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Jolie retorna ao trabalho após dedicar um ano à família

5 de setembro de 2017

Recentemente Angelina Jolie concedeu uma entrevista ao renomado site The Hollywood Reporter. A matéria foi escrita por Stephen Gallowaye e publicada neste domingo, dia 03 de Setembro. Já a tradução foi feita exclusivamente para o Angelina Jolie Brasil pelo nosso colaborador, Guilherme L.

Por Stephen Galloway

A atriz e diretora de “First They Killed My Father” espera estar diante das câmeras nos próximos meses. Angelina Jolie diz que planeja retornar ao trabalho após “tirar um ano” para lidar com uma complicada “situação familiar” depois de seu divórcio com Brad Pitt.

Falando no Festival de Cinema de Telluride – onde seu novo filme sobre o Camboja, “First They Killed My Father”, teve uma boa e memorável estreia (o longa tem previsão de ser lançado em cinemas selecionados e na Netflix a partir do dia 15 de Setembro) – ela disse que um dia gostaria de desistir da atuação para apenas dirigir, se isso for possível.

Jolie disse também que não se comprometeu completamente com seus próximos projetos, embora uma sequência de “Malévola” deva acontecer ainda este ano.

A cineasta sentou-se, no dia 3 de Setembro, ao lado de Loung Ung, uma refugiada cambojana que vive na América desde 1980, cujo livro serviu de base para o novo filme de Jolie. “First They Killed My Father” conta a história de Ung em sua trajetória através dos horrores praticados pelo Khmer Vermelho no fim dos anos 70. Confira abaixo uma transcrição editada da conversa de ambas com o “The Hollywood Reporter”.

Loung, de onde você é no Camboja?

UNG: Phnom Penh. Eu imigrei em 1980 para Burlington, em Vermont, e me mudei mais algumas vezes, acabando em Cleveland. Em 1980 eu tinha 10 anos. Meu irmão mais velho, sua esposa e eu deixamos o Camboja e acabamos chegando em um campo de refugiados na Tailândia, onde nós ficamos por seis meses. Lá, nós recebemos ajuda da “Holy Family Church” para virmos para a América, sem nenhuma ideia onde iríamos chegar e ficamos um pouco surpresos quando fomos parar em Vermont. Nós não sabíamos o que era tudo aquilo, porque quando você está num campo de refugiados, eles mostram a América pra você através de filmes e nenhum dos filmes se passava em Vermont – talvez em Los Angeles, Nova York ou Chicago; eu estava esperando grandes prédios e uma diversidade de pessoas.

Quando foi que você voltou para o Camboja pela primeira vez?

UNG: Em 1995, os Estados Unidos e o Camboja não tinham uma relação diplomática até 1993. Eu fiz 35 viagens até agora.

JOLIE: Você tem uma casa lá.

UNG: Eu tenho uma irmã que mora em um vilarejo. Então eu comprei uma terrinha pra mim. Esta minha irmã e um outro irmão ainda moram no Camboja.

Angelina, o que na história de Loung, você não conseguiu colocar no filme?

JOLIE: Tinha uma cena que tentavam levar uma mulher e tentavam transformá-la na esposa de alguém; isso aconteceu quando Ung presenciou um casamento forçado.

Isso acontecia muito?

UNG: Aconteceu quando eu estava lá. Aconteceu muito em diversos lugares do país, casamentos forçados de uma menina jovem com um soldado, sim, durante a guerra.

Quando você compreendeu em sua totalidade o que tinha acontecido lá, além das suas próprias experiências?

