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Angelina Jolie entrevista Miyavi para a UNHCR

11 de fevereiro de 2018

Cinco dias antes do cantor e ator japonês Miyavi chegar na cidade de Cox’s Bazar em Bangladesh, Nurul, um garoto de 8 anos de idade, e sua família chegaram ao acampamento de refugiados Kutapalong. Eles se juntaram aos 688 mil refugiados que agora chamam o acampamento de lar. Enquanto estava em Bangladesh, o Embaixador da Boa Vontade da UNHCR, Miyavi, se encontrou com Nurul e outras centenas de refugiados Rohingya. Eles contaram suas histórias de desespero, esperança, e sobre o desejo de voltar para casa com segurança.

Durante décadas, nossa Enviada Especial, Angelina Jolie, tem sido uma defensora feroz das pessoas que foram forçadas a fugir de suas casas. Quando ela soube que seu amigo Miyavi estava viajando para Bangladesh, ela quis saber sua perspectiva com relação as pessoas que compõem o maior acampamento de refugiados do planeta. Alguns anos antes, Angelina dirigiu e produziu o clipe da música “The Other” (Os Outros) de Miyavi, que foi lançado em 2016. O vídeo tem imagens de refugiados de todo o mundo, incluindo fotos do primeira viagem de campo feita pelo cantor com a UNHCR.

Aqui está a conversa completa entre os dois:

Angelina: Eu sempre sinto, quando me encontro com refugiados, que eu poderia oferecer mais do que apenas falar e comunicar suas necessidades. Eu vi a reação gerada quando você é capaz de compartilhar a música. Ela é importante não apenas por espalhar alegria ou animar as pessoas, mas porque muitos músicos estão juntos com as massas. Essas pessoas foram arrancadas daquilo que amavam e agora se concentram apenas em suas sobrevivências básicas. Eu acredito que, assim como eu tenho certeza de que você faz essa expressão criativa, é uma ferramenta para a sobrevivência. É uma parte essencial da vida. Quais foram suas experiências compartilhando a música nessa visita?

Miyavi: Antes de tudo, eu estava assustado quando visitei um acampamento de refugiados pela primeira vez, depois de ter sido inspirado por você. Já que eu não tinha nenhum conhecimento, experiência e até uma determinação como a sua naquele momento. Mas no momento que eu toquei o violão, eu vi o brilho nos olhos das crianças. As crianças ficaram loucas e eu fiquei maravilhado com a energia delas. A imagem que a palavra “refugiado” evoca – algo sombrio, sem esperança, um fardo, com pessoas sempre olhando para baixo – totalmente sumiu. Eles estão vivos. Especialmente as crianças, seus olhos não estão mortos. Seus olhos são ainda mais brilhantes e fortes que os nossos. Então, eu percebi que eu poderia fazer alguma coisa com a minha música. Novamente, eu não posso proteger as pessoas nos campos de guerra enfrentando aquelas pessoas que estão com armas. Mas talvez eu possa ser capaz de mudar a forma que as pessoas pensam através da música. A música não pode mudar o mundo imediatamente, mas pode mudar a inspirar as pessoas e essas pessoas talvez possam ser capazes de mudar o mundo. Então, esta é uma das minhas missões como músico agora.

Angelina: Eu conheço suas filhas muito bem. Eu imagino que você tem visto garotas com as mesmas idades de suas filhas. Quem você conheceu? Sendo pai, eu imagino que não é difícil simpatizar com muitos outros pais nos acampamentos que se encontram incapazes de dar aos seus filhos o que eles precisam no momento?

Miyavi: Muitas crianças inocentes não estão recebendo educação suficiente. Durante uma emergência, comida, água, e saúde é o que eles mais precisam, mas depois disso, a educação é uma das coisas mais importantes e é sobre isso que a maioria dos pais estão preocupados, eu acredito. No Líbano, quando eu toquei o violão no acampamento, eu deixei as crianças estourarem as cordas do instrumento quando eu fazia os acordes com a mão esquerda. Quando as crianças estavam fazendo fila, algumas começaram a brigar. Aquela briga de mão. Aquilo pareceu algo realmente sério para mim, então eu fiquei preocupado e perguntei aos refugiados que já eram adultos se aquela cena era ok. Eles disseram que era apenas briga de criança. Mas, se elas não receberam a educação correta, especialmente para aprender a importância de compartilhar as coisas com os outros, de cooperar, de aceitar as diferenças e de respeitar uns aos outros, é algo que pode gerar mais conflitos no futuro.

