na Terra de Amor e Ódio” (In the Land of Blood and Honey), ela conversou extensivamente com jornalistas que foram correspondentes durante a guerra para garantir que as falas dos rádios mostradas no filme, estavam sendo retratadas com precisão. Ela estudou a história da Iugoslávia e conferiu tudo, na ocasião, com o diplomata veterano Richard Holbrooke – que tinha trabalhado como Enviado do Presidente americano Bill Clinton e que, posteriormente, foi representante oficial do governo americano no Paquistão e no Afeganistão, reportando-se diretamente para a Secretária de Estado da época, Hillary Clinton. De forma similar, Jolie se prepara meticulosamente para suas missões humanitárias, recebendo informações através de assessores de confiança da ONU, de especialistas em política externa e de colegas do Conselho de Relações Exteriores, do qual ela faz parte. Não são muitas pessoas do Directors Guild of America das quais pode se dizer o mesmo.

Jolie se sentiu atraída pela história de Zamperini por conta da sua força de caráter, seus instintos de sobrevivência, sua fé mesmo em situações terríveis e de suas fortes convicções. Fortuitamente, os dois eram vizinhos: da onde Jolie mora em Hollywood, ela consegue ver a casa de Zamperini. Ela lembra que batalhou duro para conseguir dirigir esta história e, quando finalmente recebeu a permissão da Universal, ela pediu para que Pitt subisse no telhado de sua casa e balançasse a bandeira americana para que Zamperini pudesse vê-la. Ela, então, ligou para ele e triunfantemente disse “Louis, olhe para sua janela!”.

Junto com a família de Zamperini, Jolie esteve ao lado dele durante seus últimos dias de vida. Ela estava orgulhosa pelo fato de ter conseguido mostrar uma primeira versão do filme. Num primeiro momento, ela estava nervosa em imaginar como ele iria reagir. “Eu estava mais emocionada que ele”, explica ela. “Eu entrava para cuidar dele – e ele acabava cuidando de mim”.

Juntos, eles sentaram-se no hospital e assistiram cenas de dificuldade, persistência e, por fim, triunfo – com pinceladas da recusa inata de Zamperini em desistir. Ele foi um rapaz com um irmão que o encorajava a focar em seus talentos; um rapaz que correu nas Olimpíadas de 1936 em Berlim (onde a estrela da época, Jesse Owens, recebeu quatro medalhas de ouro); que viu o terror de um acidente de avião mudar sua vida; que passou por noites e dias árduos no mar e indescritíveis momentos no campo de prisioneiros. “Foi uma experiência extremamente comovente” – disse Jolie com lágrimas nos olhos e com a voz sumindo – “ver alguém assistir sua própria vida… alguém que foi tão forte fisicamente… mas que estava em um momento no qual seu corpo estava desistindo”. É evidente que ela também estava se referido à forma que um câncer de ovário levou, em 2007, sua própria mãe, a atriz Marcheline Bertrand.

“E mesmo assim, nós rimos juntos e conversamos sobre a mãe dele. E, sendo um homem com tamanha fé que ele era, ele falava sobre todas as pessoas que ele acreditava que iria reencontrar no outro lado. E isso deu paz a ele. Depois de uma vida de batalhas, ele finalmente pode descansar”.

Certa vez, lembra ela, Zamperini parecia que estava enfraquecendo. Então, como se ele tivesse um extenso reservatório de determinação, ele voltou a ficar bom. “[Os médicos] disseram que ele estava treinando para conseguir respirar sozinho. E essa era uma coisa que ele sempre me dizia – se você se esforçar mais do que os outros caras, você ganhará. Se você aguenta, você consegue.” Nesta hora, ela ficou mais emotiva, mas acabou guardando para si mesma. “Poeticamente falando, ele aguentou 40 dias e 40 noites.” E então faleceu.

A morte de Zamperini fez com que ela ficasse ainda mais determinada em transmitir a mensagem de “Unbroken”. “Ele não queria que as pessoas vissem o quão extraordinário ele foi, mas sim, o quão extraordinário qualquer um pode ser,” disse ela. “A vida dele não começou perfeita. Este é um lembrete de que o nosso espírito – a vontade de fazer o bem e de fazer algo que tenha significado – é muito, muito poderoso.”