UNG: Provavelmente não até eu entrar no colegial. Eu fiz o sistema escolar americano e estudei História Inglesa, Russa, Chinesa e Americana, mas não havia espaço para o Camboja em nenhum lugar e não havia nenhum professor que pudesse sugerir algo e recomendar livros e vídeos. Mais ou menos em 1985, o National Geographic lançou uma edição cambojana que meu irmão tem até hoje; e eu me lembro que eu fiquei muito emocionada, mas não queria realmente lidar com isso; eu queria assimilar e ser como todo mundo. Mas eu comecei a ler quando os filmes de guerra foram lançados – “Platoon”, “Nascido para Matar” – e então os meninos começaram a fazer comentários horríveis sobre mim. Havia uma fala [em um dos filmes] em que as garotas vietnamitas diziam, “Cinco dólares por um momento de prazer”, e os meninos achavam que era engraçado dizer isso para mim. Então eu comecei a ler para me educar, porque a melhor forma de combater qualquer bullying é se educar e ter conhecimento, e eu estava pronta para usar isso contra eles e educá-los. Mas até a faculdade eu não pude realmente pegar livros e procurar por amigos que pudessem lê-los comigo. Faz muito tempo.

Você fez algum tipo de terapia?

UNG: Eu fiz muita terapia. É absurdo. Tem sido uma longa jornada. Há vários tipos diferentes de terapia. No Ocidente, nós queremos encerrar as coisas e eu aprendi, através de muitas formas de terapia, que não existe esse fim, é apenas uma jornada para se tornar mais forte, para se tornar mais saudável, mais equilibrado. Eu faço terapia com amigos, com a Angie. Nós conversamos muito.

Onde você está morando agora?

UNG: Cleveland.

[Para Jolie]: E você está em Los Angeles?

JOLIE: Sim, mas nós nos conhecemos há 16 anos. Ela vem para cá e nós passamos momentos juntas.

UNG: Escrever é terapêutico. Para mim, escrever e ter meus amigos é uma terapia de jornada interna na qual você caminha profundamente, você reflete, tenta curar a sua criança interior. Mas como uma ativista, há a terapia externa, em grande escala, onde você consegue perceber, em um certo ponto, que falar sobre você mesma fica chato. E também é insalubre ser tão focada só em você mesma. Em um certo momento, você tem que conseguir olhar para o problema e dizer, “Não é só com você. É a cultura, as pessoas, a nação, a família.” É por isso que eu amei trabalhar com a Angelina neste filme; é essa filosofia praticada, sendo sobre todos nós.

Angelina, agora você é uma cidadã cambojana e tem cidadania americana-cambojana. Quando isso aconteceu? Por que?

JOLIE: Foi mais de 10 anos atrás – eu venho trabalhando no país há mais ou menos 14 anos. Eu fui até lá para gravar “Lara Croft: Tomb Raider” e voltei logo depois com as Nações Unidas, fazendo algumas desminagens, aprendendo sobre repatriados. Eu conheci Loung, através da UNHCR, a agência de refugiados em que trabalho. Então, eu tenho trabalhado lá por mais de 14 anos e nós temos essa fundação na qual tomamos conta de 60.000 hectares e várias escolas – a Maddox Jolie-Pitt Foundation; são escolas, cuidados maternais, clínicas, muitas, muitas coisas. Então, depois de anos fazendo isso, eu recebi minha cidadania como uma humanitária.

Por que você quis isso?

JOLIE: Me ofereceram.

Tenho certeza que muitos países felizmente ofereceriam isso para você.

JOLIE: [Risadas] O Camboja me fez mãe. Maddox – foi o começo da nossa família: Mad e eu ficando juntos foi o começo de muitas coisas. Então eu sinto que eu estou conectada com esse país. Eu fiquei muito honrada e quis fazer coisas pelo país, a trabalhar em um nível mais profundo ainda.

Quantos anos Maddox tinha quando você o adotou?

JOLIE: Ele tinha 3 meses quando eu o conheci e agora ele tem 16 anos.

Ele fala Khmer [língua local]? Você fala?