Angelina: Você conheceu pais? Qual foi a mensagem que eles passaram para você?

Miyavi: Eu me encontrei com famílias que tinham chegado apenas alguns dias antes. Abul, de 30 anos, pai de 3 crianças lindas disse que eles tiveram que pagar 100,000 quiates [unidade monetária da República da União de Myanmar], além disso os contrabandistas tomaram suas malas e todo o dinheiro que tinham quando chegaram. Sua esposa, Hamida (30), disse: “nós decidimos vir para cá para salvar nossas vidas e a vida dos nossos filhos”. É quase impossível imaginar, mas eu faria a mesma coisa se isso acontece com a minha família. Eu faria QUALQUER coisa pra proteger minha família, com toda certeza.

Angelina: Você consegue imaginar sua família nesta situação?

Miyavi: Não. Mas nós temos que fazer isso. Aquelas pessoas que são chamadas de refugiadas costumavam ser igual a nós. Eles tinham uma casa para voltar, um trabalho do qual se orgulhavam e tinham um sonho. A paz não é uma coisa que podemos dar como certa. Se não conseguirmos parar esta crise, pode ser que ela nos alcance num futuro próximo. É por isso que eu acho realmente importante ver esse assunto como uma questão global. Não apenas como um problema local. Todas as pessoas do planeta precisam lidar com isso e perceber que se nós não fizermos nada, será uma coisa que acabará voltando e nos perseguindo.

Angelina: A primeira vez que eu conheci os refugiados Rohingya foi quando viajei para a Índia, 11 anos atrás. Agora eles sentem que o mundo está finalmente ciente a respeito da situação deles ou eles perderam tudo? Qual é a discussão no acampamento? As famílias sentem que foram abandonadas?

Miyavi: As pessoas não tem ideia do que está acontecendo foram de suas comunidades já que, basicamente, não existe acesso para nada de fora, eu acho. Mas sim, eu tenho certeza de que eles se sentem isolados do mundo. Eles não tem acesso a trabalho, voto, e não podem até mesmo sair do acampamento legalmente. Sem identidade. Eles estão parecendo pássaros em uma gaiola.

Angelina: Você já visitou refugiados anteriormente em outras áreas (Tailândia, Líbano). Como essas experiências se comparam com aquela que você teve em Bangladesh. É o maior acampamento de refugiados do mundo. O que as pessoas mais precisam lá?

Miyavi: Eu fiquei impressionado com a escala, num primeiro momento. Mas ao mesmo tempo, honestamente, eu senti que eles, agora, estão protegidos pela UNHCR, por outras agências, ONGs e também pelo governo de Bangladesh. Esta foi uma das melhores coisas que eu vi desta vez.

Angelina: Você deve ter lembranças das pessoas que você conheceu, que ficaram na sua cabeça. Qual a história que mais se destaca para você?

Miyavi: Eu conheci um senhor que fugiu para Bangladesh duas vezes. Ele chegou em Bangladesh a primeira vez em 1992 e voltou para Myanmar em 1995. E agora ele voltou para Bangladesh 20 anos depois. Também ouvi outras histórias, de pessoas que voltaram 3 vezes para Bangladesh desde a década de 70. Além disso, essas pessoas se encontravam em situação de apátridas, só para começar. O que me impressionou foi que, apesar de terem passado por experiências horríveis pois tiveram suas casas queimadas, os membros de suas famílias foram mortos na frente deles, e por isso ficaram completamente traumatizados. No entanto, essas pessoas AINDA QUEREM VOLTAR PARA CASA. Isso arruinou meu coração de uma forma brutal. Eles conseguem ver o país deles dali. É algo que fica tão perto, mas ao mesmo tempo muito, muito longe.

Angelina: Que mensagem você recebeu das crianças que você conheceu?

Miyavi: Esperança. Os olhos delas não estão apagados. E é por este motivo que nós temos que protegê-las. Elas serão aquelas pessoas que serão responsáveis pelo nosso futuro. Nós somos responsáveis por mostrar o caminho certo a elas, um ambiente e uma educação como uma ideia de unidade.

Angelina: Como o fato de viajar e conhecer refugiados mudou sua perspectiva?

Miyavi: Mais determinação e responsabilidade. Eu agradeço a você por esta oportunidade e missão. Eu prometo fazer o meu melhor para que as coisas aconteçam.

Fonte: Medium@UNHCR