A primeira vez que eu conheci Jolie foi três anos atrás, quando ela entrou em contato comigo por conta do livro que eu escrevi sobre a Guerra da Bósnia, intitulado “Madness Visible” [Maldade Visível], que foi parcialmente baseado em uma reportagem feita para a Vanity Fair. Ela me enviou um recado, algo do tipo “pensamos da mesma forma”. Na época, ela tinha terminado de dirigir seu filme sobre os horrores do conflito que aconteceu na Bósnia durante os anos 90. Quando ela e Pitt foram para Foca – lugar que sediou um dos mais violentos acampamentos – os cidadãos Bósnios ficaram perplexos. Ela tinha, inclusive, ouvido dizer que os correspondentes que fizeram a cobertura da guerra na época (inclusive eu) eram céticos. Todo mundo era. Como poderia a Angelina Jolie – ou melhor, a Lara Croft (essa era a forma que eu a via) – transformar este incendiário assunto em um filme?

No fim, ela fez um dos filmes mais fortes a respeito da guerra. Ela usou apenas atores locais. Ela gravou em duas línguas: inglês e servo-croata (ou como a língua costumava ser chamada).Um dos meus amigos mais desacreditados, que viveu em Sarajevo na época, estava imaginando a mesma coisa: Como pode alguém que só tinha 17 anos no começo da guerra, ter conseguido fazer isso tão bem?

Parte do motivo, talvez, seja pelo fato de que a empatia de Jolie é vasta. Assim como qualquer outra mãe, ela se coloca no lugar das mulheres que ficaram presas nos campos de refugiados ou daquelas que perderam seus filhos. E, em contraste do que nós tipicamente vemos nos Oficiais ou Enviados, ela cresceu emocionalmente e, às vezes, quando está sozinha pensando nas coisas que estão acontecendo, começa a chorar – e não tem vergonha disso.

Eu sempre pergunto qual vai ser o próximo capítulo na vida dela. (Na verdade, ela acabou de assinar um contrato para dirigir outro filme: “África”, que contará a história do paleontólogo Richard Leakey e sua campanha em salvar os elefantes do Quênia). E ainda, além dessas paixões criativas, eu imagino algo diferente, possivelmente ainda mais brilhante, no fim do túnel. Será que ela é capaz de ingressar na política? Ou digamos, na diplomacia como a atriz Shirley Temple Black? (quando eu mencionei o fato desta estrela mirim ter se tornado embaixadora da ONU, Jolie não conseguia se lembrar quem era e então, tive que mostrar a ela a página de Temple Black no Wikipedia). Jolie, normalmente, ri destas questões. Ela diz que ainda quer apenas escrever e dirigir. Mas sua trajetória fica cada vez mais clara conforme ela usa seus próprios projetos para promover o bem estar humano ao redor do mundo.

“Quando você tem um trabalho humanitário, você tem a consciência de que a política tem de ser levada em conta,” diz ela, dando uma dica de que, talvez, em algum ponto, ela possa tentar alguma coisa com relação a cargos eletivos ou nomeados. “Porque se você realmente quer fazer uma mudança extrema, existe uma responsabilidade. Mas honestamente eu não sei em qual papel eu seria mais útil – sou consciente de que a forma como ganho a vida, [poderia] tornar a coisa menos possível.”

Vale do Beqaa, Líbano
Fevereiro de 2014

Em fevereiro, ela deu um intervalo nas edições de “Unbroken” em Los Angeles, e aterrizou no Aeroporto Internacional de Beirute, no Líbano. Assim que chegou, houve muitos apertos de mão, fotos e protocolos governamentais. Mas, como é modesta, estava usando seu principal uniforme: calças justas, sapatilhas e uma blusa solta. Ela prefere a cor preta, branca, azul marinho e cinza; elas combinam mais fácil. Ela, na verdade, parece alegre, ignorando o fato de que voou cerca de 7,500 milhas , depois de passar longas horas trancada em sua sala de edição. Ela aguenta firme. Quando eu digo que ela estava ótima, ela balança os ombros e diz, “Só estou com um corretivo bom.”

Chegamos ao Vale do Beqaa. A crise de refugiados aqui é terrível. Mais de dois milhões (no começo do outono, mais de três milhões) de pessoas tiveram que fugir da guerra na Síria para países como a Jordânia, Turquia e Líbano. No dia seguinte, Jolie ficou com as crianças desabrigadas, procurando formas de reduzir a burocracia e ajudando a priorizar a necessidade de pessoas que realmente façam alguma coisa já que possuem condições de prestar auxilio. No dia seguinte, a caminho de uma reunião com o primeiro ministro do Líbano, Jolie quis fazer uma parada no “escritório de campo” da UNHCR, para tomar café da manhã com a equipe local. Um dos membros da equipe, que estava organizando quais carros iriam estar entre Beirute e Beqaa, estava ansioso para conseguir tirar uma foto com Jolie pois queria muito mostrar para sua mãe, disse ele. No mesmo momento, uma considerável reunião de funcionários importantes e de políticos locais estava aguardando para conversar com ela. Mas ao ouvir o pedido do rapaz, Jolie passou sorrindo por todos e posou para a foto. “Para sua mãe”, disse ela.

