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The New York Times publica artigo escrito por Angelina Jolie

2 de fevereiro de 2017

Recentemente, o novo Presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, assinou um decreto proibindo a entrada de refugiados e imigrantes advindos da Síria, Iraque, Irã, Líbia, Sudão, Iêmen e Somália. Por conta desta decisão, o governo norte americano está enfrentando protestos e hostilidade.

Em meio a este cenário político, a Enviada Especial do Alto Comissariado da ONU para os Refugiados, Angelina Jolie, decidiu se manifestar pela primeira vez a respeito do assunto. Nesta quinta-feira, dia 02 de Fevereiro de 2017, o jornal ‘The New York Times’ publicou em seu site oficial, um artigo escrito por ela, intitulado “A política dos refugiados deveria ser baseada em fatos, não em medo”. Confira na íntegra, o artigo traduzido exclusivamente pelo Angelina Jolie Brasil:

A política dos refugiados deveria ser baseada em fatos, não em medo

Por Angelina Jolie

Os refugiados são homens, mulheres e crianças que foram apanhados pela fúria de uma guerra ou que se encontram no centro de uma perseguição. Longe de serem terroristas, os refugiados são, muitas vezes, vítimas do terrorismo.

Tenho orgulho da história do nosso país em dar abrigo às pessoas mais vulneráveis. Os americanos tem derramado sangue ao defender a ideia de que os direitos humanos transcendem a cultura, geografia, etnia e religião. A decisão de suspender a reinstalação dos refugiados nos Estados Unidos e de negar a entrada de cidadãos de sete países que são, em sua maioria, muçulmanos, foi recebida de forma chocante pelos nossos amigos ao redor do mundo, precisamente por causa dos atuais recordes.

A crise global de refugiados e a ameaça do terrorismo fazem com que seja inteiramente justificável considerarmos as melhores formas para proteger nossas fronteiras. Todo governo deve equilibrar as necessidades dos seus cidadãos com sua responsabilidade internacional. Mas nossa resposta deve ser mensurada, baseada em fatos e não em medo.

Como mãe de seis filhos, todos nascidos em terras estrangeiras e orgulhosos cidadãos americanos, eu também quero muito que nosso país seja seguro para eles e para todos os filhos da nossa nação. Mas eu também gostaria de saber que as crianças refugiadas, que necessitam de asilo, também terão a chance de defender sua situação a uma América compassiva. E que nós podemos gerenciar nossa segurança sem barrar cidadãos de um país inteiro – até bebês – com a justificativa de que não é seguro visitar nosso país em virtude da geografia ou da religião.

Simplesmente não é verdade que nossas fronteiras estão sendo invadidas ou que os refugiados são admitidos nos Estados Unidos sem nenhum rigoroso escrutínio.

Os refugiados são, de fato, são alvos do mais alto nível de perseguição do que qualquer outra pessoa que viaja para os Estados Unidos. Isso inclui meses de entrevistas, de verificações de segurança realizadas pelo FBI, pelo Centro Nacional Contraterrorismo, pelo Departamento de Segurança Interna e pelo Departamento do Estado.

Além disso, apenas as pessoas mais vulneráveis são encaminhadas para reassentamento: sobreviventes de tortura, mulheres e crianças em risco ou que podem não sobreviver sem uma assistência médica especializada. Visitei incontáveis acampamentos e cidades onde centenas de milhares de refugiados mal sobrevivem e onde cada família passou por um sofrimento. Quando a Agência Nacional das Nações Unidas para os Refugiados identifica aqueles que mais precisam de proteção, podemos ter certeza de que eles realmente merecem a segurança, o abrigo e novo começo que países como o nosso podem oferecer.

Keith Negley, The New York Times

E na verdade, apenas uma minuscula fração – menos de um por cento – de todos os refugiados no mundo, são para sempre reassentados nos Estados Unidos ou em qualquer outro país. Existem mais de 65 milhões de refugiados e de pessoas desabrigadas ao redor do mundo. Nove em cada 10 refugiados vivem em países pobres ou de renda média, e não em países ricos do Ocidente. Existem, pelo menos, 2.8 milhões de refugiados sírios apenas na Turquia. Apenas cerca de 18.000 refugiados sírios foram reassentados na América desde 2011.

Essa disparidade aponta para outra, mais preocupante realidade. Se enviarmos a mensagem de que é aceitável fechar as portas para os refugiados, ou que é aceitável descriminá-los com base na religião, nós estaremos brincando com o fogo. Nós estamos acendendo um fusível que irá queimar ao redor dos continentes, incitando a verdadeira instabilidade que estamos procurando proteger, contra nós mesmos.

Nós já estamos vivendo a pior crise de refugiados desde a Segunda Guerra Mundial. Existem países na África e no Oriente Médio que estão com superlotação de refugiados. Durante gerações, os diplomatas norte americanos se juntaram às Nações Unidas ao estimular países em manter suas fronteiras abertas e em manter os padrões internacionais de tratamento aos refugiados. Muitos fazem isso com uma generosidade exemplar.

Qual será a nossa resposta se outros países usarem a segurança nacional como desculpa para começar a mandar as pessoas embora, ou para negar direitos com base na religião? O que isso pode significar para os rohingya de Myanmar, para os refugiados somalis ou para as outras milhões de pessoas desabrigadas que são muçulmanas? E como isso reage com a proibição absoluta do direito internacional com relação à discriminação baseada na fé ou na religião?

A verdade é que mesmo que os números de refugiados que nós recebemos seja pequeno, e que nós fazemos o mínimo necessário, nós só fazemos para atender as convenções e os padrões das Nações Unidas que tanto lutamos para construir depois da Segunda Guerra Mundial, pelo bem da nossa própria segurança.

Se nós, norte americanos, dissermos que essas obrigações não são mais importantes, corremos o risco de gerar um “vale tudo”, no qual ainda mais refugiados serão negados a um lar, garantindo mais instabilidade, ódio e violência.

Se criarmos um grupo de refugiados de “segunda classe”, insinuando de que os muçulmanos precisam menos de proteção, nós estaremos alimentando o extremismo no exterior e, em casa, estaremos minando o ideal de diversidade que tanto os democratas quanto os republicanos apreciam: “A América está comprometida com o mundo porque muito do mundo está dentro da América,” nas palavras de Ronald Reagan. Se dividirmos as pessoas além das nossas fronteiras, nós estaremos nos dividindo.

A lição dos anos que passamos lutando contra o terrorismo desde o 11 de Setembro, é que cada vez que nós nos afastamos dos nossos valores, pioramos os problemas que estamos tentando conter. Nunca devemos permitir que nossos valores se tornem os danos colaterais na busca de uma segurança melhor. Fechar nossas portas para os refugiados ou criar discriminação entre eles não é nosso caminho e não nos torna mais seguros. Agir pelo medo não é nosso caminho. Segmentar o mais fraco não mostra força.

Todos nós queremos manter nosso país seguro. Portanto, devemos olhar para as forças terroristas – para os conflitos que dão espaço e oxigênio aos grupos como o Estado Islâmico, ao desespero e à anarquia dos quais se alimentam. Nós devemos ter uma causa em comum com as pessoas, de todas as crenças e origens, em lutar contra a mesma ameaça e em procurar a mesma segurança. Para isto, é onde eu esperaria que qualquer presidente da nossa grande nação conduziria, em nome de todos os norte americanos.

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Angelina Jolie é cineasta e é a Enviada Especial do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados.

Fonte:

The New York Times