JOLIE: Eu falo muito pouco. Mas o mais engraçado é que Shiloh é quem mais fala, a minha menina do meio, nascida na Namíbia. Meus filhos são de diferentes países, mas há um entendimento de que, você não tem que gostar de um país só porque nasceu nele. Você tem que respeitar todos os países. E ser muito aberta para todos os outros, claro. Mad tem muito orgulho de ser cambojano, ele ama o idioma. Ele, na verdade, está mais focado em aprender alemão, russo, coreano e francês – ele é um linguista. Ele fala um pouco de Khmer, mas eu não estou forçando-o a aprender. É muito importante que ele faça o quanto quer e que ame isso naturalmente. Foi ele quem disse que queria que nós fizéssemos o filme. Nós tínhamos o script havia alguns anos. Nós dissemos, “Quando você estiver pronto – porque você vai ter que trabalhar conosco – ir a fundo, pesquisar, estar lá”.

Ele é produtor no filme, certo?

JOLIE: Sim. Então eu disse: “Eu estarei pronta para fazer isso quando você estiver. Nós vamos mergulhar fundo na história do seu país. Nós vamos trabalhar com outras pessoas do seu país, aprender e amar. Isso vai ser muito imersivo e eu preciso que você entenda o que tudo isso significa.” Um dia ele me disse que estava pronto, então eu chamei Loung. Meu outro filho é vietnamita, Pax. Muito diferente. Uma história muito complexa, de ambos países. Há uma cena no filme em que um lado do rio é o Camboja e do outro é Vietnã, e eles estão atirando entre eles. Com meus dois meninos no set! Foi impactante para nós.

Você falou de Loung ontem no painel em que você defendeu o valor dos imigrantes. O que você acha da administração do Trump de restringir isso?

JOLIE: É muito importante que as pessoas possam entender que para os refugiados virem para esse país é algo muito difícil, demora muito tempo. É menos do que 1% [de requerentes que entram]; então para serem aprovados, para chegarem perto, é algo muito mais complexo do que muitas vezes os políticos gostam de fazer parecer. E pessoas que são refugiadas estão fugindo da guerra e da perseguição; eles não estão vindo porque querem estar em outro país; eles querem ficar em suas casas, na verdade, eles não querem ter que sair de suas casas. O que mais me chateia é que toda essa situação é sobre pessoas que não sabem a diferença entre um migrante e um refugiado; eles não tem respeito pelo motivo desses [refugiados] estarem vindo – as pessoas que são contra – e se esqueceram completamente de que foi isso que construiu o país, a diversidade. Quando afirma-se que massas de pessoas são perigosas, os números reais e a situação comprovam-se ser completamente diferentes do que foi publicamente apresentado, é horrível. Eu conheço essas pessoas. Eu conheci famílias se encaminhando para cá; eu conheci refugiados nos campos que estão aguardando – a permanência média em um campo de refugiados é de 16 anos. Nós temos 65 milhões de pessoas deslocadas – e eu não sou alguém que acredita que a solução é apenas atravessar uma fronteira. Nós precisamos nos unir, trabalhar internacionalmente para acabar com o conflito, e usarmos a diplomacia para mudar o mundo em que estamos – e o clima agora está afetando isso; a realidade das pessoas precisando de segurança em outros países é algo que precisamos entender. Este é o mundo em que vivemos.

Você vai se tornar mais ativa com relação ao que Trump quer fazer?

JOLIE: Eu não vou dizer como, especificamente, mas eu vou continuar a falar sobre os direitos humanos e as liberdades. Com certeza. Nós podemos falar sobre aquilo que nos irrita, mas o mais importante é tentar ajudar as pessoas a entenderem a realidade e não serem cegas por algo que não é a verdade. Então eu quero que as pessoas conheçam Loung. Ela é como uma garota síria que está tentando conseguir apoio neste exato momento. Ela contribuiu muito para a América e essa narrativa precisa mudar. Então eu vou continuar a tentar e mudar essa narrativa.

Loung, qual sua perspectiva para isso?

UNG: Eu sou muito grata por ser ter sido auxiliada pela população americana que é generosa, gentil e compassiva. Há muitos americanos que tem isso. Quando minha família chegou na América, os americanos ensinaram a nós como pegar um ônibus e onde comprar arroz – era difícil achar arroz!