Srebrenica, Bósnia-Herzegovina
Março de 2014

Um mês depois, Jolie e eu estávamos a bordo do jato particular da Rainha do Reino Unido, para uma pequena viagem área para fora de Londres. Por motivos humanitários, a aeronave havia sido emprestada para William Hague que na época, era Ministro de Relações Exteriores do país, e que também estava a bordo. Na ocasião, Hague estava sentado ao lado de Jolie enquanto lia alguns papéis. Depois de ficarmos um dia em Sarajevo, viajamos a bordo de um helicóptero militar sobre a cidade de Srebrenica, que foi cena do massacre de 8.000 homens e meninos muçulmanos durante a guerra da Bósnia,

Hague, um célebre membro do partido conservador britânico, ficou sabendo de Jolie quando sua assessora bósnia, Arminka Helic, o convenceu a sentar e assistir o filme “Na Terra de Amor e Ódio”. Hague não é uma das criaturas mais abertas emocionalmente falando – ele é de Yorkshire – mas ao assistir o filme, ele ficou incomodado e comovido. Os dois começaram a trabalhar juntos em algo que se tornou a Iniciativa Contra a Violência Sexual. Os dois viajaram por Ruanda e pela República Democrática do Congo no ano passado, logo depois de Jolie ter se submetido a uma dupla mastectomia preventiva. No começo, ela manteve um silêncio estoico sobre sua cirurgia, mas alguns meses depois, ela publicou um artigo no jornal ‘The New York Times’ com a intenção de ajudar as outras mulheres que também estavam passando pela mesma agonizante decisão. A beleza deste artigo foi o fato de que não existia algo que indicasse pena de si mesma. Na verdade, ela encorajou outras mulheres. “Em uma nota pessoal, eu não me sinto menos mulher. Eu me sinto poderosa pela forte escolha que eu fiz, e que não diminuiu em nada a minha feminilidade,” escreveu ela. Isso significa alguma coisa vindo, assim como veio, da mulher mais sexy do mundo. Foi um momento importante para sua imagem pública. Se em algum momento Jolie havia sido uma rebelde criança de Hollywood, este foi o momento em que isso chegou oficialmente ao fim. (Durante a viagem ao Congo, ela fez seu trabalho sem, em nenhum momento, mencionar a cirurgia. “Se ela estava com dor, não dava para saber” disse um colega que esteve lá).

A Bósnia foi importante para Jolie e Srebrenica continua um lugar triste, 19 anos depois do pior massacre europeu desde a Segunda Guerra Mundial. A cidade parece assombrada pelas memórias dos mortos – e pelo contínuo sofrimento dos que sobreviveram. Dentro de uma antiga fábrica em Potocari, onde muitos homens foram mortos, um museu memorial foi criado. Acompanhada de Hague e de algumas outras pessoas, Jolie – usando um manto em sua cabeça, caminhava pela exposição. Em certo ponto, Arminka Helic, abraçou uma pálida Jolie e a confortou.

A Bósnia claramente a emocionou do mesmo modo que emociona muitas daquelas pessoas que viram os horrores acontecerem. A guerra vive nos ecos dos estupros, dos traumas e da violência que foram passados para as futuras gerações. No ano passado, na cerimônia dos Governors Awards, Jolie deu um passo para deixar isso muito claro. A fala pode ter sido um pouco chocante mas o sentimento foi genuíno: enquanto recebia o Prêmio Humanitário Jean Hersholt, ela falou, fazendo menção a todas as refugiadas que ela conheceu. “Eu não sei porque esta é a minha vida e aquela é a dela.” O peso de ter sido testemunha de tantos conflitos e desastres as vezes toma conta dela. Quando estava terminando seu filme sobre a Bósnia, ela lembra de ter desmoronado no chuveiro enquanto se dava conta da profundidade do tema que ela estava abordando e da responsabilidade que existia em tentar manter a fidelidade para com o povo, nos eventos que estavam sendo retratados no filme.

Londres
Junho de 2014

Jolie está em Londres com William Hague durante a Cúpula Internacional Contra a Violência Sexual nos Conflitos. Ela trouxe consigo, toda sua família, que tomou conta de uma suíte no Hotel West End. Durante estes quatro dias de evento, ela esteve correndo entre as reuniões com os representantes dos países como a Libéria, Congo e Sri Lanka. No último dia da Cúpula, foi anunciado que ela havia sido nomeada, pela Rainha, Dama Honorária – que é uma das maiores homenagens para os britânicos. A imprensa britânica, que foi desagradável na maior parte do tempo, estava agora uma bajulação só.

À noite, houve um jantar para a família em um simples restaurante japonês. Pitt e as crianças estavam comemorando aniversário do afilhado de Pitt. Durante a Cúpula, Jolie deu numerosos discursos e conheceu legiões de pessoas importantes, mas nesta noite, ela parecia feliz e relaxada enquanto bebia um mojito de vodka. Ela estava empolgada com o novo título (que é concedido, na ocasião, aos americanos), mas havia outra coisa importante em sua mente. Ela iria viajar para a Tailândia na semana seguinte para mais uma missão da ONU – desta vez, o Dia Mundial do Refugiado. O país estava passando por uma crise política depois de protestos em massa e violência nas ruas, mas ela estava relativamente tranquila.

Depois de jantar – sushi e yakitori – ela retornou para o hotel, tirou seus saltos e comeu batata frita de saquinho enquanto assistia à Copa na televisão: Holanda e Espanha. Tempos e tempos, Pitts irrompia em vaias e gritos. Um amigo do casal entra no quarto e pergunta se já podia deixar as malas da família prontas. Sua filha, Zahara também entra no quarto e se inclina para a mãe. “O que foi querida?” Jolie pergunta a ela. Com as faces coladas uma na outra, Zahara compartilha um segredo e cai na risada. Depois, Jolie me contou em um simulado sussurro, “Ela disse que Mad [Maddox] e sua namorada estavam se beijando.” Neste momento, Jolie sendo – não a humanitária ou a diretora de Hollywood – mas, antes de tudo, a Jolie mãe.

Em 2005, a atriz, que na época tinha 29 anos, deu uma extraordinária entrevista a esta revista – extraordinária porque a Angelina Jolie de uma década atrás não é a mesma mulher que está sentada na minha frente, serena e intelectualmente confiante. Naqueles dias, ela falava sobre sexo, sobre amores passados e sobre seu estridente relacionamento com o ex marido Billy Bob Thornton. Hoje, ela recita capítulos e versículos sobre como fazer com que os governos sentem-se e reconheçam as vítimas da violência, sobre como lidar com a impunidade para que o estupro não seja mais utilizado como uma arma de guerra. Ela soa como uma senadora ou uma diplomata, embora goste de beber um mojito.

Malta
Setembro de 2014

Jolie liga entre as gravações de seu novo próximo filme, “By the Sea”. Ela está sendo multi-funcional, como o de costume. Não apenas pelo fato de estar dirigindo Brad Pitt (“Alguns amigos nossos perguntaram se eramos loucos… Já que é um filme sobre um casal que está passando por algumas dificuldades… e eu estou dirigindo ele”), disse ela, que também está atuando no filme, ao lado da atriz francesa Mélanie Laurent. É seu primeiro dia de filmagem e as crianças estão lá. Durante o final de semana, um contingente da ONU voou até Malta para conversar sobre como reduzir os acidentes com os imigrantes que estão morrendo no mar. Jolie irá se encontrar com o Alto Comissário da ONU para os Refugiados, Antonio Guterres – um homem que, de acordo com alguns, tem a chance de se tornar o próximo Secretário Geral da ONU.

Mas, ela quer falar sobre Louis Zamperini, sobre as edições finais de “Unbroken”, sobre a situação dos refugiados sírios, sobre o Estado Islâmico do Iraque sobre os homicídios brutais dos jornalistas James Foley e Steven Sotloff. (Certa vez, ela interpretou Mariane Pearl, a viúva de Daniel Pearl, no filme de Michael Winterbottom, “O Preço da Coragem”). E ela quer falar sobre o futuro. E uma questão surge novamente: Será que ela se vê, nos próximos anos, seguindo uma carreira na política, na diplomacia ou no serviço público? “Eu estou aberta”, responde ela, parecendo, como sempre, receptiva, ousada e sedutora.

Fotos:
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