JOLIE: Conte sobre 4 de Julho.

UNG: Nós chegamos na América em Junho de 1980. O grupo da igreja que nos amparou queria que nós vivenciássemos a próxima comemoração americana. Eles nos levaram para ver os fogos de 4 de Julho. A única coisa que era comparável a isso, para mim, era a guerra e as minas terrestres e as pessoas mortas, e na primeira explosão, eu fiquei aterrorizada, tentando correr e me esconder embaixo de um banco. Eu tinha total crença de que a guerra havia chegado à América e que soldados entrariam, e eu não conseguia compreender porquê as pessoas estavam paradas, assistindo e aplaudindo.

JOLIE: Pense para quantas pessoas deve acontecer isso. Para nós, é normal.

Foi um filme difícil de sair do papel. Ele foi caro também?

JOLIE: 20 milhões inicialmente. Nós conseguimos uma parceria incrível com Ted Sarandos e a Netflix. E eu tinha como bancar. Eu não recebi nada e quando recebi, coloquei no filme.

Você não ganhou nenhum dinheiro com isso, basicamente?

JOLIE: [Risadas] Não, mas na verdade o mais difícil foi pensar como faríamos o filme no país em que ela recebeu ameaças de morte quando escreveu o livro. Como levar isso para um país que não fala sobre o assunto, onde muitas pessoas dizem que nada aconteceu? É um país muito, muito complexo que ainda está lutando por suas vozes, seus direitos humanos. Ir até lá e recriar, no solo onde aconteceu tudo, esses horrores, e esclarecer essa guerra em cada sentido, será que o país aceitaria isso? Eles estão prontos para contar isso? O governo nos daria permissões?

Eles deram?

JOLIE: Sim.

O que você acha do primeiro ministro e o governo atual?

JOLIE: [Longa pausa] Eu sou alguém que trabalha no Camboja, com cambojanos. Eu trabalho ao lado de artistas e da sociedade, visando trabalhar dentro dela; então esse é o foco e eu espero que todos passem a acreditar na democracia, em certas liberdades, para que isso fique mais alto, para que suas vozes cresçam.

É algo que eles podem acreditar?

JOLIE: É difícil. É por isso que nós achávamos que não conseguiríamos fazer esse filme.

Você conheceu o primeiro ministro, Hun Sen?

JOLIE: Eu vivi lá e trabalhei lá. Fiquei cerca de quatro meses lá enquanto fazia o filme. Eu tenho um projeto com cerca de 100 pessoas com quem trabalhamos.

Seu plano agora é desistir da atuação e só dirigir?

JOLIE: Agora eu não tenho nada para dirigir e eu me sinto bem com isso, então vou atuar um pouco. Eu tirei um ano de folga, devido à minha situação familiar, para cuidar das minhas crianças.

Está tudo resolvido?

JOLIE: Quando eles puderem – quando eu sentir que é hora de eu voltar ao trabalho, esta será a hora de voltar a trabalhar. Eu tenho sido necessária em casa. Eu espero [trabalhar novamente] nos próximos meses que estão por vir.

O que você vai fazer em seguida?

JOLIE: Malévola, estamos trabalhando nisso, na verdade. E eu quero poder ter um pouco de diversão. Também tem Cleópatra, e há um script. Há muitas coisas rondando, mas ainda não me comprometi com nada.

Mas você planeja atuar e não apenas dirigir?

JOLIE: Eu adoraria fazer isso em certo momento. Em algum momento, provavelmente, só irei dirigir. Se eu puder. Mas eu não sei se vou poder ter uma carreira como diretora. Eu não sei como as coisas vão ser recebidas.

Seu filme está qualificado para concorrer com os filmes estrangeiros no Oscar?

JOLIE: Eu acredito que sim. É algo como, será que eles vão nos escolher? Nós vamos ser a escolha do país? Nós não sabemos.

Fonte: The Hollywood Reporter